sexta-feira, 16 de outubro de 2020

NENNUM CÉSAR DEVE SER CULTUADO COMO MESSIAS

 

Missa do 29. dom. comum. Palavra de Deus: Isaías 45,1.4-6; 1Tessalonicenses 1,1-5b; Mateus 22,15-21

 

            César e Deus: o primeiro representa o poder político; o segundo, o poder religioso. A grande maioria das pessoas afirma que não se deve misturar política com religião. No entanto, no Brasil atual, diversos líderes religiosos estão se submetendo aos interesses da má política. Com o falso discurso de defenderem Deus, a família, a moral e os valores conservadores, esses líderes têm usado da religião para o seu projeto pessoal de poder; usam o nome de Deus com o objetivo de se tornarem César. “As eleições deste ano terão pelo menos 5.500 religiosos concorrendo às prefeituras e às Câmaras Municipais. Os nomes mais populares usados na urna são ‘pastor’ e ‘irmão’” (UOL, 26/09/2020).

            Devido à forte ignorância política e religiosa que caracteriza o nosso País, existe hoje uma manipulação do termo “Ungido” (Messias). Enquanto alguns líderes religiosos se presumem “ungidos por Deus” para fundarem igrejas, sendo que algumas delas são literalmente “negócios de mercado”, alguns líderes políticos se presumem “ungidos por Deus”, afirmando que a mão de Deus está sobre eles para governarem. Eles fingem ignorar que o fato de que, dos inúmeros reis que governaram o povo de Israel - Reino do norte e Reino do sul –, somente quatro foram aprovados por Deus; somente quatro honraram a unção que receberam. Todos os demais foram reprovados, segundo as palavras: “(tal rei) fez o que era mau aos olhos de Deus”, uma afirmação que você se cansará de ler nos dois livros de Reis.  

            No Evangelho de hoje, Jesus nos dá pistas sobre como podemos nos posicionar diante da política e da religião em nosso dia a dia. Vivendo numa época onde o Império Romano dominava seu país, Jesus foi questionado se concordava ou não com o fato de o povo ter que pagar o imposto a César. Havia ali uma armadilha: concordar com o pagamento do imposto era concordar com a dominação romana; discordar era assumir o papel de revolucionário político. Sendo livre diante das pessoas e verdadeiro diante de Deus, Jesus questionou a respeito da figura e da inscrição impressas na moeda do imposto. Eram de César. Sabiamente, ele então respondeu: “Deem, pois, a César o que é de César, e a Deus o que é de Deus” (Mt 22,21).

            Com a sua resposta, Jesus nos ensina a não confundir César e Deus. Nenhum César é Deus! Nenhum César pode usar da religião para seus interesses de poder! Na verdade, existem diferenças sérias e profundas entre César e Deus: Todo César está a serviço dos interesses do mercado; Deus está a serviço da vida e da dignidade de cada ser humano; Todo César é um homem passível de corrupção; Deus é incorruptível; Todo César é um homem seduzido pelo poder; Deus escolheu servir e dar a vida pela salvação do ser humano; Todo César usa da mentira para sustentar-se no poder; Deus ama a verdade e odeia a mentira. Portanto, o bom senso nos pede para desconfiar de todo discurso político travestido de linguagem religiosa.

            Depois de fazer uma clara separação entre César e Deus, Jesus fez questão de nos orientar a “dar a Deus o que é de Deus”. Se na moeda do imposto estava a impressa a imagem de César, a imagem de Deus foi impressa em cada ser humano. Todo ser humano foi criado à imagem e semelhança de Deus (cf. Gn 1,26). Todo ser humano é sagrado, inclusive aquele que não tem a mesma cor de pele ou a mesma identidade sexual que eu; aquele que não tem religião ou que segue uma religião ou igreja diferente da minha, que defende um partido político diferente do meu, que não pertence à mesma classe social que eu.

É preocupante o retrocesso que o nosso mundo está vivendo em termos de humanização e fraternidade, como denuncia o Papa Francisco na sua Encíclica Fratelli Tutti: “(...) nega-se a outros o direito de existir e pensar... Não se acolhe a sua parte da verdade, os seus valores, e assim a sociedade empobrece-se e acaba reduzida à prepotência do mais forte. Nesta luta de interesses que nos coloca todos contra todos, onde vencer se torna sinônimo de destruir..., aumentam as distâncias entre nós, e a dura e lenta marcha rumo a um mundo unido e mais justo sofre um novo e drástico revés” (nn.15-17).  

            Jesus veio restituir a imagem de Deus em cada ser humano; Ele veio ajudar o ser humano a se libertar de uma injusta, sofrida e desnecessária submissão a César para escolher livremente colocar-se nas mãos de Deus. Jesus deseja despertar em nós a consciência do valor de cada pessoa humana e do valor da criação, muitas vezes atacada por César para favorecer os interesses do mercado. Jesus quer nos tornar conscientes de que “não se pode sacrificar a vida e a dignidade dos indefesos a nenhum poder político, financeiro, econômico ou religioso... O ser humano não é moeda de circulação, que se compra ou se vende. Por isso, o ser humano não pode ser ‘produto’ que é vendido aos interesses humanos” (Pe. Adroaldo, sj).

            Diante da resposta de Jesus, precisamos nos perguntar se estamos dando a Deus o que é de Deus. Isso supõe manter a nossa consciência voltada para Ele, orientada diariamente por sua Palavra; supõe também cuidar da criação, preservar o meio ambiente, perante o qual Deus nos constituiu cuidadores e não predadores. Dar a Deus o que é de Deus significa defender cada ser humano que esteja sendo ferido, descuidado ou simplesmente descartado por todo César deste mundo. Como muito bem nos ensina o Papa Francisco, “enquanto o nosso sistema econômico-social ainda produzir uma só vítima que seja e enquanto houver uma pessoa descartada, não poderá haver a festa da fraternidade universal” (FT, 110).

 

 

            ORAÇÃO: Senhor, Tu és o nosso único Deus. Toca com Tua mão na consciência de todo César do nosso tempo, para que use do seu poder para cuidar do meio ambiente e protegê-lo dos interesses gananciosos do mercado. Concede sabedoria a todo César para que se afaste da mentira e exerça seu governo segundo a justiça, sempre visando a dignidade e o bem de cada ser humano.

            Livra-nos dos líderes religiosos que usam do Teu nome unicamente para seus próprios projetos de poder. Torna-nos conscientes de que o papel da religião é acompanhar criticamente a política, e não se colocar a serviço dela em vista da manutenção das estruturas injustas de poder que aprofundam sempre mais a desigualdade em nosso País.

            Ensina-nos a dar a Ti aquilo que é Teu, fazendo da nossa oração diária o momento em que nos deixamos amar e cuidar por Ti, orientando a nossa consciência diariamente por Tua palavra, não nos corrompendo diante do poder mundano e cuidando da vida de cada ser humano e do meio ambiente, a fim de promover a fraternidade universal. Por Jesus Cristo, vosso Filho, na unidade do Espírito Santo. Amém!  

Pe. Paulo Cezar Mazzi

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