quinta-feira, 2 de maio de 2024

DO AMOR NEBLINA OU AMOR ORVALHO PARA O AMOR QUE APRENDEU A PERMANECER

 Missa do 6º dom. da Páscoa. Palavra de Deus: Atos dos Apóstolos 10,25-26.34-35.44-48; 1João 4,7-10; João 15,9-17.

            “Não fostes vós que me escolhestes, mas fui eu que vos escolhi” (Jo 15,16). A fé não é uma escolha nossa – “eu escolho crer em Deus” – mas uma resposta nossa a uma escolha que o Pai fez de nós na pessoa de seu Filho Jesus. “Se o Senhor vos escolheu não é por serdes o mais numeroso dos povos – pelo contrário, sois o menor dentre os povos! – e sim por amor a vós” (Dt 7,7-8). A nossa existência é uma escolha de Deus, como se Ele dissesse: “Eu quero, através da sua existência, deixar uma palavra minha para a humanidade: uma palavra de amor, para quem não se sente amado; uma palavra de esperança, para quem está desesperado; uma palavra de salvação, para quem se vê como um caso perdido”.

            O Deus que nos escolheu em seu Filho Jesus Cristo “é amor” (1 Jo 4,8). João não está afirmando simplesmente que Deus ama, mas que a essência de Deus é o amor: se Ele deixasse de amar, deixaria de existir, deixaria de ser Deus. Portanto, crer em Deus significa deixar-se amar por Ele: “Quem não ama, não chegou a conhecer a Deus, pois Deus é amor” (1Jo 4,8). Nós experimentamos a presença de Deus em nossa vida quando nos sentimos amados, o que significa dizer também que uma pessoa que não é amada não consegue crer em Deus. Justamente porque vivemos em um mundo cada vez mais violento, desigual, individualista, onde o sentimento mais comum no coração das pessoas é a solidão, é que vemos crescer o número daqueles que deixam de acreditar na existência de Deus.

            A prova de que Deus nos ama é a pessoa de seu Filho Jesus: “Foi assim que o amor de Deus se manifestou entre nós: Deus enviou o seu Filho único ao mundo, para que tenhamos vida por meio dele” (1Jo 4,9). Portanto, somente a partir de Jesus nós podemos enxergar que o amor de Deus tem pele. Dizer que o amor de Deus tem pele significa compreender que esse amor deixou-se ferir por tudo aquilo que nos fere: a maldade, o desprezo, a violência, a desumanização, a indiferença etc. O amor de Deus, o amor que é Deus, aceitou ser ferido justamente por aquele que Ele tanto ama, o ser humano, para nos lembrar de que nenhuma dor tem o poder de destruir o amor. Daí a pergunta do apóstolo Paulo: “Quem nos separará do amor de Cristo? A tribulação, a angústia, a perseguição, a fome, a nudez, o perigo, a violência? (...) Mas em tudo isso somos mais que vencedores, graças àquele que nos amou” (Rm 8,35.37).

            Não são poucas as pessoas que deixaram de acreditar em Deus por causa da dor. Esse é o grande desafio para a nossa fé: o Deus que me ama é também Aquele que permite a dor em minha vida ou na vida de pessoas que eu amo, e se eu não quiser expulsar Deus para fora da minha vida, preciso olhar para a cruz de Seu Filho: se Ele não poupou seu Filho único de sofrer e morrer, por que me pouparia de sofrer, apesar de tanto me amar? A única resposta para essa absurda contradição é a maneira como o próprio Jesus entendeu a sua cruz: “Eu escolhi amar até o fim” (cf. Jo 13,1). Jesus não escolheu nos amar até se decepcionar conosco, ou até se cansar de nós, mas escolheu sustentar a sua escolha em nos amar até o fim, independente da dor que isso lhe causaria.

            Jesus, a encarnação do amor de Deus por nós, lança-nos um desafio: “Permanecei no meu amor” (Jo 15,9). Aconteça o que acontecer, mesmo que as nossas certezas mais profundas sejam abaladas e o nosso amor seja duramente ferido, devemos permanecer nos braços de Jesus, no seu colo, no seu amor, aprendendo com Ele a amar até o fim: “Amai-vos uns aos outros, assim como eu vos amei” (Jo 15,12). Como foi que Jesus amou os seus discípulos? A resposta está no “Hino ao amor”, escrito pelo apóstolo Paulo: “O amor tudo desculpa, tudo crê, tudo espera, tudo suporta” (cf. 1Cor 13,7). O contrário disso é o “amor neblina” ou o “amor orvalho”, incapaz de sustentar-se diante das contrariedades da vida: “O vosso amor é como a neblina da manhã, como o orvalho que cedo desaparece” (Os 6,4): basta o sol esquentar um pouco, bastam as dificuldades aparecerem, o sentimento desaparece, evapora, desfaz-se, porque não admite experimentar dor alguma.

            À igreja de Éfeso, a principal dentre as sete igrejas do Apocalipse, Jesus disse: “Eu te reprovo por teres abandonado teu primeiro amor. Recorda-te, pois, de onde caíste, converte-te e retoma a conduta de antes” (Ap 2,4-5). O nosso primeiro amor é o Pai que nos escolheu e nos amou em seu Filho Jesus Cristo: “Não fomos nós que amamos a Deus, mas foi ele que nos amou e enviou o seu Filho como vítima de reparação pelos nossos pecados” (1Jo 4,10). Quem escolhe sair das mãos do Pai para buscar experiências mundanas de amor acabará por ferir a si e aos outros de uma maneira irreparável. Só quem permanece no primeiro amor se tornará capaz de amar até o fim e não terá o sentido da sua vida queimado e destruído pelo calor intenso do sol das paixões desordenadas, inconsistentes como a neblina e insustentáveis como o orvalho.

 

Pe. Paulo Cezar Mazzi

Nenhum comentário:

Postar um comentário