Missa do 2º dom. Páscoa. Palavra de Deus: Atos dos Apóstolos 5,12-16; Apocalipse 1,9-11a.12-13.17-19; João 20,19,31.
São Lucas nos apresenta um retrato da
nossa Igreja no século I, por volta dos anos 80, após a ressurreição de Jesus e
a vinda do Espírito Santo: “Crescia sempre mais o número dos que aderiam ao
Senhor pela fé” (At 5,14). Essa afirmação contrasta com a crescente perda de fé
das pessoas no mundo todo, de modo que a “religião” que mais cresce no mundo –
também no Brasil, conforme o censo de 2022 – é a dos “sem religião”. Embora
durante o pontificado do Papa Francisco o número de católicos que abandonam a
nossa Igreja tenha caído pela metade em nosso País (conforme revelou o censo de
2022), continua a aumentar o número das pessoas que escolhem não ter nenhuma
religião, e isso não apenas por desencanto com igrejas e religiões, mas,
sobretudo por desencanto com o próprio Deus.
Neste segundo domingo da Páscoa nos
deparamos com a falta de fé de Tomé. Primeiro, ele não teve fé na palavra da
Igreja, isto é, dos demais apóstolos, que lhe disseram: “Vimos o Senhor!” (Jo
20,25). Segundo, ele não teve fé na própria ressurreição de Jesus, a ponto de
exigir uma experiência particular: “Se eu não vir a marca dos pregos em suas
mãos, se eu não puser o dedo nas marcas dos pregos e não puser a mão no seu
lado, não acreditarei” (Jo 20,25). Essa exigência de Tomé está presente hoje
não só na necessidade de ver, mas também se sentir a presença de Deus. O mundo
atual só crê no que vê e no que sente, reduzindo a fé a uma sensação, a uma emoção.
Pregadores que levam os fiéis à emoção são os que mais têm suas igrejas e redes
sociais lotadas de “seguidores”.
Reduzir a fé a uma emoção tem dois
problemas: primeiro, emoções passam, mudam e acabam rapidamente; segundo, nem
Deus, nem a religião são uma espécie de droga fabricada para provocar emoção
nas pessoas e mantê-las distantes da realidade que são chamadas a enfrentar. Como
afirmou Davide Caldirola, “a verdadeira fé é aquela que nos salva nas tempestades e não das tempestades da vida”. Sempre que
tentamos transformar Deus numa proteção que nos mantém blindados contra a vida,
ou impedindo-nos de sermos feridos, machucados, Ele nos deixa falando sozinhos,
até que a nossa fé desista de fabricar um deus à nossa imagem e semelhança e
aceite a imagem do verdadeiro Deus: Cristo, o Ressuscitado que traz em seu
corpo as marcas do Crucificado.
Outro grande problema da nossa fé é o
imediatismo, a incapacidade de esperar em Deus. Porque plantamos a semente da
fé ontem, no chão da nossa vida, queremos colher hoje, nos esquecendo de que “a
estação do milagre não é aquela da semeadura, nem a da colheita; é aquela da espera”
(Davide Caldirola). Uma fé que não se desdobra em esperança não suporta as
demoras de Deus. Uma fé que chora o tempo todo, desejando o leite das consolações
de Deus, não é uma fé adulta, mas infantil, uma fé que não se mantém junto do
Deus de toda a consolação, mesmo quando Ele não nos dá consolação alguma.
Um engano muito comum, quando falamos de
fé, é pensar que, se temos fé, não podemos duvidar. Na verdade, a fé verdadeira
tem espaço para a dúvida. Muitas pessoas, por não suportarem os questionamentos
do mundo, trocaram a fé pelo fundamentalismo. “O fundamentalismo é um distúrbio
de uma fé que tenta entrincheirar-se no meio das sombras do passado,
defendendo-se da perturbadora complexidade da vida” (Pe. Tomás Halík, A noite do confessor, p.35). São
exatamente esses católicos fundamentalistas que rejeitaram o magistério do Papa
Francisco e que comemoraram a sua morte, postando em suas redes sociais: “Já
foi tarde!”.
Totalmente oposta ao fundamentalismo, a
fé não é certeza, mas confiança. Eu não vejo, não sinto e não entendo o agir de
Deus em minha vida; mesmo assim, eu confio no Seu agir. Neste sentido, devemos
nos lembrar das palavras que um grupo de judeus deixou escritas numa pedra, na
cidade de Colônia, Alemanha, durante a segunda guerra mundial: “Creio no Sol,
mesmo quando não brilha; creio no Amor, mesmo quando não o sinto; creio em
Deus, mesmo quando Ele se cala”. Isso é fé!
No momento em que Jerusalém estava
sitiada por dois povos aliados contra ela, e o rei e o povo estavam tremendo de
medo, Deus mandou Isaías dizer: “Se vocês não tiverem fé, não conseguirão manter-se
firmes” (Is 7,9). É como se Deus dissesse: “Se vocês não se atreverem a se
apoiar em mim, jamais poderão experimentar que são amparados”. A fé é
exatamente isso: apoiar-me no Crucificado Ressuscitado, fundando sobre ele a
minha vida e buscando, unicamente nele, estabilidade, segurança e perseverança.
Que a nossa oração hoje seja a daquele pai, cuja falta de fé foi criticada por
Jesus: “Eu creio, Senhor! Ajuda a minha falta de fé!” (Mc 9,24). Supliquemos,
cantando: “Meus Deus, eu creio, adoro, espero e amo-vos. Peço-vos perdão para
os que não creem, não adoram, não esperam e não vos amam!” (Oração do Anjo de
Fátima).
Pe.
Paulo Cezar Mazzi