Missa do 3. dom. da Páscoa. Palavra de Deus: Atos dos Apóstolos 3,13-15.17-19; 1João 2,1-5a; Lucas 24,35-48.
O Evangelho nos coloca diante da
terceira aparição de Jesus ressuscitado a seus discípulos. Em todas as
aparições há algo que se repete: Jesus se depara com a resistência dos seus
discípulos em crer que Ele de fato ressuscitou. Quais são as nossas resistências?
O quanto temos consciência das nossas resistências? Nós resistimos a tudo
aquilo que é novo, a tudo aquilo que nos desafia; nós resistimos a tudo aquilo
que diverge da nossa forma de entender a vida, a tudo aquilo que nos desacomoda
e nos coloca em crise; nós resistimos a tudo aquilo que não cabe na nossa
compreensão.
Assim como os discípulos de Jesus,
nós resistimos em acreditar que a vida possa ser diferente daquilo que está
sendo. Nós nos acostumamos com a rotina das coisas e essa rotina nos torna de
uma certa forma apáticos e céticos perante a vida. Nós nos acostumamos com as
doenças, com as perdas, com as desigualdades e injustiças sociais, com o
pessimismo e com a falta de entusiasmo. Deixamos de sonhar, de esperar, de
desejar, de crer que a vida possa ser diferente do que é. Resumindo, todas
essas resistências formam uma casca dura em nossa cabeça e em nosso coração, de
modo que Jesus precisa bater, bater, até que essa casca se quebre e a novidade
da ressurreição possa ser acolhida por nós.
“Por que vocês estão preocupados, e
por que têm dúvidas no coração?” (Lc 24,38). Por que vivemos tomados de
ansiedade, de medo, de preocupação? Porque não rezamos o quanto e o como
deveríamos rezar; porque não alimentamos nossa fé; porque desconhecemos as
Escrituras; porque cremos somente naquilo que podemos ver e experimentar;
porque desconhecemos o poder de Deus; porque damos mais ouvidos ao que as
pessoas falam e pensam nas redes sociais do que à voz de Deus em nossa
consciência; porque nossa vivência religiosa é superficial, sem profundidade,
sem disciplina; porque nossos valores estão invertidos; enfim, porque nós
assumimos o papel de pilotos do avião e damos a Deus o papel de copiloto.
Como Jesus quebrou a resistência dos
seus discípulos? Ele mostrou-lhes as suas mãos e os seus pés feridos: “Vejam
minhas mãos e meus pés: sou eu mesmo! Toquem em mim e vejam!” (Lc 24,39). Jesus
precisou fazer isso porque o seu corpo estava glorificado pela ressurreição e
havia mudado de aparência; no entanto, era o mesmo corpo que havia sido
crucificado! Tudo ficaria mais fácil para nós se Jesus fizesse o mesmo, se
aparecesse visivelmente e pudéssemos tocar n’Ele, mas foi Ele mesmo quem disse
a Tomé: “Você acreditou porque me viu; felizes os que creem em mim sem me ver!”
(Jo 20,29).
Sempre que aparece ressuscitado,
Jesus mostra aos discípulos as feridas da cruz no seu corpo glorificado, como
se dissesse: “É onde você toca o sofrimento humano, e talvez só ali que você
entenderá que eu (Cristo) estou vivo, que ‘sou eu’. Você me encontrará onde
quer que haja pessoas que sofrem. Não fuja de mim em nenhum desses encontros.
Não tenha medo. Não seja incrédulo, mas tenha fé!”... Dizem que o
próprio Satanás apareceu
a São Martinho sob a aparência de Cristo. No entanto, o santo
não foi enganado. Ele perguntou: ‘Onde estão as tuas feridas?’ Não acredito em ‘fé
sem feridas’, em uma igreja sem feridas, em um Deus sem feridas. Somente
o Deus ferido através de nossa fé ferida poderia curar o nosso mundo
ferido (Tomás Halík, padre, professor e psicólogo).
Além de mostrar suas feridas aos
discípulos, Jesus comeu diante deles um pedaço de peixe assado, para ficar
claro que ele não é um espírito desencarnado, mas um corpo ressuscitado (cf. Lc
24,42-43)! Nosso corpo está destinado a ressuscitar. É por isso que a ação
pastoral da Igreja não se ocupa apenas com a alma da pessoa, mas também com o seu
corpo, com a sua existência concreta. O próprio Jesus afirmou que Ele está
presente no corpo faminto, doente, agredido, injustiçado, maltratado etc. (cf.
Mt 25,31-46).
Enfim,
depois de comer o peixe, “Jesus abriu a inteligência dos discípulos para
entenderem as Escrituras” (Lc 24,46). A Bíblia não é um livro de evidências,
mas um livro escrito na fé de quem fez uma experiência de Deus para suscitar fé
naquele que a lê. Além disso, ela não é somente letra a ser lida, mas palavra
viva que fala conosco. Somente Jesus pode nos ajudar a interpretar a Bíblia
corretamente; somente Ele pode transformar a palavra da Escritura em “espírito
e vida” (Jo 6,63) dentro de nós! Necessitamos que Jesus abra a nossa
inteligência; que Ele retire o véu dos nossos olhos para que possamos nos abrir
à verdade de Deus, que nos prometeu a vida eterna em seu Filho Jesus Cristo, e
Deus não mente (cf. Tt 1,2).
“Vós
sereis testemunhas de tudo isso” (Lc 24,48). O nosso testemunho é necessário
porque a tarefa de Jesus – salvar a humanidade – não terminou na cruz; ela
continua na história da Igreja. Nossa tarefa é dar testemunho de que Jesus está
vivo dentro de nós e que a conversão, a mudança de mentalidade, não só é
possível como também necessária para a salvação. Nossa tarefa é dar testemunho
do Evangelho, “força de Deus para a salvação de todo aquele que crê” (Rm 1,16),
o que significa nos esforçar em viver segundo o Evangelho. Nossa tarefa é dar
esperança para aqueles que se sentem condenados em seus próprios pecados,
anunciando-lhes que “temos junto do Pai um Defensor: Jesus Cristo, o Justo. Ele
é a vítima de expiação pelos nossos pecados, e não só pelos nossos, mas também
pelos pecados do mundo inteiro” (1Jo 2,1-2). Aquele que foi ferido na cruz pode
curar as feridas que o pecado abriu em nós e em nosso mundo. Aquele que
ressuscitou pode abrir os nossos túmulos e nos dar vida nova.
Pe. Paulo Cezar
Mazzi
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