Missa do 6º dom. da Páscoa. Palavra de Deus: Atos dos Apóstolos 10,25-26.34-35.44-48; 1João 4,7-10; João 15,9-17.
“Não fostes vós que me escolhestes, mas
fui eu que vos escolhi” (Jo 15,16). A fé não é uma escolha nossa – “eu escolho
crer em Deus” – mas uma resposta nossa a uma escolha que o Pai fez de nós na
pessoa de seu Filho Jesus. “Se o Senhor vos escolheu não é por serdes o mais
numeroso dos povos – pelo contrário, sois o menor dentre os povos! – e sim por
amor a vós” (Dt 7,7-8). A nossa existência é uma escolha de Deus, como se Ele
dissesse: “Eu quero, através da sua existência, deixar uma palavra minha para a
humanidade: uma palavra de amor, para quem não se sente amado; uma palavra de
esperança, para quem está desesperado; uma palavra de salvação, para quem se vê
como um caso perdido”.
O Deus que nos escolheu em seu Filho
Jesus Cristo “é amor” (1 Jo 4,8). João não está afirmando simplesmente que Deus
ama, mas que a essência de Deus é o amor: se Ele deixasse de amar, deixaria de
existir, deixaria de ser Deus. Portanto, crer em Deus significa deixar-se amar
por Ele: “Quem não ama, não chegou a conhecer a Deus, pois Deus é amor” (1Jo
4,8). Nós experimentamos a presença de Deus em nossa vida quando nos sentimos
amados, o que significa dizer também que uma pessoa que não é amada não
consegue crer em Deus. Justamente porque vivemos em um mundo cada vez mais
violento, desigual, individualista, onde o sentimento mais comum no coração das
pessoas é a solidão, é que vemos crescer o número daqueles que deixam de acreditar
na existência de Deus.
A prova de que Deus nos ama é a
pessoa de seu Filho Jesus: “Foi assim que o amor de Deus se manifestou entre
nós: Deus enviou o seu Filho único ao mundo, para que tenhamos vida por meio
dele” (1Jo 4,9). Portanto, somente a partir de Jesus nós podemos enxergar que o
amor de Deus tem pele. Dizer que o amor de Deus tem pele significa compreender
que esse amor deixou-se ferir por tudo aquilo que nos fere: a maldade, o
desprezo, a violência, a desumanização, a indiferença etc. O amor de Deus, o
amor que é Deus, aceitou ser ferido justamente por aquele que Ele tanto ama, o
ser humano, para nos lembrar de que nenhuma dor tem o poder de destruir o amor.
Daí a pergunta do apóstolo Paulo: “Quem nos separará do amor de Cristo? A
tribulação, a angústia, a perseguição, a fome, a nudez, o perigo, a violência?
(...) Mas em tudo isso somos mais que vencedores, graças àquele que nos amou”
(Rm 8,35.37).
Não são poucas as pessoas que
deixaram de acreditar em Deus por causa da dor. Esse é o grande desafio para a
nossa fé: o Deus que me ama é também Aquele que permite a dor em minha vida ou
na vida de pessoas que eu amo, e se eu não quiser expulsar Deus para fora da
minha vida, preciso olhar para a cruz de Seu Filho: se Ele não poupou seu Filho
único de sofrer e morrer, por que me pouparia de sofrer, apesar de tanto me
amar? A única resposta para essa absurda contradição é a maneira como o próprio
Jesus entendeu a sua cruz: “Eu escolhi amar até o fim” (cf. Jo 13,1). Jesus não
escolheu nos amar até se decepcionar conosco, ou até se cansar de nós, mas
escolheu sustentar a sua escolha em nos amar até o fim, independente da dor que
isso lhe causaria.
Jesus, a encarnação do amor de Deus
por nós, lança-nos um desafio: “Permanecei no meu amor” (Jo 15,9). Aconteça o
que acontecer, mesmo que as nossas certezas mais profundas sejam abaladas e o
nosso amor seja duramente ferido, devemos permanecer nos braços de Jesus, no
seu colo, no seu amor, aprendendo com Ele a amar até o fim: “Amai-vos uns aos
outros, assim como eu vos amei” (Jo 15,12). Como foi que Jesus amou os seus
discípulos? A resposta está no “Hino ao amor”, escrito pelo apóstolo Paulo: “O
amor tudo desculpa, tudo crê, tudo espera, tudo suporta” (cf. 1Cor 13,7). O
contrário disso é o “amor neblina” ou o “amor orvalho”, incapaz de sustentar-se
diante das contrariedades da vida: “O vosso amor é como a neblina da manhã,
como o orvalho que cedo desaparece” (Os 6,4): basta o sol esquentar um pouco,
bastam as dificuldades aparecerem, o sentimento desaparece, evapora, desfaz-se,
porque não admite experimentar dor alguma.
À igreja de Éfeso, a principal
dentre as sete igrejas do Apocalipse, Jesus disse: “Eu te reprovo por teres
abandonado teu primeiro amor. Recorda-te, pois, de onde caíste, converte-te e retoma
a conduta de antes” (Ap 2,4-5). O nosso primeiro amor é o Pai que nos escolheu
e nos amou em seu Filho Jesus Cristo: “Não fomos nós que amamos a Deus, mas foi
ele que nos amou e enviou o seu Filho como vítima de reparação pelos nossos
pecados” (1Jo 4,10). Quem escolhe sair das mãos do Pai para buscar experiências
mundanas de amor acabará por ferir a si e aos outros de uma maneira
irreparável. Só quem permanece no primeiro amor se tornará capaz de amar até o fim
e não terá o sentido da sua vida queimado e destruído pelo calor intenso do sol
das paixões desordenadas, inconsistentes como a neblina e insustentáveis como o
orvalho.
Pe. Paulo Cezar Mazzi
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