Vigília Pascal. Palavra de Deus: Gênesis 1,1 – 2,2; Êxodo 14,15 – 15,1; Baruc 3,9-15.32 – 4,4; Romanos 6,3-11; Marcos 16,1-7.
Esta
é uma noite de vigília. Vigília tem a ver com espera, com esperança: nós esperamos
pela luz do amanhecer; nós esperamos porque acreditamos que “nunca houve noite
que pudesse impedir o nascer do sol e a esperança”. Para nós, cristãos, a noite
escura é também um símbolo da nossa fé: nós não vemos a Deus, mas cremos na Sua
existência e no Seu amor por nós. Mesmo nas nossas noites escuras, e sobretudo
nelas, nossa fé precisa se mover, pois, como diz a Escritura, “nós caminhamos
pela fé, não pela visão clara” (2Cor 5,7).
Quando Israel
estava no exílio da Babilônia (séc. VI a.C.), e não via mais como sair da desolação
em que se encontrava, Deus dirigiu a sua Palavra àquele povo para lembrá-lo de
que Ele é o Criador, Aquele que fez todas as coisas e as mantém com o poder da
sua Palavra (cf. Gn 1,1–2,2), Aquele que iniciou sua obra em cada um de nós, e
a quem nos dirigimos pedindo: “Senhor, eu vos peço: não deixeis inacabada esta
obra que fizeram vossas mãos” (Sl 138,8). Por isso, a imagem do paraíso,
descrita na primeira leitura, não é saudade de um passado que não voltará mais,
mas esperança de um futuro que será criado por Deus, que tem por desígnio
restaurar todas as coisas em seu Filho Jesus (cf. Ef 1, 9-10; Cl 1,19-20).
Na noite em que
foi liberto do Egito, Israel não conseguia enxergar claramente o que estava
acontecendo. Ele só conseguiu atravessar o Mar Vermelho porque era noite e, ao
invés de ser amedrontado pelo mar, foi encorajado pela coluna de fogo, pela
nuvem luminosa que o guiava, retirando-o do Egito e conduzindo-o para a Terra
Prometida. Isso significa que só faz Páscoa, só faz a passagem da morte para a
vida, quem aceita caminhar na noite escura da fé. A Páscoa exige que você
caminhe também quando é noite; que você confie e se deixe guiar por Aquele que
vê o caminho que você não consegue ver, pois Ele vê do alto e vê além!
A travessia do mar
Vermelho nos recorda que todo processo de libertação enfrenta resistência. A
Páscoa, a passagem que desejamos fazer, sempre enfrenta obstáculos. Mas o Senhor
nos faz atravessar os obstáculos e prosseguir em nossa caminhada de libertação.
A obra da salvação é d’Ele e não nossa. É Ele quem faz
sair, faz entrar, faz caminhar, faz passar. Só existe Páscoa (passagem) porque
o Senhor abre uma passagem onde ela não existe, e nos faz passar ali. Mas
também é preciso que se diga que só existe passagem porque nós decidimos
confiar no Senhor e passar. De que adiantaria Deus abrir o mar em dois, se nós
insistíssemos em ficar na margem de cá, sem fazer a travessia tão necessária
para a vida nova que o Senhor quer para nós?
Na
noite da páscoa, Israel foi liberto pelo Senhor das correntes da escravidão do
Egito. Mas a passagem mais difícil nem sempre é livrar-se das correntes externas
e sim das internas. Mais difícil do que quebrar correntes é ter a coragem de
cortar aquele pequeno fio de ouro que nos mantém amarrados aos nossos erros, às
falsas compensações que o pecado nos oferece. Mesmo que Deus nos faça passar de
uma situação de morte para uma situação de vida, quantas vezes nós
retrocedemos, jogando fora o dom recebido e voltando a nos tornar escravos de
coisas, pessoas ou situações que nos afastam da nossa “terra prometida”? Eis,
portanto, a advertência do profeta: “Abandonaste a fonte da sabedoria! Se
tivesses continuado no caminho de Deus, viverias em paz para sempre...
Volta-te, Jacó, e abraça a sabedoria; marcha para o esplendor, à sua luz” (Br
3,12-13; 4,2).
Nesta
noite de vigília pascal, São Paulo apóstolo nos lembra que, embora nenhum de
nós tenha passado pelo mar Vermelho, todos nós passamos por uma outra água, muito
mais salvífica: a água do batismo, a qual nos mergulhou na morte de Cristo para
com Ele ressurgir numa vida nova. Cada vez que a Igreja nos oferece a
oportunidade de renovar as promessas do nosso batismo, está nos convidando a atualizar
a nossa identificação com Jesus Cristo por uma morte semelhante à sua, para que
sejamos identificados com Ele por uma ressurreição semelhante à sua (cf. Rm
6,5). Assim, quando procuramos viver de maneira coerente com o nosso batismo,
fazemos esse exercício cotidiano de nos considerar mortos para o pecado, mas
vivos para Deus, semelhantes a seu Filho Jesus.
A
narrativa da Paixão (ontem) terminou com a menção da grande quantidade de
perfume que Nicodemos comprou para ungir o corpo de Jesus. Naquele momento,
refletimos que, diante do mau cheiro da morte, precisamos espalhar o perfume da
nossa fé na ressurreição, o perfume da nossa esperança de vida eterna, o
perfume da nossa confiança de que toda situação de cruz se converterá em uma vida
transformada, ressuscitada. Eis porque o Evangelho desta vigília pascal se
inicia fazendo uma nova referência ao perfume que algumas mulheres levam,
enquanto caminham para o túmulo de Jesus.
Se a
imagem do túmulo nos recorda que somos mortais, há um sinal que diz que a morte
não é mais um ponto final na vida humana (a grande pedra que impedia o acesso
ao corpo de Jesus foi retirada). Aquela pedra não foi retirada por alguém de
fora, mas por Alguém de dentro do túmulo, Alguém que todos pensavam que estava
morto para sempre!
A
pedra que nos mantinha a todos fechados em nossos túmulos, aprisionados para
sempre na morte, foi retirada! Dentro do túmulo não há mais uma vida que
terminou na morte, um sonho de que desfez para sempre, uma luz que se apagou
definitivamente. Dentro do túmulo há um jovem – imagem da vida que se renova –
dizendo que Jesus de Nazaré, que foi crucificado, ressuscitou! Portanto, esta
noite de Páscoa nos convida a retirar a pedra do túmulo do nosso desânimo, do
nosso abatimento, túmulo que representa tantas atitudes nossas por meio das
quais nos enterramos vivos, morremos antes da hora, abandonamos os nossos
valores, pensando que ficar dentro de um túmulo seja melhor do que sair e
enfrentar a vida e correr o risco de sermos machucados.
“Vós
procurais Jesus de Nazaré, que foi crucificado? Ele ressuscitou. Não está aqui.
Vede o lugar onde o puseram. Ide, dizei a seus discípulos e a Pedro que ele irá
à vossa frente, na Galileia. Lá vós o vereis, como ele mesmo tinha dito” (Mc
15,6-7). O Evangelho da vigília Pascal poderia nos colocar em contato com Jesus
Ressuscitado (o que será feito nos dois próximos domingos), mas ele nos coloca,
primeiro, diante de um túmulo vazio, túmulo que nos lembra que crer na
ressurreição não significa crer que não vamos morrer, ou que vamos ser poupados
de sofrimento, mas significa crer que vamos vencer a morte e o sofrimento. O
nosso sofrer e a nossa morte não são a negação da ressurreição, mas o lugar
existencial onde experimentaremos a nossa própria ressurreição (cf. 2Cor
5,2-4).
“Ressuscitar
é romper o próprio túmulo. É preciso sair do próprio túmulo. Ir removendo uma a
uma as pedras que foram soterrando a vida que vive
Pe. Paulo Cezar Mazzi
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