quinta-feira, 25 de maio de 2023

SEM ELE, NADA O SER HUMANO PODE; NENHUM BEM HÁ NELE.

Missa de Pentecostes. Palavra de Deus: Atos dos Apóstolos 2,1-11; 1Coríntios 12, 3b-7.12-13; João 20,19-23.

 

“Jesus soprou sobre eles e disse: ‘Recebei o Espírito Santo’” (Jo 20,22). “O Senhor Deus soprou nas narinas do homem um sopro de vida e o homem se tornou um ser vivente” (Gn 2,7). “Espírito, sopra sobre esses mortos para que vivam” (Ez 37,9). “Uma forte ventania encheu a casa onde os discípulos se encontravam” (At 2,2). Esses versículos bíblicos descrevem a absoluta necessidade que temos do Espírito Santo: ele é tão essencial em nossa vida quanto o ar que necessitamos para viver.

Mas a vida que o Espírito Santo nos transmite não é simplesmente biológica; é uma vida interior, é um viver a partir de dentro, é um viver a partir de Deus, da sua força, da sua graça, do seu amor. Além disso, a vida que o Espírito Santo infunde em nós não é em função de nós mesmos, mas da nossa vocação, da missão que fomos chamados a abraçar. O dom do Espírito Santo é dado para que a nossa existência se torne dom, doação, serviço, tarefa, em vista do bem e da salvação de uma causa, de uma situação ou de pessoas: “A cada um é dada a manifestação do Espírito em vista do bem comum” (1Cor 12,7). Ninguém que tenha recebido o Espírito Santo vive para si mesmo, mas abre-se para aquilo que a realidade está lhe dizendo. Em outras palavras, o Espírito Santo nos provoca a assumir o nosso lugar na história da salvação.

No dia de Pentecostes, ele foi visto descer sobre os apóstolos em línguas como se fossem de fogo, de modo que os mesmos puderam falar de Deus a pessoas de línguas diferentes. O Espírito Santo nos é dado para falarmos ao coração das pessoas, de modo que elas recobrem a fé, renasçam para a esperança e sejam reavivadas na decisão de amar até o fim. O Espírito Santo nos é dado para derrubar o muro do silêncio, do isolamento, do distanciamento, e construir a ponte do diálogo, da reaproximação e da reconciliação.

“Línguas como que de fogo”. A ação do Espírito Santo é a mesma do fogo: ele é capaz de aquecer o que se esfriou em nós, de devolver vida ao que morreu em nós. Mais ainda: ele tem o poder de dobrar o que se enrijeceu em nós como ferro. “Dobrai o que é duro, guiai no escuro, o frio aquecei” (Sequência de Pentecostes). Não há coração endurecido que não possa ser modificado pelo Espírito Santo. Até o metal mais duro se torna líquido quando exposto ao fogo, podendo ser moldado no que o ser humano quiser. Da mesma forma, não há transformação que seja impossível ao Espírito Santo, no coração da pessoa que se deixa tocar e conduzir por sua graça.

            “Um só”: um mesmo Espírito, um mesmo Senhor (Jesus), um mesmo Deus. “Fomos batizados num único Espírito, para formarmos um único corpo, e todos nós bebemos de um único Espírito” (1Cor 7,13). O Espírito Santo nos impulsiona a trabalhar pela unidade, pela comunhão, pela reconciliação. Toda palavra ou atitude que alimenta divisão, discórdia, separação (na Igreja e no mundo) não provém do Espírito Santo, mas do diabo (o divisor). O ódio, a intolerância, a incapacidade de conviver com o diferente traduzem a ausência do Espírito Santo no coração das pessoas. Se o individualismo faz com que cada pessoa busque unicamente aquilo que convém a si, o Espírito Santo faz com que busquemos sempre aquilo que convém ao corpo de Cristo (Igreja) e ao corpo do mundo (humanidade).

“Os nossos ossos estão secos, a nossa esperança está desfeita. Para nós, tudo está acabado” (Ez 37,11). Não há um ser humano que não passe por essa experiência de sentir-se morto por dentro. Apesar de o nosso Deus ser “fonte de água viva” (Jr 2,13), muitas vezes sentimos nossa fé secar. Além disso, nossa esperança está cansada: cansamos de esperar por uma política, uma economia, uma ciência e uma tecnologia que tornem o mundo menos injusto, violento, desigual e desumano. Cansamos de esperar até mesmo por Deus. Mas, “junto com a Pessoa do Espírito Santo está a esperança. Porque onde está presente o Espírito Santo sempre existe um futuro possível, sempre renascem os sonhos, sempre se nos abre algum caminho. O Espírito é como uma força que nos lança para adiante, que não nos deixa viver só do passado nem permite que nos ancoremos no que já temos conseguido” (Victor Manuel Fernandez, Os cinco minutos do Espírito Santo, p.109). Sim! “A esperança não decepciona. Porque o amor de Deus foi derramado em nossos corações pelo Espírito Santo que nos foi dado” (Rm 5,5).

Precisamos escolher a partir de qual espírito queremos ser conduzidos: se a partir do nosso espírito humano – falho, imperfeito, limitado; se a partir do espírito do mal – pessimista, destrutivo, enganador, ou se a partir do Espírito Santo de Deus: “Os que se deixam conduzir pelo Espírito de Deus são filhos de Deus” (Rm 8,14). Quem aceita ser conduzido pelo Espírito Santo deve saber que irá não para onde deseja ir, mas para onde precisa ir; não fugirá das dificuldades, mas as enfrentará olhando-as nos olhos; não se desviará da cruz, mas a suportará livre e conscientemente, em nome da sua fidelidade à vontade de Deus.

“Quem tem ouvidos, ouça o que o Espírito tem a dizer...” (Ap 2,7.11.17.29; 3,6.13.22). Sempre que o Senhor ressuscitado fala à Igreja, no livro do Apocalipse, a convida a perseverar nas atitudes que estão de acordo com a vontade de Deus e a modificar (se converter!) aquilo que está em desacordo sua vontade. Ouçamos aquilo que o Espírito Santo tem a nos dizer nesse momento. Em relação a quais atitudes eu devo perseverar? Em relação a quais atitudes eu devo me converter, para não perder a minha salvação?

 

Pe. Paulo Cezar Mazzi


quinta-feira, 18 de maio de 2023

OLHE PARA CIMA!

 Missa da Ascensão do Senhor. Palavra de Deus: Atos dos Apóstolos 1,1-11; Efésios 1,19-23; Mateus 28,16-20.

 

Em dezembro de 2021 foi lançado nos cinemas um filme (categoria “comédia”) intitulado: “Não olhe para cima”. Trata-se de dois astrônomos que tentam alertar o mundo sobre a ameaça de um cometa em rota de colisão com a Terra, mas ninguém dá crédito à ameaça, uma vez que todos estão distraídos com as futilidades que tomam conta da mídia e das redes sociais. “Não olhe para cima” é uma crítica ao nosso mundo atual, distraído, ocupado com discussões vazias e inúteis, fortemente desorientado pela indústria das fake news, um mundo onde grande parte das pessoas prefere a mentira à verdade, mergulhar na fantasia (meta Universo, inteligência artificial) ao invés de manter o contato com a realidade; em resumo, grande parte das pessoas está escolhendo a insanidade como forma de sobrevivência (a insanidade é exatamente a perda de contato com a realidade).

Os textos bíblicos de hoje estão nos convidando justamente a “olhar para cima” e a nos dar conta da existência do Céu. Jesus, após a ressurreição, apareceu aos seus discípulos “durante quarenta dias”. Ao final desse período, prometeu-lhes enviar o Espírito Santo, para capacitá-los à missão de anunciar o Evangelho. “Depois de dizer isso, Jesus foi levado ao céu, à vista deles. Uma nuvem o encobriu, de forma que seus olhos não mais podiam vê-lo” (At 1,9).

Essa é a condição atual da Igreja e de cada um de nós, cristãos: Jesus “assentou-se à direita do Pai” (cf. Ef 1,20); ele entrou no céu “a fim de comparecer diante da face de Deus a nosso favor” (cf. Hb 9,24). Nós continuamos na terra, chamados a nos manter fiéis à missão que Cristo confiou a cada um de nós, de sermos a presença viva do seu Evangelho no coração da humanidade. Exatamente porque uma nuvem “encobriu” Jesus, não podemos vê-lo, o que nos obriga a compreender que devemos caminhar movidos pela fé e não pela visão clara (cf. 2Cor 5,7), confiando na promessa que ele mesmo nos fez: “Eu estarei com vocês todos os dias, até o fim do mundo” (Mt 28,20).

“Olhe para cima”. Qual é a importância de nós olharmos para o Céu? Em primeiro lugar, trata-se de manter a consciência de que “esse Jesus que vos foi levado para o céu, virá do mesmo modo como o vistes partir para o céu” (At 1,10), o que significa saber que Jesus voltará como Juiz, para julgar cada ser humano. Significa também nos lembrar de que “somos cidadãos do céu: de lá esperamos ansiosamente como Salvador o Senhor Jesus Cristo, que transfigurará nosso corpo humilhado, conformando-o ao seu corpo glorioso” (Fl 3,20-21). Olhar para o Céu significa ainda crer que existe uma recompensa para quem busca santificar-se e caminhar segundo a vontade de Deus (cf. Sb 2,22); significa ainda lembrar-se de que o que nos move a fazer o que fazemos é uma esperança concreta: “o que nós esperamos, conforme sua promessa, são novos céus e uma nova terra, onde habitará a justiça” (2Pd 3,13).  

Crer na existência do Céu nos leva a trabalhar por um mundo melhor, pedindo a cada dia ao Pai: “Venha a nós o vosso Reino” (cf. Mt 6,10), assim como nos leva a confiar que nada ficará impune: os que têm fome e sede de justiça serão saciados (cf. Mt 5,6). Crer na existência do Céu nos leva a suportar o “ainda não”, pedindo a cada dia ao Pai: “Não abandones a obra de tuas mãos!” (Sl 138,8) e confiando que “aquele que começou em nós a boa obra da salvação há de levá-la à perfeição até o dia da volta de Cristo Jesus” (cf. Fl 1,6). Crer na existência do Céu nos faz saber que o Senhor recolhe cada lágrima dos nossos olhos (cf. Sl 56,10; Is 25,8; Ap 7,17) e o Céu é a realização desta promessa: “Ele enxugará toda lágrima dos seus olhos, pois nunca mais haverá morte, nem luto, nem clamor, e nem dor haverá mais. Sim! As coisas antigas se foram!” (Ap 21,4).    

            “E nossa história não estará pelo avesso, assim, sem final feliz: teremos coisas bonitas pra contar. E até lá, vamos viver; temos muito ainda por fazer. Não olhe pra trás; apenas começamos. O mundo começa agora. Apenas começamos” (Legião Urbana, Metal contra as nuvens). O Céu começa na terra. Assim como Jesus, a nossa presença cristã no mundo deve ser a presença do Céu na terra. Ao subir para o Céu, ele nos confiou a missão de fazer discípulos seus todos os povos. Mas, ninguém pode levar o outro mais longe do que onde ele mesmo está. Ninguém pode tornar alguém discípulo de Jesus quando ele mesmo não o é. Ninguém pode convencer uma pessoa a olhar para cima quando ele mesmo vive como uma pessoa mundana, olhando apenas para baixo. As pessoas olharão para cima na medida em que nós, cristãos, as ajudarmos a se levantarem, a saírem dos abismos em que se encontram e a se convencerem de que vale a pena direcionarem sua existência para o Céu.  

 

ORAÇÃO:

 

            Pai nosso, tu estás nos Céus, acima de tudo aquilo que se passa na Terra e que atinge cada ser humano. Nós cremos na tua Palavra: “Eu, o Senhor, habito em lugar alto e santo, mas estou junto com o humilhado e desamparado, a fim de animar os espíritos desamparados, a fim de animar os corações humilhados” (Is 57,15). Levanta-nos da nossa prostração, liberta-nos da distração que nos aliena, dá-nos a coragem de olhar para cima, escutando aquilo que a realidade está nos dizendo.

            Senhor Jesus, cremos na tua presença diante do Pai em nosso favor, assim como cremos na tua presença junto a nós, através do Espírito Santo. Envia-nos aonde tu desejas que o teu Evangelho chegue. Torna-nos verdadeiramente discípulos, para que possamos levar uma palavra de conforto a toda pessoa abatida (cf. Is 50,4). Não permitas que vivamos como homens e mulheres mundanos, mas como verdadeiros cidadãos do Céu.

            Divino Espírito Santo, força do Alto, vem em socorro da nossa fraqueza. Infunde em nós o desejo pelo Céu e devolve-nos a esperança nos novos céus e na nova terra onde habitará a justiça. Cura-nos da insanidade que nos mantém alheios à realidade que somos chamados a enfrentar e a transformar com o nosso testemunho de discípulos de Jesus. Completa em nós a obra começada e faz com que sejamos uma presença do Céu na terra. Amém!

           

Pe. Paulo Cezar Mazzi

quinta-feira, 11 de maio de 2023

QUEM ESTÁ NECESSITANDO DA MINHA DEFESA? DE QUEM A VIDA ESTÁ PEDINDO PARA EU ME TORNAR MÃE/PAI?

 

Missa do 6º dom. Páscoa. Palavra de Deus: Atos dos Apóstolos 8,5-8.14-17; 1Pedro 3,15-18; João 14,15-21.

 

O tempo pascal caminha para o seu término. Como já dito semana passada, Jesus retornará ao Pai e de lá nos enviará o Espírito Santo. Daí a promessa que abre o evangelho de hoje: “Eu rogarei ao Pai, e ele vos dará um outro Defensor, para que permaneça sempre convosco: o Espírito da Verdade” (Jo 14,16-17). Por que nós precisamos de um Defensor? Porque o mundo descrente se opõe àqueles que têm fé, e esta oposição se manifesta de várias maneiras: como perseguição, como agressão, como combate e mesmo como indiferença. Nós precisamos de um Defensor porque o nosso adversário, o diabo, nos rodeia como um leão, procurando a quem devorar, e a única defesa que temos contra ele é a nossa fé (cf. 1Pd 5,8).

A vida de todo cristão, neste mundo cada vez mais paganizado, é vivida como um combate: “Combate o bom combate da fé, conquista a vida eterna, para a qual você foi chamado” (1Tm 6,12). Por isso, Jesus promete que o Espírito Santo estará ao nosso lado, combatendo, nos ajudando, nos sustentando. Ele não nos defenderá da vida, nem daquilo que somos chamados a enfrentar, mas nos defenderá do medo, da covardia, do desânimo

. A função do Defensor não é nos manter afastados do combate, mas nos fortalecer e nos manter firmes no combate: “De cidade em cidade, o Espírito Santo me adverte que me aguardam cadeias e tribulações” (At 20,23). Justamente por isso, ele é chamado por Jesus de “Espírito da Verdade”. A função do Espírito Santo não é nos iludir, nos dopar, nos anestesiar perante a realidade, mas nos tornar conscientes a respeito da Verdade que deverá prevalecer sobre toda mentira e ilusão que falseia a realidade.

Ao prometer nos enviar o Espírito Santo como outro Defensor, Jesus nos garante: “Não deixarei vocês órfãos” (Jo 14,18). O sentimento de orfandade é muito forte em nossos tempos, justamente porque o mundo decidiu proclamar a sua independência e a sua pretensa autonomia em relação ao Pai. A confiança no dinheiro, na ciência e na tecnologia substituiu a confiança no Pai, no coração de muitas pessoas. A consequência disso é a disseminação da ansiedade – o sentimento de estar constantemente sob uma ameaça –, a solidão – o sentimento de quem ninguém se importa comigo, a banalização da vida e o vazio existencial – para quê estar vivo? Só o Espírito Santo pode atestar, comprovar, devolver a consciência de que não somos órfãos e não estamos jogados ao acaso neste mundo, mas temos um Pai: “O próprio Espírito se une ao nosso espírito para testemunhar que somos filhos de Deus” (Rm 8,16), de modo que cada um pode dizer como Jesus: “Eu não estou só, porque o Pai está comigo” (Jo 16,32).   

Neste dia das mães, nós podemos entender a presença do Espírito Santo em nós como a presença materna de Deus: “Como a uma pessoa que a sua mãe consola, assim eu consolarei vocês” (Is 66,13). Em nossos momentos de desolação, quando sentimos que Deus nos abandonou ou se esqueceu de nós, Ele nos responde: “Por acaso uma mulher se esquecerá da sua criancinha de peito? Não se compadecerá ela do filho do seu ventre? Ainda que as mulheres se esquecessem eu não me esqueceria de você. Eis que gravei seu nome nas palmas da mão” (Is 49,15-16). O apóstolo Paulo dirá que o Espírito Santo é o amor de Deus derramado em nossos corações (cf. Rm 5,5). O amor de Deus é como o amor de mãe, amor que ama seus filhos unicamente pelo fato de serem seus filhos, amor que ama a todos, mas que tem uma dedicação maior para com o filho mais frágil, amor capaz de qualquer coisa para resgatar e salvar o filho que está em perigo.   

Assim como ninguém é mãe em função de si mesma, mas em função do filho que gerou, da mesma forma o Espírito Santo nos é dado não em função de nós mesmos, mas da tarefa que a vida deseja nos confiar. Se Ele é chamado por Jesus de “Defensor”, nós, homens e mulheres ungidos pelo Espírito Santo, precisamos nos perguntar: “Quem eu estou sendo chamado(a) a defender?”. “Qual pessoa, qual situação, qual causa está precisando ser defendida por mim?”. Se o Espírito Santo nos tira da orfandade e comprova a nossa filiação divina, cada um de nós pode também se perguntar: “Em relação a quem eu preciso exercer a minha maternidade ou paternidade?”. “Quem se encontra numa situação de orfandade à minha volta?”. Enfim, se o Espírito Santo é o amor de Deus derramado em nossos corações, perguntemo-nos: “Quem não se sente amado à nossa volta?”. “A quem estamos sendo chamados por Deus a manifestar o seu amor?”.

 

Pe. Paulo Cezar Mazzi  

quinta-feira, 4 de maio de 2023

QUAL CAMINHO ESTOU TRILHANDO? QUAL VERDADE ME ORIENTA? POR QUAL VIDA EU ANSEIO?

 Missa do 5º dom. Páscoa. Palavra de Deus: Atos dos Apóstolos 6,1-7; 1Pedro 2,4-9; João 14,1-12.

 

Hoje estamos entrando numa segunda fase do Tempo Pascal. Jesus começa a se despedir de nós, seus discípulos, pois ele deve retornar ao Pai para, de lá, nos enviar o Espírito Santo. Por isso, o evangelho de hoje nos coloca diante de um dos discursos de despedida de Jesus, discurso que naturalmente começa abordando o sentimento de perturbação que toma conta do coração dos discípulos: “Não se perturbe o coração de vocês... Tenham fé em mim” (Jo 14,1).

Como não ter o coração perturbado nos tempos atuais? Existem perturbações que têm causas muito concretas em nossa vida: o risco do desemprego, o medo da violência, a formação da consciência dos filhos – sempre mais influenciados pela Internet –, problemas conjugais, a luta contra uma doença grave etc. No entanto, precisamos nos livrar de perturbações desnecessárias, fruto da nossa submissão ao consumismo, à sociedade da aparência, à influência das redes sociais, etc.   

Só existe uma forma de acalmar o nosso coração e não permitir que ele seja sufocado por perturbações: a fé em Jesus. Ele dissipa a perturbação que há em nosso coração ao nos ensinar a cuidar do essencial e não nos perder no supérfluo, ao unificar o nosso coração na busca da vontade do Pai, tirando-nos da dispersão causada pelos vários apelos do mundo. Mas, de maneira muito concreta, a fé que Jesus pede que tenhamos nele é quanto ao nosso destino final: “Na casa de meu Pai há muitas moradas... Vou preparar um lugar para vocês... a fim de que onde eu estiver vocês também estejam” (Jo 14,2-3).

Na época de Jesus, os líderes religiosos falavam da casa de Deus como um lugar muito pequeno, onde apenas alguns poderiam entrar, o que servia apenas para ameaçar, pôr medo nas pessoas e desencorajá-las quanto ao próprio caminho de fé. Ao invés disso, Jesus nos fala da casa do Pai como um lugar amplo, porque Ele quer salvar a todos, porque “Deus é para aqueles que têm necessidade de que ele seja bom” (Pe. Pagola). Sobretudo, a confiança que Jesus quer que tenhamos nele é quanto à nossa morte: ela só acontecerá quando ele tiver preparado o nosso lugar na casa do Pai. Além disso, a nossa própria ressurreição foi prometida por Jesus, pois ele garantiu que nós estaremos onde ele agora está: junto do Pai!

A consciência da nossa futura mudança para a casa do Pai deveria nos fazer rever os nossos valores a partir dessa verdade: “Se a nossa morada terrestre, esta tenda, for destruída, teremos no céu um edifício, obra de Deus, morada eterna, não feita por mãos humanas” (2Cor 5,1). O nosso grande erro é querer tornar eterno o que é provisório, investindo tempo, dinheiro e energia, na tentativa de transformar nossa tenda numa casa, ao mesmo tempo em que descuidamos da preparação da nossa mudança para a nossa casa definitiva.

Também os primeiros cristãos tiveram que resolver conflitos entre o material e o espiritual, e aqui a decisão sábia da Igreja primitiva serve de orientação para as nossas paróquias: a prioridade é a vida de oração e a pregação da Palavra de Deus (cf. At 6,2.4), ao mesmo tempo em que os pobres e necessitados não devem ser ignorados, mas socorridos (cf. At 6,1.3). O apóstolo Pedro, por sua vez, nos fala da importância de cada cristão ser uma “pedra viva” na Igreja, um construtor que ajuda na edificação da comunidade, e não um mero consumidor de sacramentos. A expressão “pedra viva” nos remete para o Ano Vocacional: cada um deve encontrar o seu lugar na Igreja e no mundo, abraçando a tarefa que lhe está sendo pedida em favor do bem e da salvação da humanidade.

Enfim, antes de retornar ao Pai, Jesus nos propõe um relacionamento com ele pautado em três imagens: “Eu sou o Caminho, a Verdade e a Vida. Ninguém vai ao Pai senão por mim” (Jo 14,6). CAMINHO – todo ser humano trilha um caminho na vida. A questão é saber se esse caminho foi escolhido por ele, como uma resposta ao chamado, à vocação que recebeu, ou se lhe foi imposto a partir de fora, desviando-o da sua própria vocação. Se o caminho que tomamos na vida não nos levar ao Pai, teremos falhado gravemente na condução da nossa existência. VERDADE – ela expressa a necessidade que temos de estarmos em coerência com o nosso verdadeiro ser. Quanto mais nos afastamos da nossa verdade interior, mais adoecemos e mais nos destruímos como pessoas. Quanto mais estamos em sintonia com essa verdade, mais saúde física e emocional temos, e mais somos livres dos nossos próprios enganos e das mentiras do mundo, para o qual não existe a Verdade, mas apenas aquilo que convém a cada um, segundo a ignorância que tem a respeito de si mesmo. VIDA – todo ser humano busca não apenas sobreviver, mas viver com sentido; todo ser humano necessitar ter uma razão para viver. O desejo pela vida, que cada um de nós carrega dentro de si, vai muito além do biológico; é o desejo por sentir-se vivo a partir de dentro; é a necessidade de viver por uma causa, e isso só podemos encontrar em Jesus, cuja vida transformou a vida de muitas outras pessoas, cuja existência devolveu sentido à existência de muitas outras pessoas.  

 

ORAÇÃO – Senhor Jesus, confio às tuas mãos tudo aquilo que neste momento perturba, angustia e tira a paz do meu coração. Creio em ti, Senhor Ressuscitado. Creio no chamado que recebi de ti e quero assumir o meu lugar como “pedra viva” na construção da tua Igreja e na edificação de um mundo melhor. Concede-me a capacidade de distinguir entre o provisório e o definitivo, entre o essencial e o supérfluo em minha vida. Que eu não me iluda com a construção da minha tenda neste mundo, esquecendo-me de que estou destinado(a) a morar contigo na casa do Pai. Não quero seguir nenhum atalho ilusório, mas trilhar o Caminho que tu mesmo és, para poder chegar ao Pai, destino final da minha existência. Que a tua Verdade habite o mais profundo do meu ser e me liberte das mentiras que me adoecem e me mantém prisioneiro(a) do erro. Enfim, que a minha existência tenha um sentido, uma razão de ser, sabendo que “eu sou uma missão nesta terra; por isso estou neste mundo” (Papa Francisco, EG 273). Amém!

 

Pe. Paulo Cezar Mazzi