quinta-feira, 29 de maio de 2025

SER O CÉU NA TERRA E VIVER SOB A PODEROSA MÃO DO SENHOR JESUS

 Missa da Ascensão do Senhor. Palavra de Deus: Atos dos Apóstolos 1,1-11; Efésios 1,17-23; Lucas 24,46-53.

 

            “Vencendo o pecado e a morte, vosso Filho, Jesus, rei da glória, subiu hoje ante os anjos maravilhados ao mais alto dos céus. E tornou-se o mediador entre vós, Deus, nosso Pai, e a humanidade redimida, juiz do mundo e Senhor do universo. Ele, nossa cabeça e princípio, subiu aos céus, não para afastar-se de nossa humildade, mas para dar-nos a certeza de que nos conduzirá à glória da imortalidade” (Prefácio da Ascensão I).

            Essas palavras a respeito da Ascensão de Jesus nos recordam que, ao subir para o céu e sentar-se à direita de Deus Pai, Cristo Jesus se tornou mediador, juiz e Senhor. Enquanto mediador, ele é a ponte que liga o céu à terra e a terra ao céu, de modo que, “por meio dele, todos nós temos acesso ao Pai” (cf. Ef 2,18). Essa mediação também significa que “Cristo entrou no céu, a fim de comparecer, agora, diante da face de Deus a nosso favor” (Hb 9,24). Enquanto juiz, Cristo Jesus virá do céu um dia para julgar os vivos e os mortos (cf. Mt 25,31-32): “Eis que ele vem com as nuvens, e todos os olhos o verão” (Ap 1,7). Enquanto Senhor, Jesus recebeu do Pai todo o poder no céu e sobre a terra: “Ele pôs tudo sob os seus pés e fez dele, que está acima de tudo, a Cabeça da Igreja” (Ef 1,22). Enfim, a presença de Jesus no céu, junto ao Pai, nos dá a certeza de que estamos destinados a participar da sua glória: “Dos céus aguardamos como Salvador o Senhor Jesus Cristo, que transfigurará nosso corpo humilhado, conformando-o ao seu corpo glorioso” (Fl 3,20-21). 

            Crer no céu significa nos lembrar de que “nós não temos aqui cidade permanente, mas estamos à procura da cidade que está para vir” (Hb 13,14). Isso significa que qualquer situação que vivamos neste mundo é transitória e não definitiva. Estamos aqui apenas de passagem. Crer no céu também significa crer na recompensa que toda pessoa receberá por ser justa e por ser solidária com quem sofre: “Tu receberás a recompensa na ressurreição dos justos” (cf. Lc 14,14; 16,9). Pelo contrário, aqueles que não creem no céu não veem sentido em serem bons, justos e solidários: “Sua maldade os cega. Eles não esperam prêmio pela santidade, não creem na recompensa das almas puras” (Sb 2,21-22).

            Uma vez que nós somos “cidadãos do céu” (Fl 3,20), nossa missão é ser o céu na terra. Essa missão foi anunciada por Jesus aos apóstolos antes de ele subir para o céu: “Recebereis o poder do Espírito Santo que descerá sobre vós, para serdes minhas testemunhas” (At 1,8). Sentado à direita do Pai, Jesus derrama constantemente o Espírito Santo sobre cada discípulo seu, para que este seja a Sua presença junto às pessoas, especialmente as que sofrem. Enquanto estava na terra, Jesus era o “Deus conosco”. Agora que ele está no céu, nos envia o Espírito Santo para ser “Deus em nós”. E a presença do Espírito Santo nos revela duas verdades: 1) “Jesus Cristo é o Senhor” (1Cor 12,3), aquele a quem o Pai concedeu o poder de julgar e salvar todo ser humano; 2) Não somos órfãos, mas recebemos o Espírito do Filho que clama em nós: “Abbá, ó Pai” (Rm 8,15). Nossa vida neste mundo deve ser vivida na consciência de que estamos debaixo do poder salvífico de Jesus e de que somos cuidados pelo Pai.

            O último gesto de Jesus, antes de subir para o céu, foi erguer as mãos e abençoar seus discípulos: “Ali ergueu as mãos e abençoou-os. Enquanto os abençoava, afastou-se deles e foi levado para o céu” (Lc 24,50-51). “Enquanto Moisés mantinha as mãos erguidas, Israel vencia a luta” (Ex 17,11). As mãos erguidas de Jesus sobre nós são a garantia de que venceremos nossas lutas; venceremos principalmente os obstáculos que nos impedem de anunciar o Evangelho e viver a nossa fé com fidelidade. No entanto, precisamos todos os dias nos colocar debaixo das mãos do Senhor Jesus, imitando a atitude do salmista: “Piedade de mim, ó Deus, tem piedade de mim, pois eu me abrigo à sombra de tuas asas, até que passe o perigo. Clamo ao Deus Altíssimo, ao Deus que faz tudo por mim: que do céu ele mande salvar-me, confundindo os que me atormentam. Que Deus envie seu amor e verdade!” (Sl 57,2-4).

            Sigamos confiantes na missão que o Ressuscitado nos confiou, certos de que sua bênção nos acompanha, e nos preparemos para receber a renovação do dom do Espírito Santo em nós, confiando na sua promessa: “Eu enviarei sobre vós aquele que meu Pai prometeu” (Lc 24,48).

 

Pe. Paulo Cezar Mazzi

quinta-feira, 22 de maio de 2025

NÃO SE INTIMIDE PERANTE OS DESAFIOS QUE A VIDA LHE APRESENTA

 Missa do 6º dom. Páscoa. Palavra de Deus: Atos dos Apóstolos 15,1-2.22-29; Apocalipse 21,10-14.22-23; João 14,23-29.

 

“Se alguém me ama, guardará a minha palavra, e o meu Pai o amará, e nós viremos e faremos nele a nossa morada” (Jo 14,23). Onde Deus mora? Normalmente, nós vamos a um templo, a uma igreja, para nos encontrar com Deus. Jesus nos surpreende ao revelar que o Deus que é amor mora num coração que ama – mais do que isso, num coração que não desiste de amar. Se muitas pessoas se relacionam com Deus movidas por alguma necessidade ou por medo de que, sem Ele, tudo desabe, Jesus nos convida a nos relacionar com ele e com o Pai movidos pelo amor. Este é o grande desafio da nossa vida de fé: caminhar com o Pai e com o Filho não porque precisamos de algo que eles nos deem, mas porque eles nos amam e nós queremos viver nesse amor.

Já no Antigo Testamento Deus havia deixado claro: “É amor que eu quero, não sacrifícios” (Os 6,6). Qualquer sacrifício que desejemos oferecer a Deus, se não nos levar a amar, de nada vale. Jesus explica que amá-lo consiste concretamente em guardar a sua palavra, o que significa viver segundo o mandamento do amor: “Como eu vos amei, assim também deveis amar-vos uns aos outros” (Jo 13,34). Como é o nosso relacionamento com Jesus? Quem ama deseja estar junto do amado. Nós reservamos um tempo diário para estar com Jesus, na oração? Se é verdade que Jesus está presente de modo mais concreto naqueles que não são amados neste mundo, nós procuramos amar essas pessoas?       

Estamos caminhando para o final do tempo da Páscoa, o qual se encerrará com a festa de Pentecostes. Por isso, Jesus nos fala da vinda do Espírito Santo: “O Defensor, o Espírito Santo, que o Pai enviará em meu nome, ele vos ensinará tudo e vos recordará tudo o que eu vos tenho dito” (Jo 14,26). Do quê nós precisamos ser defendidos? Não só do espírito do mal que age no mundo, mas também do nosso pecado, das nossas infidelidades. Precisamos ser defendidos de nós mesmos, da nossa preguiça espiritual, do comodismo, de uma vida fechada em si mesma e, por isso, indiferente às necessidades do próximo e da nossa própria Igreja. Precisamos ser defendidos do nosso medo e da nossa covardia perante os desafios que a vida nos chama a enfrentar. Sobretudo, precisamos ser defendidos das mentiras e das desinformações que as redes sociais despejam sobre nós todos os dias, recorrendo ao Defensor, que também é chamado por Jesus de “Espírito da Verdade” (Jo 15,26).

Ao anunciar a sua volta para o Pai, Jesus nos deixa a sua paz: “Deixo-vos a paz, a minha paz vos dou; mas não a dou como o mundo” (Jo 14,27). O mundo não tem paz alguma para nos dar; muito pelo contrário. Já a paz que Jesus nos dá nasce da sua absoluta confiança no Pai. Ele quer que vivamos dessa confiança: “O Pai é maior do que eu” (Jo 14,28). O Pai é maior do que tudo o que nos acontece. O Pai é maior inclusive do que o nosso próprio coração, quando nos acusa de alguma falha: “Deus é maior que o nosso coração e conhece todas as coisas” (1Jo 3,20). Ainda a respeito da paz que Jesus nos dá, devemos recordar das palavras de São Francisco de Assis: “Se algo rouba a paz do teu coração, é porque ocupou o lugar de Deus”.

Por fim, Jesus nos dá um conselho: “Não se perturbe nem se intimide o vosso coração” (Jo 14,28). A perturbação nasce da falta de confiança no Pai. Ela também tem como fonte perder-se nas urgências e não cuidar do essencial. Já o coração intimidado é um coração retraído diante da existência; um coração que, ao invés de se deixar conduzir pela força do Espírito Santo, se deixa dominar pela própria covardia frente aos desafios da vida. Se queremos superar essa intimidação diante da realidade, devemos nos recordar do conselho do Papa Francisco: “Importa cuidar do trigo e não perder a paz por causa do joio” (EG n.24). Trata-se de manter o foco e concentrar nossas energias no bem que podemos fazer, e não desperdiçar energia tentando anular o mal que existe no mundo.

Na medida em que nos preparamos para a festa de Pentecostes, recordemos esses quatro pontos do Evangelho: 1. Pautar o nosso relacionamento com o Pai e com o Filho pelo amor, e não pelo medo, muito menos pelo interesse; 2. Obedecer à voz do Defensor em nossa consciência e não cair no erro de, enquanto com uma das mãos pedimos a sua ajuda, com a outra nos mantemos presos ao nosso pecado de estimação; 3. Amar e promover a paz, lembrando de que ela só nos habita quando estamos na vontade de Deus – sempre que nos afastamos dessa vontade, perdemos a paz; 4. Não se perturbar nem se intimidar perante os desafios que a vida nos apresenta, mas aprender a confiar a Deus as nossas preocupações e nos manter firmes em nosso propósito, sabendo que “o vento pode soprar o quanto quiser; a montanha jamais se curva diante dele” (provérbio chinês).  

Pe. Paulo Cezar Mazzi

quinta-feira, 15 de maio de 2025

SÓ EXPERIMENTA VIDA QUEM NÃO DESISTE DE AMAR, APESAR DOS FERIMENTOS

 Missa do 5º. Dom. Páscoa. Palavra de Deus: Atos dos Apóstolos 14,21b-27; Apocalipse 21,1-5a; João 13,31-33a.34-35.

 

            “Nós sabemos que passamos da morte para a vida, porque amamos os irmãos. Aquele que não ama, permanece na morte” (1Jo 3,14). Estamos no 5º domingo da Páscoa. Só pode experimentar Páscoa, isto é, só pode fazer a passagem da morte para a vida quem decide amar. Sim, amar é uma decisão. Em um mundo onde o mal cresce sempre mais, onde as pessoas se tornam cada vez mais egoístas, individualistas, interesseiras, agressivas e intolerantes, só é possível amar tomando a decisão de perseverar no amor até o fim, recordando o que Jesus disse: “Devido ao crescimento da maldade, o amor de muitos esfriará. Aquele, porém, que perseverar até o fim, esse será salvo” (Mt 24,12).   

            Muitos deixaram de perseverar no amor, por terem sido feridos e traídos. Como não receberam mais amor dos outros, decidiram também deixar de amar, e por deixarem de amar, se permitiram morrer por dentro. “Aquele que não ama, permanece na morte”. Decidir não mais amar é decidir enterrar-se vivo; é decidir espalhar o veneno da raiva, da mágoa e do ressentimento sobre todas as plantas do jardim da sua alma, até que ele se torne um lugar deserto, seco, morto.

“Eu vos dou um novo mandamento: amai-vos uns aos outros. Como eu vos amei, assim também vós deveis amar-vos uns aos outros” (Jo 13,34). Antes de Jesus, já existia o mandamento do amor: amar a Deus sobre todas as coisas e amar o próximo como a si mesmo. O que existe de novidade no mandamento de Jesus é amar como Ele nos amou: “Tendo amado os seus que estavam no mundo, amou-os até o fim” (Jo 13,1). Amar até o fim é decidir continuar a amar depois que surgiu uma doença que impossibilitou a vida sexual no casamento; depois que a novidade deu lugar à rotina; depois que o corpo jovem e cheio de vigor entrou na fase do declínio e do envelhecimento; depois que a convivência com os defeitos da outra pessoa desmanchou a imagem idealizada que tínhamos dela.  

            O grande teste pelo qual o amor passa é a dor. Amar é expor-se à dor, é correr o risco de ferir-se, de não receber na mesma medida em que se dá. Amar como Jesus nos amou é aceitar ser crucificado para salvar aqueles que nós amamos. Em outras palavras, só é verdadeiro o amor que aceita sacrificar-se por aquele que ama. É aqui que a maioria fracassa. Nós não admitimos morrer em nosso egoísmo para que o amor não morra em nosso relacionamento com determinada pessoa. Nós não admitimos que, de fato, "é preciso que passemos por muitos sofrimentos para entrar no Reino de Deus" (At 14,22). Queremos experimentar o amor de Deus por nós, manifestado na cruz de seu Filho, sem com que tenhamos que ser crucificados em nosso egoísmo, em nossos caprichos, em nossa exigência de uma vida sem dor e de um amor que não precise sacrificar-se, que não precise sofrer para continuar a amar.

            Essa é a grande diferença entre nós e Jesus. Enquanto Jesus decide nos amar até o fim, aceitando morrer por nós numa cruz, nós tomamos a decisão de deixar de amar exatamente porque a cruz entrou em nossa vida. Queremos entrar no Reino de Deus desde que isso não nos custe sofrimento algum. Queremos colher flores no jardim da nossa existência sem que a semente que somos precise ser enterrada e morrer, para somente assim germinar e florescer. Nosso amor morre de fome, de desnutrição, porque somos grãos de trigo que não aceitam ser triturados para se tornarem a farinha da qual nascerá o pão que alimentará o amor que tanto desejamos que esteja presente em nossa vida.  

            Jesus afirmou: “Nisto todos conhecerão que sois meus discípulos, se tiverdes amor uns aos outros” (Jo 13,35). As pessoas que não frequentam nossa Igreja, ou que não são cristãs, ou que não creem em Deus, veem amor em nós e entre nós? As pessoas que chegam em nossas celebrações são acolhidas com amor ou tratadas com indiferença? A forma como tratamos as pessoas no ambiente de trabalho e no dia a dia manifesta o amor de Deus por todo ser humano? Nós amamos somente aqueles que o mundo “ama”: os belos, os fortes, os “importantes”, ou escolhemos amar preferencialmente aqueles que são ignorados e tratados com indiferença pelo mundo: os doentes, os fracos, os idosos, os “sem importância”, os deficientes, os esquecidos?

            São João da Cruz dizia que “no entardecer da vida, seremos julgados a respeito do amor”. Quando a nossa vida terrena terminar e formos colocados diante do tribunal de Cristo (cf. 2Cor 5,10), Ele nos perguntará se nós amamos até o fim, se amamos os que ninguém quis amar, se nós perseveramos em nossa decisão de amar mesmo sendo crucificados por aqueles que a vida confiou ao nosso amor. Enfim, parafraseando Santa Teresa de Calcutá, tenhamos consciência de que “a maior doença hoje em dia não é o câncer, mas sim a solidão e a sensação de não ser amado”.

 

Pe. Paulo Cezar Mazzi

quinta-feira, 8 de maio de 2025

A QUAIS MÃOS EU TENHO ME CONFIADO DIARIAMENTE?

 Missa do 4º dom. páscoa. Palavra de Deus: Atos dos Apóstolos 13,14.43-52; Apocalipse 7,9.14b-17; João 10,27-30

 

            “Todos nós como ovelhas, andávamos errantes, seguindo cada qual o seu próprio caminho” (Is 53,6). Essas palavras do profeta Isaías retratam o mundo atual: uma humanidade que anda errante, que não sabe para onde vai. Além disso, o individualismo faz com que cada um siga seu próprio caminho, ou seja, sua própria desorientação, perdendo-se, machucando-se, e às vezes, destruindo-se com suas próprias mãos.

            A resposta que o Pai deu à necessidade que todo ser humano tem de orientação, ou seja, que cada ovelha tem de encontrar o seu Pastor, foi enviar seu Filho. De fato, Jesus, “ao ver a multidão teve compaixão dela, porque estava cansada e abatida como ovelhas sem pastor” (Mt 9,36). Jesus não apenas nos convidou a pedir ao Pai que envie pastores para cuidar do Seu rebanho (cf. Mt 9,38), mas ele mesmo abraçou a missão de ser um pastor segundo o coração de Deus (cf. Jr 3,15). Neste sentido, São Pedro afirma: “estáveis desgarrados como ovelhas, mas agora retornastes ao Pastor e guarda de vossas almas” (1Pd 2,25).

Na sua mensagem para este domingo, o Dia Mundial de Oração pelas Vocações, escrevendo enquanto estava internado no Hospital Gemelli, em Roma, o Papa Francisco nos lembrou de que a desorientação do mundo atual se traduz numa “crise de identidade que é uma crise de sentido e de valores, que a confusão digital torna ainda mais difícil de atravessar”. Infelizmente, é dentro dessa “confusão digital” que as novas gerações têm buscado respostas, afastando-se da voz de Jesus, cuja verdade do Evangelho nos salva da desorientação, e acolhendo como “verdade” a voz de “Tick Tokers”, “Youtubers” e “Influencers” digitais, os quais são apenas “cegos conduzindo cegos” (cf. Mt 15,14).

Ao revelar-se como único e verdadeiro Pastor, Jesus afirma: “As minhas ovelhas escutam a minha voz” (Jo 10,27). “Escutar”, no sentido bíblico, significa “obedecer”. Muitas pessoas se recusam a escutar a voz de Jesus que ressoa através da Igreja, para obedecer cegamente a voz dos “pastores” da mídia, ainda que sejam líderes religiosos católicos. Muitas dessas ovelhas se recusaram a ouvir a voz do Papa Francisco, porque suas palavras questionavam a ideologia política delas. Além disso, essas ovelhas escolheram viver sua fé separadas do rebanho de Cristo; se consideram católicas, mas não frequentam e não querem pertencer a nenhuma Paróquia. Não são apenas ovelhas sem pastor, mas também sem rebanho.

            Sendo rejeitado por muitos líderes religiosos, assim como o Papa Francisco foi rejeitado por católicos conservadores e tradicionalistas, Jesus sempre permaneceu sereno e confiante na sua missão, entendendo que todo ser humano é livre para escolher a quem seguir, por quem se orientar, e aqueles que rejeitaram sua Palavra não eram, verdadeiramente, “suas” ovelhas. Essa rejeição à palavra do Evangelho foi testemunhada por Paulo e Barnabé, no texto dos Atos que agora a pouco ouvimos: “Era preciso anunciar a palavra de Deus primeiro a vós. Mas, como a rejeitais e vos considerais indignos da vida eterna, sabei que vamos dirigir-nos aos pagãos. Porque esta é a ordem que o Senhor nos deu: ‘Eu te coloquei como luz para as nações, para que leves a salvação até os confins da terra’” (At 13,46-47).

            Qualquer pessoa tem o direito de recusar-se a obedecer à palavra de Jesus, anunciada pela Igreja através da pregação do Evangelho. O grande perigo, porém, é esta recusa torná-la indigna da vida eterna! Não podemos nos esquecer de que o próprio apóstolo Pedro afirmou a Jesus: “Senhor, a quem iremos? Tens palavras de vida eterna” (Jo 6,68). Recusar a pregação do Evangelho alegando ser esta uma palavra muito dura, questionadora e exigente, que denuncia o quanto o nosso modo de viver não está de acordo com a vontade de Deus, pode até nos deixar mais livres para seguirmos nossos próprios caminhos, nossas próprias desorientações, mas nos distanciará sempre mais da vida eterna.

Contrapondo-se à desorientação do mundo atual, Jesus afirma: “As minhas ovelhas escutam a minha voz... Eu dou-lhes a vida eterna e elas jamais se perderão” (Jo 10,27-28). A única forma de não nos perdemos na desorientação do mundo moderno é nos guiar pela voz de Jesus no Evangelho, voz que precisa não apenas ser ouvida por nossos ouvidos, mas, sobretudo, pelo nosso coração. Aqui são oportunas as palavras do Papa Francisco, na sua Mensagem para o dia de hoje: “O mundo, queridos jovens, vos induz a fazer escolhas precipitadas e a encher os dias de barulho, impedindo a experiência de um silêncio aberto a Deus, que fala ao coração. Tende a coragem de parar, de escutar dentro de vós e de perguntar a Deus o que Ele sonha para vós. O silêncio da oração é indispensável para ‘interpretar’ o chamado de Deus na própria história e para dar uma resposta livre e consciente”.

Depende unicamente de cada um de nós afastar-se do barulho, entrar no quarto do seu silêncio interior, para podermos ouvir a voz do nosso Pastor, cuja orientação nos tira da confusão e nos mostra o caminho para a vida eterna. Sem essa atitude nós seguimos pela vida como uma folha seca que o vento da desorientação empurra para onde quer. É na oração diária que voltamos a nos colocar nas mãos do Pai e do Filho: “Ninguém vai arrancá-las de minha mão. Meu Pai, que me deu estas ovelhas, é maior que todos, e ninguém pode arrebatá-las da mão do Pai” (Jo 10,29-30). Aqui é preciso ter consciência que somos nós que escolhemos em quais mãos nos colocar, a quais mãos nos confiar. Por mais que o ser humano moderno pense ser autônomo, ele sempre acaba por se confiar às mãos de algo ou de alguém. Nenhuma ovelha consegue sobreviver sem vincular-se a algo ou a alguém que se torne para ela seu pastor, seu segurança, seu protetor, sua orientação.

Em quais mãos eu me sinto neste momento? A quais mãos eu tenho me confiado? Às mãos do mercado? Às mãos de algum influenciador digital? Às mãos de algum lobo vestido com pele de pastor? Às mãos do meu próprio vício e do meu próprio pecado? Só experimenta proteção e só encontra vida quem escolhe permanecer nas mãos do Pai e do Filho, como revela o livro do Apocalipse: “Nunca mais terão fome, nem sede. Nem os molestará o sol, nem algum calor ardente. Porque o Cordeiro, que está no meio do trono, será o seu pastor e os conduzirá às fontes da água da vida. E Deus enxugará as lágrimas de seus olhos” (Ap 7,16-17).

           

Oração: Senhor Jesus, todos nós estamos vivendo num mundo profundamente desorientado, onde cegos estão guiando cegos, sobretudo nas redes sociais. Concede-nos escutar e obedecer à tua voz, pois só tu tens palavras de vida eterna! Retira-nos das mãos dos falsos pastores, das mãos da nossa própria desorientação e, sobretudo, das mãos do nosso vício e do nosso pecado. Que a nossa oração diária seja o momento em que nos confiamos às tuas mãos e às mãos do Pai, mãos que nos resgatam, nos curam, nos protegem e nos orientam no caminho para a vida eterna. Vós que com o Pai viveis reinais pelos séculos dos séculos. Amém.

 

Pe. Paulo Cezar Mazzi

quinta-feira, 1 de maio de 2025

DA DECISÃO DO ABANDONO PARA A DECISÃO EM VOLTAR PARA A MISSÃO QUE NOS FOI CONFIADA

 Missa do 3º dom. da Páscoa. Palavra de Deus: Atos dos Apóstolos 5,27b-32.40b-41; Apocalipse 5,11-14; João 20,1-14.

 

            Quando Jesus chamou seus dois primeiros discípulos, Simão Pedro e André, disse-lhes: “Sigam-me, e eu farei de vocês pescadores de homens” (Mt 4,19). “Pescar homens” significa resgatar pessoas de toda situação de morte, pois o mar, na Sagrada Escritura, representa as forças do mal que investem contra os seres humanos. Mas há algo estranho acontecendo no coração de Simão Pedro: “Eu vou pescar” (Jo 21,3). Ao que tudo indica, Pedro decidiu voltar à sua antiga vida de pescador de peixes. Por qual motivo? Apesar de já ter visto Cristo ressuscitado duas vezes (cf. Jo 20,19.26), Simão Pedro não sente a presença do Ressuscitado junto dele e da Igreja, representada aqui pelos sete discípulos. Portanto, a decisão de ir pescar peixes aponta para o abandono da missão de pescar homens.

            Essa decisão – “Eu vou pescar” (Jo 21,3) – tem sido tomada por muitos cristãos que, apesar de ouvirem a Igreja proclamar que Cristo ressuscitou, não o sentem junto a si, na luta cotidiana da vida. “Eu vou pescar” é o abandono do casamento e da família, é o dizer “pra mim, já deu!”, é o retorno à vida antiga, é a desistência de continuar a buscar a meta para a qual fomos chamados, é o voltar ao vício, ao pecado, a uma vida mundana, a uma vida segundo a carne (nosso egoísmo) e não mais segundo o Espírito (a vontade de Deus). Todos nós corremos esse risco de nos tornar pessimistas e desanimar da missão que nos foi confiada. O pior é que a nossa decisão de abandonar tudo acaba por arrastar outras pessoas conosco: “Também vamos contigo” (Jo 21,3).

            Qual foi o resultado da desistência dos discípulos em deixar de pescar homens e tentar pescar peixes novamente? O fracasso: “Saíram e entraram na barca, mas não pescaram nada naquela noite” (Jo 21,3). Quando abandonamos a missão que somos e nos distanciamos da verdade de Deus, a única coisa que conseguir colher é o fracasso. Por isso, quando não estamos pescando mais nada, precisamos nos perguntar se estamos fazendo aquilo que, de fato, fomos chamados a fazer; se, por acaso, não estamos no lugar errado, fazendo coisas erradas, desperdiçando nossas energias com coisas que nada têm a ver com a nossa verdadeira vocação. Neste sentido, o fracasso é a coisa mais importante que precisa surgir em nossa vida.

            A boa notícia é que a noite do fracasso termina com o amanhecer de um novo dia, e esse amanhecer nos remete para o momento em que foi anunciado à Igreja, por meio de Maria Madalena, que o Senhor Jesus ressuscitou (Jo 20,1.11ss)! “Já tinha amanhecido, e Jesus estava de pé na margem” (Jo 21,4). Jesus é a “Estrela da manhã” (Ap 2,28). O brilho do sol que nasce aponta para a luz da ressurreição que venceu as trevas da morte. Jesus está “de pé”, justamente porque ele é o Ressuscitado. “Mas os discípulos não sabiam que era Jesus” (Jo 21,4), seja porque estavam um pouco distantes da praia, seja porque o corpo de Jesus está agora glorificado, seja ainda porque, quando nossos olhos se fixam no resultado dos nossos fracassos, não conseguimos enxergar o Ressuscitado próximo de nós, quando é nele que os nossos olhos precisam se manter fixos (cf. Hb 12,2)!

            Mas finalmente chega o momento em que o Ressuscitado é reconhecido! Quando Jesus disse aos sete discípulos da barca: “Lançai a rede à direita da barca, e achareis”, eles obedeceram, lançaram a rede “e não conseguiam puxá-la para fora, por causa da quantidade de peixes. Então, o discípulo a quem Jesus amava disse a Pedro: ‘É o Senhor!’” (Jo 21,6-7). Notemos que o discípulo amado não diz a Pedro: “É Jesus!”, mas “É o Senhor!”. O título “Senhor” só foi dado a Jesus após a ressurreição (cf. Fl 2,9-11). Quando o discípulo amado reconhece o Ressuscitado, Pedro tem a estranha atitude de vestir sua roupa (pois estava nu) e atirar-se ao mar (cf. Jo 21,7). A nudez de Pedro simboliza o abandono da sua identidade de discípulo. Sentindo a ausência do Ressuscitado, ele havia abandonado a sua “veste de discípulo”. Agora que volta a enxergar o Ressuscitado, retoma a sua veste e mergulha no mar, porque deseja chegar ao Ressuscitado o mais rápido possível.

            Muitos cristãos decidiram ficar nus, para não serem reconhecidos como discípulos de Jesus, num mundo contrário ao Evangelho. Este terceiro domingo da Páscoa nos convida a retomar a nossa identidade de discípulos, a voltar para a missão que nos foi confiada, a não nos deixar levar pela correnteza, mas a nadar na direção do Cristo ressuscitado, aquele que nos chamou a abraçar a missão de pescar homens, de ajudar a resgatar pessoas do mar da destruição e da morte.  

“Logo que pisaram a terra, (os discípulos) viram brasas acesas, com peixe em cima, e pão... Jesus disse-lhes: ‘Vinde comer’” (Jo 21,10.12). Na última Ceia, Jesus tinha predito a traição de Judas e a negação de Pedro. Agora, nesta ceia improvisada na praia, o Ressuscitado oferece a Pedro a chance de rever suas atitudes anteriores e abraçar com mais convicção a sua missão de apascentar as ovelhas do Seu rebanho (vv.15-19), deixando-se orientar a cada dia por Sua palavra.   

            Retomando alguns pontos deste Evangelho... “Eu vou pescar” – Estou mantendo minha fidelidade à missão de “pescar pessoas” para Deus ou passei a fazer parte daqueles que abandonaram a missão? “Também vamos contigo” – Mesmo vendo tantos que abandonaram seu trabalho na Igreja, eu continuo perseverando, ou deixei me contaminar pelo pessimismo dos outros? “Não pescaram nada” – O que o fracasso que estou enfrentando está me dizendo? Estou onde deveria estar, fazendo o que me foi confiado, ou me distanciei da minha vocação original? “Já tinha amanhecido, e Jesus estava de pé na margem” – Eu confio que não existe noite que impeça o sol de surgir no amanhecer? Eu creio que Cristo está vivo e me oferece a sua Palavra no amanhecer de cada dia, para me orientar na missão? “Simão Pedro, ouvindo dizer que era o Senhor, vestiu sua roupa, pois estava nu, e atirou-se ao mar” – Eu também estou nu? Eu também prefiro não ser reconhecido como discípulo de Jesus, para não ser criticado ou agredido por um mundo contrário ao Evangelho? “Vinde comer” – Eu me deixo alimentar pela Eucaristia que o Ressuscitado me prepara e abraço esse momento como uma oportunidade de confirmar a minha vocação e missão de cuidar daquilo que Ele confiou aos meus cuidados?

 

Pe. Paulo Cezar Mazzi