sexta-feira, 16 de fevereiro de 2018

A NECESSÁRIA EXPERIÊNCIA DE DESERTO

Missa do 1º. Dom. da quaresma. Palavra de Deus: Gênesis 9,8-15; 1Pedro 3,18-22; Marcos 1,12-15.

“O Espírito levou Jesus para o deserto. E ele ficou no deserto durante quarenta dias” (Mc 1,12-13). O que significa esse período de quarenta dias? Biblicamente, o número quarenta indica o tempo necessário para que haja uma mudança, uma cura, uma transformação, um renascimento. Embora a nossa geração esteja mal habituada a querer que tudo seja resolvido de maneira rápida, imediata, Deus nos ensina que existe um tempo para que algo de significativo aconteça em nossa vida. Não se cura uma ferida de forma instantânea. Não se passa de uma situação de morte para uma situação de vida de maneira imediata. Existe um processo, e esse processo exige de nós tempo, paciência, confiança, determinação, firmeza de caráter.
O Espírito de Deus nos convida a viver esse tempo de quaresma como o “tempo favorável” (cf. 2Cor 6,2) para a nossa transformação interior. Mas, como é que o Espírito nos conduz “para o deserto”? Ele pode fazer isso permitindo que fiquemos doentes, ou que passemos por um período de aridez espiritual, ou que enfrentemos determinado sofrimento, ou que enfrentemos uma crise... E embora a experiência do deserto nos cause muito desconforto, é importante confiar que nela se dá o nosso amadurecimento, a nossa conversão. O Espírito de Deus sabe que o deserto é um “lugar” onde não queremos ir, mas onde precisamos às vezes ir; é o lugar onde tomamos consciência daquilo que é essencial para a nossa vida e para a nossa salvação. Além disso, se a nossa vida hoje é ocupada cada vez mais pelas redes sociais e nós somos invadidos por uma enxurrada de imagens e mensagens, o Espírito de Deus quer nos conduzir para fora dessas pressões externas, para que possamos voltar a ouvir a voz de Deus de maneira mais clara e profunda: “Eu a conduzirei ao deserto e ali lhe falarei ao coração” (Os 2,16).
Assim como aconteceu com Jesus, toda pessoa que entra numa experiência de deserto se dá conta de que há uma voz enganadora dentro dela: a voz do tentador. Essa voz fala conosco procurando nos confundir, abalar a nossa confiança em Deus e nos fazer pensar que, se Deus nos permitiu entrar numa situação de deserto, é porque não nos ama e não se importa conosco. O objetivo do tentador é nos fazer acreditar que nós estamos sozinhos, absolutamente sozinhos em nosso deserto, entregues ao nosso próprio sofrimento. Por isso, para não nos deixarmos enganar por ele, precisamos nos lembrar sempre de que o mesmo Espírito que amparou Jesus no momento das tentações está amparando a cada um de nós quando somos tentados, como diz a Escritura: “Deus é fiel; não permitirá que sejais tentados acima das vossas forças. Mas, com a tentação, ele vos dará os meios de sair dela e força para a suportar” (1Cor 10,13).
Toda experiência de deserto é uma experiência de purificação da nossa fé, de correção da imagem de Deus que temos dentro de nós. Na época de Noé, Deus era interpretado como Aquele que decidiu exterminar, por meio do dilúvio, a vida do ser humano e dos animais da face da terra, por causa da maldade do próprio ser humano: “A terra está cheia de violência por causa dos homens, e eu os farei desaparecer da terra” (Gn 6,13). Porém, quando a experiência do dilúvio terminou, Noé e sua família puderam ter uma imagem mais clara de Deus, como Aquele que fez aliança com a terra e com toda vida que há nela, uma aliança que será lembrada toda vez que surgir um arco-íris: “Estabeleço convosco a minha aliança: nenhuma criatura será mais exterminada pelas águas do dilúvio, e não haverá mais dilúvio para devastar a terra” (Gn 9,11).
Nossa época é muito parecida com a de Noé, uma época marcada fortemente pela violência que extermina a vida de inúmeras pessoas, uma violência que passou a habitar dentro de nós e é perceptível na intolerância, irritação, agressividade e impaciência com que tratamos as pessoas no dia a dia. Mas o apóstolo Pedro, retomando o acontecimento do dilúvio, nos lembrou hoje que nós fomo banhados nas águas do batismo, batismo que nos deu a consciência de filhos de Deus e de irmãos uns dos outros, de modo que Jesus afirmou: “Vós sois todos irmãos” (Mt 23,8). Embora o diabo seja homicida e procure alimentar em nós a violência, nós devemos rejeitar as suas propostas e nos deixar orientar pelo Espírito de Deus, ajudando as pessoas do nosso tempo a não se afogarem nas águas da agressividade e da violência que produzem morte em nossa sociedade.
Ao narrar, ainda que de maneira muito resumida, as tentações de Jesus, o evangelista Marcos quer nos lembrar que Jesus, assim como nós, nunca teve uma vida fácil e poupada de lutas ou dificuldades. Além de se deparar com as forças contrárias a Deus presentes no mundo, ele teve que lidar com as forças do mal dentro de si, exatamente como acontece conosco. Por isso, devemos manter nossos olhos fixos em Jesus, aprendendo com ele a desmascarar as mentiras do tentador, a nos deixar conduzir pelo Espírito de Deus e a manter a nossa fidelidade a Deus, buscando tornar o seu Reino presente entre nós. Jesus nos convida a crer na força que o Evangelho tem de transformar a consciência e o coração de quem nele crê e por ele se deixa converter, corrigir e orientar.         

Oração: “O Espírito levou Jesus para o deserto” (Mc 1,12). Espírito de Deus, quero me deixar conduzir por Ti e por Tua verdade. Mesmo sabendo que todo deserto é uma situação de sofrimento, quero confiar quando Tu permites que eu experimente o deserto, sabendo que aquilo é necessário para a minha conversão e para a minha santificação.
            “Jesus ficou no deserto durante quarenta dias” (Mc 1,13). Senhor, quero confiar que existe um tempo para tudo debaixo do céu. Existe um tempo para que a minha ferida seja curada, para que a minha pergunta seja respondida e para que eu possa fazer a passagem da morte para a vida. Sustenta-me na travessia do meu deserto, renovando a minha confiança nos Teus propósitos a meu respeito. 
“Deus é fiel; não permitirá que sejais tentados acima das vossas forças” (1Cor 10,13). Senhor, o tentador conhece as minhas fraquezas; ele sabe como me seduzir e me enganar, e eu muitas vezes caio nas suas armadilhas. Concede-me forças para resistir e lutar contra o mal. Dá-me um coração obediente a Ti. Sei que eu não posso passar por este mundo sem ter que lidar com diversas tentações. Concede-me a força da tua graça, para que eu não caia em nenhuma tentação, mas saia desse combate fortalecido(a). Amém!

Pe. Paulo Cezar Mazzi

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