Missa do 5º dom. Páscoa. Palavra de Deus: Atos dos Apóstolos 14,21b-27; Apocalipse 21,1-5a; João 13,31-33a.34-35
Para onde está dirigido o nosso
olhar: para o passado ou para o futuro? Como nós estamos vivendo o tempo
presente: lamentando-nos e cheios de tristeza por um passado que não volta mais,
ou alegres e cheios de esperança por algo novo que Deus nos reserva no futuro?
“Vi um novo céu e uma nova terra”
(Ap 21,1). Vivendo numa época de grande dificuldade, de muito sofrimento,
devido à intensa e violenta perseguição que a Igreja sofria no final do século
I da nossa era, João viu o futuro: um novo céu e uma nova terra. Ele não viu
isso por ser otimista, ou simplesmente por ter uma esperança humana, mas porque
Deus o fez ver “além do véu” – apocalipse significa “re-velar”, tirar o véu.
Assim também o Senhor Deus nos dirige a sua Palavra hoje convidando-nos a olhar
para a frente, para o futuro, para além do véu da realidade presente, marcada
pela deterioração.
Sim. Muitas coisas se deterioram:
relacionamentos, valores, sonhos e ideais; tudo o que é material se deteriora
com o tempo, como, por exemplo, as construções. Se olharmos no espelho, perceberemos
que nossa pele se deteriora a cada dia, e essa deterioração nos coloca diante
do mesmo desafio acima mencionado: para onde eu estou olhando: para frente ou
para trás? Meu coração está tomado pela tristeza em relação às coisas que não
voltam mais, ou está habitado pela esperança em relação àquilo que Deus está
criando, fazendo novas todas as coisas (cf. Ap 21,5)? Minhas mãos estão fechadas,
tentando agarrar-se a um passado que não volta mais, ou estão abertas para
receber o que o novo que Deus está me trazendo?
“Passou o que existia antes” (Ap
21,4), assim como passará o que está acontecendo agora. A vida é dinâmica: nós
nunca entramos na mesma água duas vezes, porque o rio corre constantemente. No rio
da vida, precisamos escolher confiar e nos deixar conduzir pela correnteza, ao
invés de desperdiçarmos nossas energias nadando desesperadamente contra a corrente,
tentando recuperar algo que não nos pertence mais e que nem mesmo é necessário para
o nosso presente. “Eis que faço novas todas as coisas... Estas palavras são
dignas de fé e verdadeiras” (Ap 21,5). Nossa fé está aberta para o futuro. Por isso
mesmo, ela não pode se deixar abater por aquilo que se deteriora em nós no
presente.
Diante de um presente marcado por fortes
contrariedades, Paulo e Barnabé convidaram os primeiros cristãos a se encherem
de coragem e a “permanecerem firmes na fé, dizendo-lhes: ‘É preciso que
passemos por muitos sofrimentos para entrar no Reino de Deus’” (At 13,14). Para
nenhum ser humano a vida é um vento que sopra sempre a favor; antes, às vezes
os ventos sopram totalmente contrários. É preciso aprender a resistir a esses
ventos contrários. “O vento pode soprar o quanto quiser: a montanha jamais se curva
diante dele” (provérbio chinês). Toda contrariedade está aí para ser
enfrentada, olhada nos olhos, encarada por nós. Se isso vale para qualquer
pessoa, vale muito mais para um cristão que, assim como Jesus e os primeiros
cristãos, se encontra num mundo que se opõe aos valores do Evangelho.
“É preciso que passemos por muitos
sofrimentos para entrar no Reino de Deus” (At 13,14). Não se entra no Reino de
Deus sem sofrer porque o novo não nasce em nós sem dor, sem luta, sem coragem e
perseverança da nossa parte. As lágrimas que agora choramos serão enxugadas por
Deus. A morte que agora nos deteriora será extinta por Deus. O luto e a dor que
agora nos entristecem darão lugar à consolação que vem de Deus. Estas palavras não
são frases de otimismo barato ou de autoajuda; “estas palavras são dignas de fé
e verdadeiras” (Ap 21,5).
Assim como nós, Jesus experimentou
contrariedades na vida. Ele chorou, sofreu e morreu, mas recebeu a consolação
de Deus; experimentou a verdade de que Deus faz novas todas as coisas sendo
ressuscitado pelo Pai! Ele nos diz como devemos nos portar diante da vida e das
suas contrariedades: não desistindo de amar. “Amai-vos uns aos outros. Como eu
vos amei, assim também vós deveis amar-vos uns aos outros” (Jo 13,34). O amor ao
qual Jesus nos refere não é um sentimento, nem uma emoção, mas uma atitude, uma
maneira de viver a vida: com coragem e perseverança. “Tendo amado os seus que
estavam no mundo, (Jesus) amou-os até o fim” (Jo 13,1). Eis o que Jesus nos
pede: amar até o fim, e não até nos cansar ou nos decepcionar com as pessoas; amar
até o fim, até que o nosso presente se abra ao futuro de Deus. Amar como Jesus
nos amou é, sobretudo, amar quem não é amado; amar quando a deterioração chega;
amar para além da pele...
Como nos recorda o Papa Francisco, em
tempos de “cultura do provisório”, nos quais as pessoas passam de uma relação
afetiva para outra, é preciso amar com perseverança; amar não apenas dizendo um
“sim”, mas protegendo este “sim”; um “sim” que diz ao outro que “poderá sempre
confiar e não será abandonado, mesmo se perder o atrativo, se tiver
dificuldades ou se se apresentarem novas possibilidades de prazer ou de
interesses egoístas” (AL n.132). O amor com que Jesus nos amou enfrenta a
deterioração e vai além dela, sabendo que “não é possível prometer que teremos
os mesmos sentimentos durante a vida inteira; mas podemos ter um projeto comum
estável, comprometer-nos a amar-nos e a viver unidos até que a morte nos
separe, e viver sempre uma rica intimidade. O amor, que nos prometemos, supera
toda a emoção, sentimento ou estado de ânimo, embora possa incluí-los. É um querer-se
bem mais profundo, com uma decisão do coração que envolve toda a existência”
(AL n.163).
Pe.
Paulo Cezar Mazzi
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