quinta-feira, 12 de maio de 2022

CHORAR PELA PERDA DO PASSADO OU ALEGRAR-SE PELA CERTEZA DO FUTURO?

 Missa do 5º dom. Páscoa. Palavra de Deus: Atos dos Apóstolos 14,21b-27; Apocalipse 21,1-5a; João 13,31-33a.34-35

 

            Para onde está dirigido o nosso olhar: para o passado ou para o futuro? Como nós estamos vivendo o tempo presente: lamentando-nos e cheios de tristeza por um passado que não volta mais, ou alegres e cheios de esperança por algo novo que Deus nos reserva no futuro?

            “Vi um novo céu e uma nova terra” (Ap 21,1). Vivendo numa época de grande dificuldade, de muito sofrimento, devido à intensa e violenta perseguição que a Igreja sofria no final do século I da nossa era, João viu o futuro: um novo céu e uma nova terra. Ele não viu isso por ser otimista, ou simplesmente por ter uma esperança humana, mas porque Deus o fez ver “além do véu” – apocalipse significa “re-velar”, tirar o véu. Assim também o Senhor Deus nos dirige a sua Palavra hoje convidando-nos a olhar para a frente, para o futuro, para além do véu da realidade presente, marcada pela deterioração.

            Sim. Muitas coisas se deterioram: relacionamentos, valores, sonhos e ideais; tudo o que é material se deteriora com o tempo, como, por exemplo, as construções. Se olharmos no espelho, perceberemos que nossa pele se deteriora a cada dia, e essa deterioração nos coloca diante do mesmo desafio acima mencionado: para onde eu estou olhando: para frente ou para trás? Meu coração está tomado pela tristeza em relação às coisas que não voltam mais, ou está habitado pela esperança em relação àquilo que Deus está criando, fazendo novas todas as coisas (cf. Ap 21,5)? Minhas mãos estão fechadas, tentando agarrar-se a um passado que não volta mais, ou estão abertas para receber o que o novo que Deus está me trazendo?

            “Passou o que existia antes” (Ap 21,4), assim como passará o que está acontecendo agora. A vida é dinâmica: nós nunca entramos na mesma água duas vezes, porque o rio corre constantemente. No rio da vida, precisamos escolher confiar e nos deixar conduzir pela correnteza, ao invés de desperdiçarmos nossas energias nadando desesperadamente contra a corrente, tentando recuperar algo que não nos pertence mais e que nem mesmo é necessário para o nosso presente. “Eis que faço novas todas as coisas... Estas palavras são dignas de fé e verdadeiras” (Ap 21,5). Nossa fé está aberta para o futuro. Por isso mesmo, ela não pode se deixar abater por aquilo que se deteriora em nós no presente.

            Diante de um presente marcado por fortes contrariedades, Paulo e Barnabé convidaram os primeiros cristãos a se encherem de coragem e a “permanecerem firmes na fé, dizendo-lhes: ‘É preciso que passemos por muitos sofrimentos para entrar no Reino de Deus’” (At 13,14). Para nenhum ser humano a vida é um vento que sopra sempre a favor; antes, às vezes os ventos sopram totalmente contrários. É preciso aprender a resistir a esses ventos contrários. “O vento pode soprar o quanto quiser: a montanha jamais se curva diante dele” (provérbio chinês). Toda contrariedade está aí para ser enfrentada, olhada nos olhos, encarada por nós. Se isso vale para qualquer pessoa, vale muito mais para um cristão que, assim como Jesus e os primeiros cristãos, se encontra num mundo que se opõe aos valores do Evangelho.

            “É preciso que passemos por muitos sofrimentos para entrar no Reino de Deus” (At 13,14). Não se entra no Reino de Deus sem sofrer porque o novo não nasce em nós sem dor, sem luta, sem coragem e perseverança da nossa parte. As lágrimas que agora choramos serão enxugadas por Deus. A morte que agora nos deteriora será extinta por Deus. O luto e a dor que agora nos entristecem darão lugar à consolação que vem de Deus. Estas palavras não são frases de otimismo barato ou de autoajuda; “estas palavras são dignas de fé e verdadeiras” (Ap 21,5).

            Assim como nós, Jesus experimentou contrariedades na vida. Ele chorou, sofreu e morreu, mas recebeu a consolação de Deus; experimentou a verdade de que Deus faz novas todas as coisas sendo ressuscitado pelo Pai! Ele nos diz como devemos nos portar diante da vida e das suas contrariedades: não desistindo de amar. “Amai-vos uns aos outros. Como eu vos amei, assim também vós deveis amar-vos uns aos outros” (Jo 13,34). O amor ao qual Jesus nos refere não é um sentimento, nem uma emoção, mas uma atitude, uma maneira de viver a vida: com coragem e perseverança. “Tendo amado os seus que estavam no mundo, (Jesus) amou-os até o fim” (Jo 13,1). Eis o que Jesus nos pede: amar até o fim, e não até nos cansar ou nos decepcionar com as pessoas; amar até o fim, até que o nosso presente se abra ao futuro de Deus. Amar como Jesus nos amou é, sobretudo, amar quem não é amado; amar quando a deterioração chega; amar para além da pele...

            Como nos recorda o Papa Francisco, em tempos de “cultura do provisório”, nos quais as pessoas passam de uma relação afetiva para outra, é preciso amar com perseverança; amar não apenas dizendo um “sim”, mas protegendo este “sim”; um “sim” que diz ao outro que “poderá sempre confiar e não será abandonado, mesmo se perder o atrativo, se tiver dificuldades ou se se apresentarem novas possibilidades de prazer ou de interesses egoístas” (AL n.132). O amor com que Jesus nos amou enfrenta a deterioração e vai além dela, sabendo que “não é possível prometer que teremos os mesmos sentimentos durante a vida inteira; mas podemos ter um projeto comum estável, comprometer-nos a amar-nos e a viver unidos até que a morte nos separe, e viver sempre uma rica intimidade. O amor, que nos prometemos, supera toda a emoção, sentimento ou estado de ânimo, embora possa incluí-los. É um querer-se bem mais profundo, com uma decisão do coração que envolve toda a existência” (AL n.163).

 

Pe. Paulo Cezar Mazzi

 

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