quinta-feira, 12 de junho de 2025

SÓ O ESPÍRITO DA VERDADE NOS REVELA O PAI E O FILHO

 Missa da Santíssima Trindade. Palavra de Deus: Provérbios 8,22-31; Romanos 5,1-5; João 16,12-15.

           

O nosso Deus é comunhão. Ele nunca esteve só. Desde o início da criação, já se revela que Deus não estava sozinho ao criar todas as coisas: “Quando preparava os céus, ali estava eu... Eu estava ao seu lado como mestre-de-obras; eu era o seu encanto, dia após dia, brincando o tempo todo em sua presença” (Pr 8,27.30). Essa presença misteriosa é a presença do Filho: “Tudo foi feito por meio dele, e sem ele nada foi feito” (Jo 1,3); “Nele foram criadas todas as coisas, nos céus e na terra, as visíveis e as invisíveis” (Cl 1,16). A solenidade da Santíssima Trindade nos ensina que o Pai criou todas as coisas em seu Filho Jesus Cristo, e colocou em todas elas a Sua vida, o Seu Espírito.

Da mesma forma como a obra da criação é fruto da comunhão do Pai, do Filho e do Espírito Santo, a obra da redenção também o é. Como afirmou o apóstolo Paulo, “estamos em paz com Deus, pela mediação do Senhor nosso, Jesus Cristo” (Rm 5,1). Se o pecado havia nos separado do Pai, o Filho realizou a obra da reconciliação, restabelecendo a nossa comunhão com o Pai. Essa comunhão com o Pai não é estática, mas dinâmica: ela se movimenta e sofre mudanças, conforme a nossa existência também se movimenta e sofre mudanças. É por isso que o apóstolo Paulo afirma que o fato de estarmos em paz com Deus – reconciliados em seu Filho Jesus Cristo – não significa ter uma vida poupada de tribulações.

“A tribulação gera a constância” (Rm 5,3). Num primeiro momento, a tribulação provoca angústia, incerteza, dúvida, porque nós a interpretamos como ausência de Deus. Mas a função da tribulação não é desfazer a nossa fé em Deus, e sim nos educar para a constância: quando estamos vivenciando uma situação de tribulação, devemos nos manter constantes em nossa oração, em nossos compromissos com Deus. Muitos relacionamentos terminaram e muitos compromissos foram abandonados porque as pessoas não tiveram paciência em aprender a ser constantes. Essa constância não depende das circunstâncias externas serem favoráveis, mas se alimenta da convicção interna de que devemos prosseguir com nossos projetos, apesar das tribulações.

“A constância leva a uma virtude provada” (Rm 5,4). Só quem permanece constante torna-se uma pessoa virtuosa, uma pessoa que desenvolve o hábito de fazer o bem, independente das circunstâncias à sua volta serem favoráveis ou não. Uma virtude provada significa a disposição em fazer o bem ou caminhar segundo a verdade mesmo que isso lhe custe sofrimento. Essa “prova” da virtude aparece no livro do Eclesiástico: “Meu filho, se te ofereces para servir o Senhor, prepara-te para a prova. Endireita o teu coração e sê constante, não te apavores no tempo da adversidade” (Eclo 2,1-2).

“A virtude provada desabrocha em esperança” (Rm 5,4). Somente quem tem esperança suporta a imperfeição do presente e não abandona o seu compromisso com o bem por causa das adversidades do tempo presente. A nossa esperança não é uma esperança humana, isto é, uma esperança que se apoia em garantias humanas, mas uma esperança nascida do amor de Deus, sabendo que nada pode nos separar do amor do Pai manifestado em Cristo Jesus (cf. Rm 8,38-39).

“A esperança não decepciona, porque o amor de Deus foi derramado em nossos corações pelo Espírito Santo que nos foi dado” (Rm 5,5). O Espírito Santo está em nós como amor do Pai e do Filho. Ele nos garante que o Pai completará a obra que começou em cada um de nós, até o dia da vinda de seu Filho Jesus Cristo (cf. Fl 1,6). Esse amor do Pai e do Filho sustenta a nossa esperança, como afirma o salmista: “Os olhos do Senhor estão voltados sobre aqueles que esperam em seu amor... Senhor, que teu amor esteja sobre nós, assim como está em ti nossa esperança!” (Sl 33,18.22).  

Enfim, a nossa esperança está assentada numa promessa de Jesus: “Quando vier o Espírito da Verdade, ele vos conduzirá à plena verdade” (Jo 16,13). Nosso mundo está mergulhado na desorientação da mentira, e essa desorientação está adoecendo cada vez mais a humanidade. Só existe um caminho de cura para a doença da mentira, da desorientação: o Espírito da Verdade. Só a Verdade cura. Essa Verdade não nos pode ser revelada totalmente, mas aos poucos, na medida em que conseguimos compreendê-la e nos deixar orientar por ela. “A verdade é um livro que nenhum de nós nunca leu até o fim” (Pe. Thomás Halik). Isso significa que nenhuma pessoa ou religião pode se apossar do Espírito da Verdade e presumir-se o seu único intérprete. Devemos caminhar com humildade e pedir ao Espírito da Verdade que nos guie na noite escura da nossa vida, até que possamos ver face a face (cf. 1Cor 13,12).

 

Oração: Espírito da Verdade, revela-nos o amor do Pai e do Filho. Retira-nos do isolamento e da solidão, e desperta em nós o desejo da comunhão. Que o Teu amor nos ensine a amar as pessoas como elas são, e não como nós gostaríamos que elas fossem. Sustenta-nos com a Tua graça em nossas tribulações, concedendo-nos constância, virtude comprovada e uma esperança que não decepciona. Que a nossa esperança esteja em Ti da mesma forma como o Teu amor está em nós. Neste mundo desorientado, adoecido e perdido, toma cada um de nós em Tuas mãos e conduz-nos na luz da Tua verdade, até que possamos contemplar o Pai e o Filho face a face. Amém.   

 

Pe. Paulo Cezar Mazzi       

 

quinta-feira, 5 de junho de 2025

SEM A LUZ QUE ACODE, NADA O HOMEM PODE

 Missa de Pentecostes. Atos dos Apóstolos 2,1-11; 1Coríntios 12,3b-7.12-13; João 20,19-23.

 

No dia de Pentecostes, Deus derramou sobre os apóstolos o dom do Espírito Santo. Mas esse dom não está reservado somente para o dia de Pentecostes. O próprio Jesus, ao ensinar a oração do Pai Nosso, disse que o Pai nos dará o Espírito Santo sempre que o pedirmos (cf. Lc 11,13). Pedir o dom do Espírito Santo é tão necessário quanto pedir o pão nosso de cada dia! Só Ele pode transformar em nossa vida aquilo que não podemos por nós mesmos. Como ensina a oração da Igreja, é o Espírito Santo quem dá repouso ao cansado, levanta o que caiu, aquece o que está frio, cura o que está ferido, encoraja o que está paralisado pelo medo, fortalece o que se sente fraco, ressuscita o que está morto, reúne o que está disperso, santifica o que está marcado pelo pecado, lava o que está sujo, endireita o que está torto...

A palavra “Pentecostes” está ligada ao número “cinquenta”, e cinquenta significa “plenitude”. O Espírito Santo sempre parte de onde nós estamos, daquilo que somos, para nos levar aonde Deus quer que estejamos, para nos conduzir à nossa plenitude como pessoas e filhos de Seus. Porém, essa plenitude só é alcançada quando aceitamos que o Espírito de Deus nos exponha a provações, desafios e dificuldades que irão nos conduzir à verdade plena, pois ele é o Espírito da Verdade (cf. Jo 16,13).

O Espírito Santo foi descrito no evento de Pentecostes por meio das imagens do vento e das línguas de fogo (cf. At 2,2-3). Enquanto vento de Deus, o Espírito Santo nos sacode fortemente com o Seu vento para nos despertar, para nos desacomodar, para nos impulsionar a enfrentar os desafios ao invés de fugirmos deles. O nosso grande desafio é acolher o vento do Espírito, que “sopra onde quer” (Jo 3,8) e nos leva para onde devemos ir, não para onde gostaríamos de ir, como disse o apóstolo Paulo: “Agora, acorrentado pelo Espírito, dirijo-me a Jerusalém, sem saber o que lá me sucederá. Senão que, de cidade em cidade, o Espírito Santo me adverte dizendo que me aguardam cadeias e tribulações” (At 20,22-23). Se queremos experimentar a força transformadora do Espírito Santo, precisamos nos deixar “agarrar” por Ele e aceitar que Ele nos conduza para onde Ele quer, da forma como Ele quer.

E as línguas de fogo? As línguas favorecem nossa comunicação. Quando as línguas de fogo desceram sobre os apóstolos, eles começaram a falar de Deus de modo que todas as pessoas, independente da sua nacionalidade, podiam entender (cf. At 2,4.6.8.11). Diante da “Torre de Babel” em que às vezes se transforma a nossa casa, o nosso ambiente de trabalho, a nossa comunidade de fé, o nosso relacionamento com os outros – sabendo que essa confusão nos divide e nos impede de construir qualquer coisa juntos (cf. Gn 11,7.9) – precisamos silenciar, acolher e obedecer à voz do Espírito, que sempre se manifesta a cada um em vista do bem comum, em vista de restaurar a unidade do Corpo, lembrando a oração da Igreja: “Vosso Espírito Santo move os corações, de modo que os inimigos voltem à amizade, os adversários se deem as mãos e os povos procurem reencontrar a paz” (Oração sobre a Reconciliação II). Toda pessoa que age movida pelo Espírito Santo, trabalha pela unidade e pela comunhão, jamais pela divisão ou separação dentro da Igreja (cf. 1Cor 12,4-6.12-13). 

As línguas que desceram sobre os apóstolos eram “línguas como que de fogo”. Esse fogo aponta para a força transformadora do Espírito Santo em nós. O fogo endurece o barro (firmeza), purifica o metal (santidade) e funde o ferro (transformação). Precisamos que o Espírito Santo nos torne firmes, pois não recebemos um espírito de medo, mas de força (cf. 2Tm 1,7); que o Seu fogo queime nossas impurezas e nos torne uma oferenda santa para o Senhor; que Ele realize a grande transformação que Deus prometeu: “Eu darei a vocês um coração novo... Porei no íntimo de vocês o meu espírito... Porei o meu espírito em vocês e vocês viverão” (Ez 36,26.27; 37,6). Todos nós precisamos passar por uma profunda transformação, por uma reforma, por uma modificação. Mas isso só é possível por meio do Espírito Santo: “Não pela força, não pelo poder, mas por meu espírito, diz o Senhor” (Zc 4,6).              

Em muitos de nós há um medo inconsciente a respeito do Espírito Santo. Temos medo do que Ele possa fazer conosco e em nós; temos medo da Sua profundidade e de que Ele nos leve ao profundo de nós mesmos; temos medo de para onde Ele possa nos conduzir; temos medo da Sua liberdade, pois Ele sopra onde quer; temos medo porque não podemos controlar o Espírito... Quando esses medos forem reconhecidos e superados, quando pararmos de resistir ao Espírito Santo, quando tivermos a coragem de nos lançar nos Seus braços e de nos abrir à Sua graça, quando permitirmos que Ele penetre em nossas profundezas e toque nas nossas raízes mais profundas, então começaremos a nos tornar homens e mulheres novos, renovados, transformados...

 

Pe. Paulo Cezar Mazzi