sexta-feira, 23 de outubro de 2020

ENCONTRAR-SE COM DEUS É ENCONTRAR-SE TAMBÉM COM TODO SER HUMANO QUE ELE AMA E QUER SALVAR

Missa do 30º dom. comum. Palavra de Deus: Êxodo 22,20-26; 1Tessalonicenses 1,5c-10; Mateus 22,34-40.

 

            Quando foi que você fez a experiência de amar e de ser amado? Ali você fez uma experiência de Deus. “Deus é amor” (1Jo 4,8). Quem nunca fez a experiência de amar e ser amado nunca experimentou Deus. O grande problema do mundo moderno não é o ateísmo, não é a falta de fé em Deus, em Sua existência, mas a não experiência de sentir-se amado por Deus. Inúmeras crianças nasceram e cresceram no seio de famílias desestruturadas, sem uma experiência genuína de amor, nem por parte da mãe, nem por parte do pai. Além disso, inúmeras famílias estão expostas à violência, às guerras, às perseguições religiosas, a muitas injustiças sociais, e isso faz com que elas não experimentem que são amadas por Deus.

            Segundo Jesus, existe um centro, um núcleo dentro de cada um de nós e dentro da história humana. Quanto mais nos afastamos desse centro, desse núcleo, mais adoecemos, nos desumanizamos e destruímos a nós mesmos, aos outros e ao próprio mundo. Quanto mais nos voltamos para esse centro, quanto mais vivemos a partir desse núcleo, dessa essência, mais nos tornamos saudáveis, humanos e capazes de construir relacionamentos que salvem a humanidade da destruição. Esse centro, esse núcleo, essa essência é o amor.

            Durante a história de Israel, as autoridades religiosas afastaram-se da essência da fé e multiplicaram os mandamentos da Lei de Deus em 613 normas e prescrições. É por isso que fazem a pergunta a Jesus: “Mestre, qual é o maior mandamento da Lei?” (Mt 22,36), ao que Jesus responde: “Amarás o Senhor teu Deus de todo o teu coração, de toda a tua alma, e de todo o teu entendimento!” e também “Amarás ao teu próximo como a ti mesmo” (Mt 22,37.39). Portanto, “amarás!”.

            A essência da fé, a essência da religião cristã, é o amor, amor que supõe estabelecer um relacionamento com Aquele que é amor. Não fomos nós que “inventamos” Deus e “inventamos” a obrigação de amá-Lo e de amar o próximo, mas foi Deus que Se revelou a nós como amor e nos desafiou a amar: “Nisto consiste o amor: não fomos nós que amamos a Deus, mas foi ele que nos amou” (1Jo 4,10). Antes que o ser humano existisse, ele foi amado e querido por Deus. O amor de Deus pelo ser humano é gratuito e incondicional: Seu amor por nós existe antes e continua a existir depois de qualquer fraqueza, pecado, injustiça, escândalo e maldade que possam surgir ao longo da nossa existência e “manchar” a nossa imagem perante Deus.

            Se Jesus afirma que a essência da nossa fé consiste em amar o Pai com todo o nosso coração, com toda a nossa alma e com todo o nosso entendimento é porque deseja que nós mergulhemos de cabeça no coração do Pai, experimentemos a verdade do Seu amor por nós e nos relacionemos com Ele não porque “precisamos” d’Ele, mas porque O amamos. Quando nosso relacionamento com Deus é marcado pelo medo, pelo temor, ou pelos nossos interesses e necessidades, significa que estamos distantes do núcleo, da essência da nossa religião. Muitos de nós, que cremos em Deus, não O buscamos porque O amamos, mas porque precisamos d’Ele. Jesus quer que vivamos nosso relacionamento com o Pai para além dessa superficialidade e desse utilitarismo.

            Deus conhece o nosso coração e a imperfeição do nosso amor para com Ele: “O amor de vocês é como a neblina da manhã, como o orvalho que cedo desaparece... É amor que eu quero e não sacrifícios” (Os 6,4.6). O nosso amor por Deus é condicionado ao que nos acontece: se tudo vai bem transcorre como nós planejamos, se estamos com saúde e estáveis financeira e afetivamente, nosso amor para com Deus se mantém. Mas se Ele permite que algo desestabilize a nossa vida, nosso amor por Ele se esvai como a neblina, diante dos primeiros raios do sol, se evapora como o orvalho diante do calor. No entanto, Deus continua nos amar: “Os montes podem mudar de lugar e as colinas podem abalar-se, porém o meu amor não mudará, diz o Senhor” (Is 54,10).

“Amarás o Senhor teu Deus de todo o teu coração, de toda a tua alma, e de todo o teu entendimento!” (Mt 22,37). Jesus não quer que entendamos isso como uma imposição a partir de fora, mas como nossa resposta pessoal e diária Àquele que habita em nós por meio do Seu amor.

E o próximo, como fica? Ignorado pelo mercado, ele também tem sido sistematicamente banido das igrejas cristãs, as quais favorecem sempre mais um culto individualista, onde o mais importante é o bem estar espiritual do fiel, independente da forma como ele trata o seu semelhante. Deus protesta contra esse individualismo que falseia a religião cristã, nos questionando como está sendo a nossa forma de tratar o próximo (cf. Ex 22,20.21.24). A tendência atual de reduzir a fé ao “sentir-se bem” é uma traição ao Evangelho: “Amarás ao teu próximo como a ti mesmo” (Mt 22,39).

Muitos cristãos estão concluindo que, para se encontrar com Deus, é melhor afastar-se das pessoas, quando, na verdade, a Escritura jamais permitiu ao homem de fé desinteressar-se do seu semelhante com a desculpa de interessar-se unicamente por Deus. Quem, na vivência diária da sua fé, se encontra verdadeiramente com Deus, “encontra inevitavelmente os homens que Deus ama e quer salvar” (missal dominical, p.841). Cada homem que existe na face da terra é um irmão que Deus colocou ao nosso lado e que temos de cuidar, proteger e amar, sobretudo os mais frágeis, os mais expostos ao sofrimento e às injustiças do nosso tempo. “Quem não ama seu irmão, a quem vê, a Deus, a quem não vê, não poderá amar” (1Jo 4,20).   

           

 

            ORAÇÃO: Deus, Pai de amor, reconheço que me distanciei do núcleo da minha fé, da essência da minha relação contigo. Tenho buscado a Ti não porque Te amo, mas porque preciso de Ti. Além disso, meu amor por Ti é inconsistente como a neblina da manhã: basta que algo ruim me aconteça para que eu duvide do Teu amor. Perdoa-me, Pai! Dá-me o amor que Tu me pedes. Quero aprender a me relacionar contigo por um sincero e profundo amor.

            Livra-me do individualismo. Acolho o desafio de amar o meu semelhante. Em nome do Teu amor, quero enxergar cada ser humano como um irmão a quem amar, proteger e defender. Quero ser fiel à missão de ser um sinal concreto do Teu amor para com toda pessoa que cruza o meu caminho. Torna fecunda a minha espiritualidade, de modo que, ao Te buscar diariamente, eu encontre não somente a Ti, mas também o ser humano, meu irmão, a quem Tu amas e desejas salvar. Por Jesus Cristo, na unidade do Espírito Santo. Amém!

 

Pe. Paulo Cezar Mazzi

Um comentário:

  1. Deus abençoe e o Espírito Santo continue a te iluminar para que as sementes da verdade sejam plantadas, Com Amor, em nossos corações.

    ResponderExcluir