Missa do 4º.
dom. da Páscoa. Palavra de Deus: Atos dos Apóstolos 4,8-12; 1João 3,1-2; João
10,11-18.
O Evangelho nos coloca diante de
três imagens: a imagem do verdadeiro Pastor (o “bom” Pastor), a imagem do falso
pastor (o “mercenário”, aquele que trabalha tendo como foco de interesse não o
bem das ovelhas, mas o dinheiro) e a imagem da ovelha. Esta última imagem tem
atualmente uma conotação negativa, pois ser “ovelha” significa, aos olhos da
sociedade atual, ser uma pessoa “dirigida”, “guiada”, “conduzida” por alguém, e
isso parece ferir a liberdade e a autonomia que hoje o ser humano tanto
reivindica para si. De fato, muitas pessoas se afastaram de qualquer tipo de
igreja e de religião por não admitirem ser “domesticadas”, “conduzidas”. Porém,
é cada vez maior o número de pessoas que caminham na vida perdidas,
desorientadas, fazendo mal a si mesmas e aos outros, por terem se afastado da
voz de Deus em sua própria consciência. São pessoas que descartaram da construção
da sua vida a pedra principal, a “pedra angular” (Sl 118,22).
O que é a pedra angular? É uma pedra
que, sendo retirada da construção de uma obra, faz com que toda a obra desmorone,
vindo abaixo. No sentido espiritual, descartar a pedra angular significa
descuidar, tratar com descaso, abandonar aquilo que é essencial, aquilo que é o
mais importante na vida. O apóstolo Pedro disse claramente que Jesus Cristo é a
pedra angular (cf. At 4,11). Muitos decidiram “jogar fora” a pessoa de Jesus; outros,
se não chegaram a jogá-Lo fora, decidiram não mais alimentar seu relacionamento
com Ele; são pessoas que descuidaram ou mesmo abandonaram sua relação com
Jesus. A consequência disso é que elas se tornaram pessoas que desabam com
facilidade diante dos problemas, pessoas cuja construção de vida desmorona e
arruína, por não estarem assentadas/fundamentadas sobre um alicerce
sólido.
Ao se referir a si mesmo como “o bom
Pastor” e ao falar de cada um de nós como “ovelha”, Jesus quer nos lembrar que
todo ser humano depende de algo ou de alguém. Ninguém é autossuficiente. Quando
escolhemos não depender de Deus, passamos a depender do mundo; quando escolhemos
não viver sob o domínio do verdadeiro e bom Pastor, acabamos nos deixando
dominar pelos lobos do nosso tempo; quando não aceitamos viver sob o domínio do
bom Pastor, acabamos por viver sob o domínio de mercenários, de pessoas e
situações que não se importam verdadeiramente com o nosso bem, mas visam
unicamente lucrar conosco, ganhar dinheiro em cima da nossa fragilidade, da
nossa ignorância, da nossa carência.
A
ovelha simboliza toda pessoa que precisa ser cuidada. Quem cuida de você? Você
se deixa cuidar por Deus? Além disso, quais pessoas estão hoje sob os seus
cuidados? Você cuida delas segundo o modelo do “bom Pastor”, dando a vida e se
sacrificando pelo bem dessas pessoas, ou cuida delas segundo o antimodelo do
“mercenário”, negando-se a se sacrificar pelo bem dessas pessoas ou, pior,
fazendo do seu aparente cuidado uma cortina de fumaça: enquanto elas pensam
estar sendo cuidadas por você, você as está roubando, lucrando com a ignorância
religiosa dessas pessoas, que confiam em você quase que cegamente?
Não
há como negar que nós estamos vivendo num tempo de grande carência de bons
pastores e de multiplicação de mercenários, de pessoas que fazem o mínimo, que
oferecem ao seu rebanho apenas o básico, o arroz com feijão, porque seu coração
de pastor está num outro lugar, pulsando não por suas ovelhas em geral, mas
apenas por uma em particular. Também não há como negar que existe hoje um forte
desencanto pelos pastores, e esse desencanto tem gerado desconfiança, medo,
afastamento e dispersão no rebanho. Mas aqui precisamos recordar as palavras do
salmista: “É melhor buscar refúgio no Senhor, do que pôr no ser humano a
esperança; é melhor buscar refúgio no Senhor, do que contar com os poderosos
deste mundo!” (Sl 118,8-9). Nossos olhos precisam se manter fixos em Jesus, o
bom Pastor, e não se perder na desilusão que possamos ter com os pastores
humanos.
“Eu
sou o bom pastor. Conheço as minhas ovelhas, e elas me conhecem, assim como o
Pai me conhece e eu conheço o Pai. Eu dou minha vida pelas ovelhas” (Jo 10,14-15).
Jesus mantém com cada uma das suas ovelhas uma relação única, especial,
pessoal; Ele conhece os seus sofrimentos, dramas, sonhos e esperanças. Cada um
de nós é chamado a aprofundar o seu relacionamento pessoal com Jesus porque só
n’Ele encontramos salvação, como disse claramente Pedro, cheio do Espírito
Santo: “Em nenhum outro há salvação, pois não existe debaixo do céu outro nome
dado aos homens pelo qual possamos ser salvos” (At 4,12). Aqui é importante
repetir: só em Jesus Cristo encontramos a salvação porque Ele é a pedra
principal da construção da nossa vida: quando descartamos essa pedra, todo o
edifício da nossa vida desaba.
Ao
se declarar como bom Pastor desse imenso rebanho que é a humanidade, Jesus
também disse: “Tenho ainda outras ovelhas que não são deste redil: também a
elas devo conduzir; escutarão a minha voz, e haverá um só rebanho e um só
pastor” (Jo 10,16). Essas palavras nos falam da nossa missão de cristãos, de
pessoas chamadas a cuidar das ovelhas que a vida coloca próximas de nós. Tudo o
que existe e vive precisa ser cuidado para continuar a existir e a viver: uma
planta, um animal, uma criança, um idoso, o planeta Terra... Sem cuidado,
deixamos de ser humanos. Sem cuidado, deixamos de ser bons pastores e nos
tornamos mercenários, pessoas que só agem por interesse. Santo Agostinho, no
século IV, escrevia: “Jesus diz a Pedro: Apascenta as minhas ovelhas, e não as tuas
ovelhas: apascenta-as como minhas e
não tuas”. Que o nosso cuidado para
com as pessoas leve isso em conta.
Hoje
é o Dia Mundial de Oração pelas Vocações. Em sua mensagem para este dia, o Papa
Francisco nos fala da importância de escutar,
discernir e viver segundo a vocação que recebemos de Deus. Somos chamados a
“escutar” o Senhor que nos fala muitas vezes “de forma silenciosa e discreta,
sem Se impor à nossa liberdade”, afirma Francisco. Deus fala conosco
especialmente na dor e na dispersão das Suas ovelhas, convidando-nos a cuidar
delas como bons pastores. Porém, como vivemos num tempo marcado por muito
barulho, precisamos “discernir” a voz do Senhor, essa voz que nos ajuda a “fazer
as opções fundamentais” que nos configuram a Jesus Cristo, o profeta de Deus. “Como
um vento que levanta o pó, o profeta perturba a falsa tranquilidade da
consciência que esqueceu a Palavra do Senhor, discerne os acontecimentos à luz
da promessa de Deus e ajuda o povo a vislumbrar, nas trevas da história, os
sinais duma aurora”, explica Francisco. Por fim, somos chamados a abraçar a
nossa vocação e a “viver” de modo digno da mesma. “A vocação é hoje! A missão
cristã é para o momento presente! E cada um de nós é chamado – à vida laical no
matrimônio, à vida sacerdotal no ministério ordenado, ou à vida de especial
consagração – para se tornar testemunha do Senhor, aqui e agora”, diz
Francisco.
Oração: Senhor Jesus, Tu és a pedra
angular da construção da minha vida. Sem apoiar-me em Ti eu nada posso; sem
orientar-me pela Tua palavra, o edifício da minha vida desaba. Sejas Tu, Senhor,
o meu fundamento, o meu alicerce. Ampara-me sobre a rocha da Tua verdade, para
que a construção da minha vida resista às tempestades desse mundo. Tu és, Senhor, o meu Pastor, por isso nada
em minha vida faltará!
Sou
Tua ovelha, Senhor; pertenço ao Teu rebanho. Concede-me um coração capaz de
ouvir, reconhecer e obedecer Tua voz. Livra-me do engano e das mentiras dos
mercenários, daqueles que falam de Ti, mas têm o coração longe do Teu Evangelho,
aqueles cujo coração está corrompido pela ganância do dinheiro. Protege-me dos
lobos, Senhor; protege-me daqueles que atacam e agridem a minha vida física,
emocional e espiritual. Concede-me discernimento para que eu não me deixe
enganar por aqueles que, na política ou na religião, são lobos disfarçados de
cordeiros. Tu és, Senhor, o meu Pastor,
por isso nada em minha vida faltará!
Muitos
se desencantaram com os Teus pastores, Senhor Jesus. Muitos foram feridos em
seu corpo e em sua alma por pastores pedófilos, que não roubaram apenas a
inocência de crianças e adolescentes, mas roubaram-lhes também a fé! Visita,
Senhor, todas as pessoas que estão machucadas em sua fé. Devolve-lhes a
confiança em Ti. Que elas sejam curadas pela força do Teu amor de bom Pastor.
Livra a nossa Igreja dos maus pastores e suscita no meio de nós pastores
segundo o Teu coração! Tu és, Senhor, o
meu Pastor, por isso nada em minha vida faltará!
Pastorear
significa cuidar. Cuida de cada um de nós, Senhor, e ajuda-nos a cuidar de todos
aqueles que se encontram à nossa volta. Configura cada pai, mãe, educador, cada
líder político e religioso ao Teu coração de bom Pastor. Toma em Teus braços
cada ovelha que se encontra perdida, extraviada, doente, machucada, ameaçada em
nosso mundo. Ensina-nos a dialogar com as outras igrejas e as outras religiões,
para que, juntos, possamos agir na defesa e no resgate da vida de cada ovelha
desse imenso rebanho que é a humanidade. Congrega-nos a todos no Teu único rebanho!
Amém! Tu és, Senhor, o meu Pastor, por
isso nada em minha vida faltará!
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