sexta-feira, 20 de junho de 2025

SÓ AS LÁGRIMAS DA REALIDADE PODEM NOS LIVRAR DA VISÃO FANTASIOSA SOBRE NÓS MESMOS

 Missa do 12º dom. comum. Palavra de Deus: Zacarias 12,10-11.13,1; Gálatas 3,26-29; Lucas 9,18-24.

 

“Jesus estava rezando num lugar retirado” (Lc 9,18). O Evangelho nos coloca não somente diante da oração de Jesus, mas deixa entrever o conteúdo da sua oração: “Quem eu sou?”. Qual a razão da minha existência? Por que eu estou neste mundo? Qual é a minha missão? A oração é o lugar onde a nossa vida pode encontrar o seu verdadeiro sentido. Na oração, o filho pergunta ao Pai: Por que o Senhor me chamou à existência? O que o Senhor quer que eu faça? Tomar consciência da razão da nossa existência nos ajuda a não nos perder na desorientação do mundo atual.

A resposta que Jesus buscava na sua oração – “Quem eu sou?” – não foi dada diretamente pelo Pai, mas pelos discípulos. Da mesma forma acontece conosco: Deus não nos fala diretamente, mas por meio de pessoas, de acontecimentos e da nossa própria consciência. O povo tinha várias opiniões a respeito de Jesus: Ele lembrava Elias, João Batista ou algum dos outros profetas. Essa diversidade de opiniões também está na presente na forma como vemos as pessoas e na forma como elas nos veem: são os rótulos – “Esse é de direita”; “Aquele que é de esquerda”; “Esse é conservador”; “Aquele é progressista”.

Diante de tantos rótulos, cada um de nós precisa responder a si mesmo: “Quem eu sou?”. Com quais valores eu me identifico? Como eu entendo a razão pela qual estou aqui, neste mundo? Para além da superficialidade dos rótulos, Pedro disse a Jesus como o via: “O Cristo de Deus” (Lc 9,20). Jesus é exatamente isso: o Cristo, o Ungido de Deus! O problema é que, tanto para Pedro como os demais discípulos, identificar Jesus como o Cristo significava enxergá-lo como o líder político e militar que libertaria Israel do domínio romano. Mas a missão de Jesus não era essa; por isso ele “proibiu-lhes severamente que contassem isso a alguém” (Lc 9,21).

Vivendo num mundo onde ninguém enxerga ninguém e onde os valores estão invertidos, nós facilmente caímos na tentação de nos sentirmos “o cristo”, ou seja, uma pessoa que será uma vitoriosa num mundo de fracassados, será alguém que enxerga num mundo onde todos são cegos, será um forte num mundo cheio de fracos. A ironia é que, principalmente por influência das redes sociais, nós somos imitadores dos outros: curtimos o que todos curtem, aplaudimos o que todos aplaudem, consumimos o que todos consomem porque, no fundo, somos movidos pela necessidade de aceitação: se formos diferentes dos outros, não seremos aceitos por eles.

Jesus, por ser livre dessa armadilha da aceitação alheia, foi tomando consciência da sua missão: “O Filho do Homem deve sofrer muito, ser rejeitado pelos anciãos, pelos sumos sacerdotes e doutores da Lei, deve ser morto e ressuscitar no terceiro dia” (Lc 9,22). Enquanto nós entendemos a vida na base do “eu quero” – quero vencer, quero ser grande e importante –, Jesus foi compreendendo na sua oração que o sentido da sua vida não estava no “eu quero”, mas no “eu devo”. Quem se orienta somente pelo “eu quero” acaba por ser infiel à sua missão e segue pela vida desorientado, como folha seca empurrada pelo vento. Somente quem tem consciência do seu “eu devo” não perde a direção do rumo que tem que tomar, para realizar a missão para a qual foi chamado.  

Estando consciente do seu “eu devo”, Jesus lançou um desafio para toda e qualquer pessoa que deseja se tornar sua discípula: “Se alguém me quer seguir, renuncie a si mesmo, tome sua cruz cada dia, e siga-me. Pois quem quiser salvar a sua vida, vai perdê-la; e quem perder a sua vida por causa de mim, esse a salvará” (Lc 9,23-24). Enquanto o mundo provoca o nosso ego a se colocar no centro de tudo, Jesus nos desafia a frustrar o nosso ego, que só busca o que lhe agrada e o que lhe interessa, para colocar no centro das nossas atitudes a consciência do nosso dever. Tomar a cruz cada dia significa ser fiel à missão que recebemos do Pai, ao nos chamar à existência; significa não nos colocar no centro e não termos medo de sermos desprezados, de sermos cancelados dos contatos das pessoas por não nos sujeitarmos a ser a reprodução da mediocridade que elas se tornaram, só para serem aceitas por uma sociedade que valoriza o fútil, o vazio, a superficialidade, o ridículo.

“Eles olharão para mim. Ao que eles feriram de morte, hão de chorá-lo, como se chora a perda de um filho único, e hão de sentir por ele a dor que se sente pela morte de um primogênito” (Zc 12,10). A pergunta sobre “quem eu sou?” está diretamente relacionada sobre “quem Deus é para mim?”. Deus se identifica com o fracassado, não com o vitorioso; Ele se encontra onde há dor, não onde há uma alegria egoísta e indiferente ao sofrimento alheio. “Naquele dia, haverá um grande pranto em Jerusalém... Naquele dia, haverá uma fonte acessível à casa de Davi e aos habitantes de Jerusalém, para ablução e purificação” (Zc 12,11; 13,1). Nossos olhos precisam chorar. As lágrimas da dor da realidade à nossa volta precisam limpar nossos olhos, para enxergarmos melhor quem é Deus e quem nós somos. Já passou da hora de nos despirmos da fantasia da grandeza, da vaidade, do “aparentar ser”, do aparecer, para nos revestirmos de Cristo (cf. Gl 3,27), de forma que as pessoas enxerguem em nós não uma caricatura de cristãos, mas verdadeiros discípulos d’Aquele que sempre buscou na oração tomar consciência da sua verdadeira missão neste mundo.

 

Pe. Paulo Cezar Mazzi   

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