Missa do 2º dom. comum. Palavra de Deus: 1Samuel 3,3b-10.19; 1Coríntios 6,13c-15a.17-20; João 1,35-42.
Os textos bíblicos
que hoje ouvimos nos colocam diante da vocação do profeta Samuel e dos três
primeiros discípulos de Jesus: André, João e Pedro. A vocação desses homens nos
lembra que a nossa existência é fruto de uma escolha, de um chamado da parte de
Deus: “Desde o ventre materno o Senhor me chamou, desde o ventre de minha mãe
pronunciou o meu nome” (Is 49,1). A razão de ser da nossa existência não é uma
escolha humana, mas divina; não é fruto do acaso, mas de uma vontade: Deus nos
desejou, nos quis, nos chamou à vida em vista de uma tarefa, de uma missão, de
uma vocação, e devemos estar cientes de que “a nossa vocação nunca é em função
de nós mesmos. Deus não nos chama para nos promover ou nos privilegiar, mas
para nos enviar para junto de situações que precisam ser mudadas” (José Lisboa
M. Oliveira).
“Samuel, Samuel!” (1Sm 3,4). Samuel
era adolescente quando foi chamado por Deus e foi chamado num contexto de
degradação da religião: “Os filhos de Eli (sacerdote) eram vagabundos” (1Sm
2,12) e “se deitavam com as mulheres que permaneciam à entrada da Tenda da
Reunião” (1Sm 2,23). Séculos mais tarde, um outro jovem ouviria o Crucificado
lhe chamar para uma difícil missão: “Francisco, reconstrói minha Igreja, que
está em ruínas!”. Hoje Deus chama você para reconstruir a unidade da Igreja,
cujo Pontífice (ponte e ponto de unidade) é sistematicamente agredido e desacreditado
nas redes sociais por grupos “católicos” conservadores; você é chamado a
reconstruir famílias, a fortalecer escolas, a desenvolver a boa Política e a
justa Justiça; a defender o meio ambiente; a proteger crianças abusadas dentro
de casa; enfim, a revitalizar sua Paróquia, envelhecida e necessitava de “sangue
novo nas suas veias” (Pe. Zezinho).
Samuel teve dificuldade em entender
que era o Senhor Deus quem o chamava, e não o sacerdote Eli (cf. 1Sm 3,5.6). Deus
não fala diretamente aos nossos ouvidos, mas através da realidade na qual
estamos inseridos. Ele nos fala, sobretudo, através da dor de pessoas e de
situações que precisam ser mudadas! Mas, como ouvir o chamado do Senhor quando
estamos voltados unicamente para nós mesmos, ignorando a realidade à nossa
volta, buscando apenas os nossos interesses financeiros ou afetivos, vivendo
uma espiritualidade que nos mantém distantes do mundo, enquanto Deus “grita” a
nós do meio desse mesmo mundo: “Essas pessoas precisam ser salvas!”?
Samuel foi orientado a responder ao
chamado de Deus com essas palavras: “Senhor, fala,
que teu servo escuta!” (1Sm 3,9). Qual tem sido a nossa resposta ao chamado
diário que Deus nos faz, por meio da realidade na qual estamos inseridos?
Estamos tendo coragem de ouvir o Senhor, ou temos mantido nossos ouvidos e
nossa consciência ocupados, cheios de barulho, atordoados por inúmeras
desinformações, distanciados da realidade pela indústria da distração, tudo
para não ouvirmos a voz de Deus no mais profundo de nós mesmos?
A dois discípulos de João Batista
que começaram a segui-lo, Jesus perguntou: “O que vocês
estão procurando?” (Jo 1,38). O que você está procurando quando passa horas jogando,
apostando ou vendo postagens nas redes sociais? O que você está procurando
quando maratona séries, assiste a filmes, vê pornografia na Internet ou assiste
aos vídeos do seu influencer preferido? O que você está procurando
quando ingere bebida alcoólica e/ou drogas; quando faz uma nova tatuagem,
quando se sacrifica para ter um corpo “sarado”? O que você está buscando quando
faz sua oração em casa, lê a Bíblia, ouve músicas católicas ou vai à missa? O
que você está buscando quando faz o que faz no seu dia a dia? Você está
buscando ser fiel à vocação, ao chamado que recebeu de Deus, ou a se distanciar
o quanto possível disso?
“O que vocês estão procurando?” (Jo 1,38). Quando temos a coragem de
parar a correria do dia a dia e a nos colocar diante dessa pergunta de Jesus, a
nossa vida tem uma chance de recuperar o seu sentido e nós podemos sair das
mãos (expectativas ou cobranças) dos outros e tomarmos as rédeas da nossa
existência, orientando-a para aquilo que fomos chamados a fazer; mais do que
isso, para aquilo que fomos chamados a ser. “Torne-se o que você é”, disse
Píndaro, filósofo grego do séc. V aC. Essa verdade pode ser traduzida também em:
“Torne-se o que você foi chamado a ser”. Somente quando sintonizamos o nosso
coração com o coração de Deus; somente quando respondemos positivamente ao
chamado que recebemos; somente quando somos fiéis à vocação que recebemos é que
nos realizamos como pessoas.
Uma última palavra: toda e qualquer
vocação será vivida a partir da corporeidade da pessoa. Cinco vezes o apóstolo
Paulo usou a palavra “corpo” no breve texto que ouvimos hoje. Dois extremos
precisam ser evitados, quando consideramos o nosso corpo: o primeiro vem das
pregações moralistas, para as quais tudo o que se refere ao corpo é pecaminoso e
demoníaco. O outro extremo é a constante erotização do corpo, produzida pela
indústria de consumo. Muitos de nós precisam reconciliar-se com o próprio corpo
– aceitar-se como se é. Muitos precisam ouvir o próprio corpo – ele é uma caixa
de ressonância da nossa alma (vida emocional). Muitos precisam rever sua
espiritualidade, pois o Deus em quem nós cremos “se fez carne” (Jo 1,14): toda
espiritualidade que nega ou despreza o corpo é doentia. Da mesma forma como descobrimos
a nossa vocação em contato com a realidade na qual estamos inseridos, nós a
vivemos a partir da nossa carne, do nosso corpo, o qual deve se tornar “carne”
de Deus, toque de Deus, presença concreta de Deus, “afeto” de Deus para as pessoas que fomos chamados a servir.
Pe. Paulo Cezar Mazzi
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