Missa do Corpo e Sangue de Cristo. Palavra de Deus: Êxodo 24,3-8; Hebreus 9,11-15; Marcos 14,12-16.22-26.
Sempre que comungamos numa
celebração eucarística, recebemos o “corpo de Cristo”, a hóstia consagrada. Raramente
recebemos o “Sangue de Cristo”; menos ainda agora, em tempos de pandemia. Mas a
imagem do “sangue” apareceu nas três leituras bíblicas que acabamos de ouvir. Por
isso, é importante refletir sobre o Sangue de Cristo, na festa de hoje.
O
sangue está em estreita relação com o corpo: ele é, por assim dizer, a “vida”
do corpo. Perder muito sangue significa correr o sério risco de morrer; receber
sangue, por sua vez, significa recuperar a vida. Muitos enfermos de Covid 19 estão
precisando receber sangue, porque no sangue há hemoglobina, responsável por transportar
o oxigênio dos pulmões para os tecidos do corpo. Neste momento, os hospitais
estão precisando muito de doadores de sangue!
Na
Sagrada Escritura, sobretudo no Antigo Testamento, se fala com frequência de
sangue, não só do sangue derramado nas guerras, mas, principalmente, do sangue
dos animais sacrificados no Templo. O sangue desses animais significava o
pedido de perdão pelos pecados do povo. Uma vez que o pecado gera a morte na
pessoa, animais eram sacrificados e seu sangue era oferecido a Deus como pedido
de perdão pelos pecados. Mas aqui precisamos entender que não era Deus quem
exigia o sangue desses animais sacrificados e sim os homens religiosos da época
que entendiam ser necessário esse derramamento de sangue pelo perdão dos
pecados do povo. Deus não é vampiro! Ele não se alimenta de sangue!
Transcendendo
essa compreensão imperfeita da religião, a questão principal que os textos bíblicos
levantam para nós é a comparação entre o valor do sangue dos animais (Antigo
Testamento) e o valor do sangue de Cristo (Novo Testamento). Enquanto alguns
animais morriam sem saber por qual razão, e o seu “sangue inconsciente” era derramado
(inutilmente) para alertar a consciência de Israel das consequências do pecado,
o sangue de Jesus Cristo foi derramado livre e conscientemente pela salvação de
todo ser humano: “Isto é o meu sangue, o sangue da aliança, que é derramado em
favor de muitos” (Mc 14,24).
A
superioridade do sangue de Cristo em relação ao sangue dos animais sacrificados
é claramente demonstrada na carta aos Hebreus: “Se o sangue de bodes e touros,
e a cinza de novilhas espalhada sobre os seres impuros, os santifica e realiza
a pureza ritual dos corpos, quanto mais o Sangue de Cristo purificará a nossa
consciência das obras mortas, para servirmos ao Deus vivo, pois, em virtude do
espírito eterno, Cristo se ofereceu a si mesmo a Deus como vítima sem mancha”
(Hb 9,14-15).
O sangue de Cristo, oferecido como
bebida na última ceia e derramado na cruz, realizou uma redenção eterna; não
provisória, nem temporária! No entanto, o autor da carta aos Hebreus quer nos
ensinar que o sangue de Cristo não tem o poder mágico de nos colocar em
comunhão definitiva com Deus. O que este sangue contém é uma pergunta, a mesma
pergunta que Deus fez a Caim, após derramar o sangue de seu irmão Abel: “Onde
está o teu irmão?” (Gn 4,9). Essa pergunta significa: o quanto de sangue há em
nossas mãos hoje?
Há
sangue em nossas mãos quando compartilhamos discursos de ódio pelas redes
sociais; quando nos tornamos indiferentes à situação de quem está sendo
agredido ou injustiçado à nossa volta; quando não nos preocupamos com aqueles
que estão desempregados e passando necessidades. Enquanto grupos católicos
conservadores criam discussões desnecessárias se se deve receber a comunhão na
mão ou na boca, Deus nos pergunta se nós, que comungamos o Corpo de Cristo na
missa, temos feito algo pelo Corpo de Cristo presente naqueles que sofrem.
Nosso País é um dos mais violentos do mundo, o que significa que diariamente o
sangue de muitas pessoas é derramado devido à violência, que por sua vez é
fruto da desigualdade social. Como nós, cristãos, nos posicionamos diante desse
triste fato?
Hoje temos a oportunidade de nos
colocar diante do Sangue de Cristo e suplicar o perdão de Deus por todo sangue
derramado na face da terra, pelo fim das guerras e da violência, pela cura das
pessoas enfermas, pela proteção de todas as pessoas ameaçadas, pela Amazônia e
demais florestas que “sangram” devido ao desmatamento; pela situação
preocupante de agricultores cujos pastos ou plantações estão “sangrando” devido
à falta de chuva, consequência do desmatamento; supliquemos, enfim, para que as
pessoas se conscientizem a respeito da doação de sangue para salvar inúmeras
vidas nos hospitais...
Oração:
Teu Sangue
também foi prefigurado no sangue dos cordeiros que os hebreus passaram nas
portas de suas casas, para que elas fossem poupadas do espírito exterminador
(cf. Ex 12,13). Hoje pedimos que o teu precioso Sangue seja derramado sobre
nossas casas, para nos livrar do espírito exterminador da discórdia, da
dependência química, do abuso sexual, do desemprego e da desestruturação
familiar.
Teu Sangue
foi prefigurado no sangue que Moisés aspergiu sobre o povo de Israel, no
momento em que selou a aliança com Deus (cf. Ex 24,8). Diante da consciência da
nossa fraqueza e da nossa infidelidade, te pedimos, como o salmista: Purifica-nos
dos nossos pecados; lava-nos no teu Sangue, e ficaremos mais brancos do que a
neve. Cria em nós um coração que seja puro (cf. Sl 51,9.12). Ajuda-nos em nosso
combate contra o pecado!
Teu Sangue
foi prefigurado no sangue dos santos inocentes, daqueles meninos que foram mortos
por Herodes (cf. Mt 2,16-18). Hoje pedimos que o teu Sangue seja derramado
sobre as crianças do mundo inteiro, para que os “Herodes” do tráfico de drogas,
da pedofilia, do abuso sexual, da fome, da violência e da guerra não tenham
poder sobre nenhuma delas.
Teu Sangue
tem o poder de purificar nossa consciência, de perdoar nossos pecados, de curar
nossas feridas: derrama-O sobre todos nós! Ele é a expressão do teu amor que
nos amou até o fim. Ensina-nos também a amar até o fim! Teu Sangue é a expressão
de uma vida entregue, doada, oferecida como sacrifício pelo bem da humanidade.
Que assim seja a nossa vida também. Desse modo, estaremos honrando o Sangue que
nos redimiu. Que assim seja!
Pe. Paulo Cezar
Mazzi