Missa da 4ª.
feira de cinzas. Palavra de Deus: Joel 2,12-18; 2Coríntios 5,20–6,2; Mateus
6,1-6.16-18.
Quem de nós alguma vez não fez
escolhas erradas ou não tomou decisões erradas? Quem de nós alguma vez não
errou o caminho? Não há ser humano que nunca tenha cometido algum erro, que
nunca tenha se enganado, ao fazer uma escolha ou ao tomar uma decisão. O tempo
da quaresma existe para nos darmos conta dos nossos erros e do estrago que eles
têm causado à nossa vida, à vida das pessoas que convivem conosco, à vida da
Igreja e da sociedade, à vida do planeta... Mais do que isso, o tempo da
quaresma existe para nos lembrar de que é possível corrigir o rumo que temos
dado à nossa vida afetiva, profissional, social e espiritual. Se o caminho que
estamos percorrendo está nos levando à destruição, é possível voltar, é
possível mudar de direção.
Eis, portanto, o apelo de Deus para
nós: “Voltai para mim, com todo o vosso coração” (Jl 2,12). Se não queremos
continuar a nos destruir e a destruir a vida à nossa volta, precisamos voltar,
precisamos nos converter. Todos os anos a Igreja nos convida a viver o tempo da
quaresma porque a conversão não é algo que se dá de uma vez para sempre; ela é
um processo que acompanha – ou deveria acompanhar – toda a nossa vida, porque
sempre precisamos fazer ajustes em nossa caminhada. O próprio Jesus diz à sua
Igreja, no Apocalipse: “Você abandonou o seu primeiro amor. Recorde onde você
caiu, converta-se e retome a conduta de antes” (Ap 2,4-5).
Na sua mensagem para a quaresma
deste ano, o Papa Francisco nos lembra esta advertência de Jesus: “Por causa da
maldade no mundo, o amor de muitas pessoas se esfriará” (Mt 24,12). É possível
que você tenha esfriado no seu amor para com Deus e para com o seu semelhante. De
tanto ver violência e injustiça no mundo, de tanto ver corrupção e impunidade
em nosso país, é possível que o amor à verdade, à justiça, ao bem e à
solidariedade esteja esfriando dentro de muitos de nós. E quando o amor se
esfria dentro de nós, é sinal de que o mal está tomando conta do nosso coração.
O Papa Francisco nos lembra de que, no livro “A Divina Comédia”, Dante
Alighieri descreve o inferno como um lugar onde o diabo está sentado num trono
de gelo. A maldade do diabo reina onde o amor esfriou. Por isso, a Campanha da
Fraternidade desse ano tem como tema “Fraternidade e superação da violência” e como
lema é “Vós sois todos irmãos” (Mt 23,8). Nós não podemos permitir que a
maldade e a violência social esfriem o amor, a fraternidade e a solidariedade
em nosso coração. Jesus nos convida a promover a paz, a trabalhar em favor da
paz, a nos desarmar e a aprendermos a dialogar com a nossa agressividade.
Voltemos
a falar sobre a nossa necessidade de conversão. Por meio do profeta Joel, Deus
ordena: “Prescrevei o jejum sagrado” (Jl 2,15). Jejuar também tem o sentido de desintoxicar-se.
Precisamos nos desintoxicar da violência. Antes que Caim, por não saber lidar com
a sua agressividade, derramasse o sangue de seu irmão Abel na terra (cf. Gn
4,1-12), o ser humano não se alimentava de carne, isto é, não derramava o
sangue de animais para se alimentar (cf. Gn 1,29). Abster-se de carne também
tem o sentido de entender que eu não preciso derramar sangue na terra para me
alimentar; eu não preciso matar o outro para sobreviver. Eu preciso, na
verdade, perceber o quanto tenho me tornado uma pessoa meramente instintiva,
agindo cegamente a partir da minha agressividade.
Além
de propor o jejum como meio de recuperarmos o domínio sobre nós mesmos, sobre
os nossos instintos e os nossos afetos, Jesus nos fala da esmola como forma de voltar
a enxergar o outro como nosso irmão: “Vós sois todos irmãos” (Mt 23,8). Não
podemos permitir que o individualismo do mundo moderno nos torne cegos para as
necessidades do nosso irmão. Por meio da prática da esmola, Jesus nos desafia a
nos fazer próximo de toda pessoa que necessita de nós.
Por
fim, Jesus nos fala da oração como forma de restabelecer o nosso relacionamento
com Deus. O nosso mundo se torna cada vez mais um lugar onde não há lugar para
Deus, e muitos de nós, que nos dizemos cristãos, temos vivido na prática como
se Deus não existisse. A verdadeira oração nasce da convicção de que nós
precisamos ser salvos e não há salvador fora de Deus. Mas Jesus nos orienta que
a nossa oração não deve ser ocupada o tempo todo com nossas palavras, nossos
pedidos e nossas urgências (cf. Mt 6,7); ela deve se tornar o espaço onde
voltamos a ouvir Deus e nos permitimos ser curados por sua Palavra. A oração é
o “momento favorável” onde a graça de Deus pode realizar a nossa conversão,
onde o fogo do Espírito de Deus pode voltar a aquecer o que em nós se esfriou.
Uma última palavra. Hoje ouvimos o profeta
Joel dizer: “Chorem... os ministros sagrados do Senhor” (Jl 2,17). Como
ministros de Deus, choremos nossa infidelidade; choremos o esfriamento da nossa
fé e da nossa vida de oração; choremos a perda de sentido do nosso ministério; choremos
o enfraquecimento da nossa ação evangelizadora; choremos as nossas tantas
liturgias vivenciadas pelo nosso povo como ritos mortos, porque descomprometidas
com o sofrimento real das pessoas que não nos preocupamos em atingir com a
nossa ação evangelizadora... Que as nossas lágrimas sejam o sinal do
derretimento do gelo, sinal da conversão da frieza de um coração que,
voltando-se para o Senhor, voltou a sentir-se aquecido por Sua Palavra, voltou
a pulsar segundo o Seu Espírito.
Supliquemos:
Vem, Espírito de Deus, fazer a grande conversão! Vem, Espírito de Deus, pela poderosa
intercessão do nosso Senhor. Liberta e restaura os corações, derrama a efusão
em todos nós, envolva-nos em Tuas grandes asas, aquece-nos e queima com Teu
fogo! Vem, Espírito Santo, vem! Desfaz toda impureza. Vem, Espírito Santo, vem!
Derrama Teus santos dons!
Nenhum comentário:
Postar um comentário