sexta-feira, 26 de agosto de 2016

QUAL É O SEU TAMANHO?

Missa do 22º. dom. comum. Palavra de Deus: Eclesiástico 3,19-21.30-31; Hebreus 12,18-19.22-24a; Lucas 14,1.7-14.
            
       O nosso país acabou de encerrar as Olimpíadas. Em nossa memória talvez tenham ficado nomes e imagens de atletas que ganharam medalhas de ouro, de prata ou de bronze. Mas quem se lembraria dos outros atletas, daqueles que ficaram em quarto ou em quinto lugar? Quem se lembraria daqueles que ficaram em último lugar? Além disso, é importante perguntar-se: Como eu lido com a derrota, numa competição? Mais ainda: O quanto eu vivo a minha vida num permanente estado interior de competição, cobrando de mim mesmo a medalha de ouro em tudo o que eu faço, não admitindo o segundo ou o terceiro lugar e não permitindo jamais a hipótese de ocupar o último lugar?
            Não há dúvida de que é muito importante nós procurarmos dar o melhor de nós naquilo que fazemos. Mas como é perigosa essa engrenagem chamada ‘competição’, que move a nossa sociedade. Ela nos convence de que ou nós ocupamos o primeiro lugar, ou nós simplesmente não existimos aos olhos do mundo. E aí nós passamos a medir o nosso valor pela quantidade de curtidas nas redes sociais em relação a algo que publicamos, por exemplo. Já não nos basta estar vivos e com saúde. Nós precisamos impressionar, impactar. Não admitimos passar despercebidos num ambiente. Ficamos tristes, angustiados e deprimidos quando não nos aplaudem ou quando não nos elogiam, quando, então, temos que admitir que não somos o centro do mundo, mas apenas uma pessoa entre tantas outras.      
             “Jesus notou como os convidados escolhiam os primeiros lugares” (Lc 14,7). A busca pelos primeiros lugares faz sérios estragos na alma das pessoas, além de sérios estragos na família, no ambiente de trabalho, na sociedade e também nas igrejas. Ela nos torna egoístas, interesseiros e corruptos. Ela endivida pessoas desnecessariamente, tirando-lhes a paz. Ela nos distancia de Deus, pois “é aos humildes que ele revela os seus mistérios” (Eclo 3,20). Ela é o combustível do carreirismo na nossa Igreja. Ela adoece gravemente a nossa alma, como afirma a Escritura: “para o mal do orgulhoso não existe remédio” (Eclo 3,30).  
            Jesus nos conhece por dentro e sabe que todos nós estamos intoxicados pelo veneno do orgulho, da arrogância, da soberba. Ele nos propõe um caminho de desintoxicação desse veneno: “Quando você for convidado, vá sentar-se no último lugar” (Lc 14,10). Liberte-se da cobrança da sociedade sobre você e da fome insaciável do seu ego em querer o tempo todo ser reconhecido e aplaudido. O seu valor está naquilo que você é como pessoa, e não naquilo que você possui e procura ostentar para os outros. A sua cura está no diálogo e na reconciliação com a sua sombra, com aquilo que em você é fraco e imperfeito, mas que faz parte da sua personalidade e pede para ser integrado em você. Não se torture querendo ocupar o primeiro lugar o tempo todo. Escolha livremente o último lugar. Ali você encontrará a paz que o seu coração procura. Quanto mais você se aproximar da humildade, mais estará próximo da sua verdade, e somente ela pode te realizar como pessoa. Desça do salto alto do orgulho, da soberba, da arrogância. Permita-se ficar descalço. Sinta a terra (húmus) sob os seus pés. Entre em contato com a sua verdadeira origem. Encontre a sua verdadeira medida. Enxergue o seu verdadeiro tamanho, pois, como alguém disse, “ser humilde é ser do tamanho que se é”.
            Neste último final de semana de agosto, mês vocacional, celebramos o dia do catequista. Eis uma reflexão oportuna:

Às quartas-feiras, milagre

            Jacinto perguntou a Gabriela: “Que fez de bom, hoje?” “Fiz um milagre”, respondeu ela. “Foi na catequese”. “E como foi que fez o milagre?”, perguntou o menino. “Temos uma catequista que está muito doente. Não pode fazer nada sozinha, somente falar e sorrir. Ela falava dos milagres de Jesus. E nós, catequizandos, lhe dissemos: ‘Não é verdade que existam milagres. Porque se existissem, Deus já teria te curado’. Mas ela respondeu: ‘Meu milagre são vocês! Porque me levam a passear, nas quartas-feiras, empurrando minha cadeira de rodas’. Compreendeu?”, perguntou Gabriela a Jacinto. “Fazemos milagres todas as quartas à tarde”. “Não parece que a vida é também um milagre?”, perguntou o menino. E Gabriela respondeu: “Não. A vida é para fazer milagres!”.
            Gabriela tem razão, a vida é para fazer milagre, às quartas, às quintas e aos domingos. A vida não é para sentar-se esperando que Deus faça milagres espetaculares, não é para limitar-se a confiar que Ele resolva nossos problemas, mas para começar a fazer este pequeno milagre que Ele colocou já em nossas mãos, o milagre de amar-nos e ajudar-nos. Que é mais milagroso, devolver a vista a um cego ou a felicidade a um amargurado? Multiplicar os pães ou saber reparti-los bem? Mudar água em vinho ou o egoísmo em fraternidade? Se nos dedicássemos a construir pequenos milagres na metade do tempo que gastamos em sonhá-los espetacularmente, o mundo já estaria caminhando melhor.
            E o milagre de amar podem fazê-lo todos, crianças e grandes, pobres e ricos, sãos e enfermos. Prestem bem atenção: a um homem podem privá-lo de tudo, menos de uma coisa: de sua capacidade de amar. Um homem pode sofrer um acidente e não poder nunca mais andar. Porém, não existem acidentes que nos impeçam de amar... Não existem correntes que aprisionem o coração, a não ser as do próprio egoísmo...

Texto resumido de José Luís Descalzo

Nossa gratidão, admiração, respeito e oração por todos os catequistas!

                                                                                                                                                                                Pe. Paulo Cezar Mazzi

sexta-feira, 19 de agosto de 2016

DEUS RECOLHE CADA UMA DAS NOSSAS LÁGRIMAS

Missa da Assunção de Nossa Senhora. Palavra de Deus: Apocalipse 11,19a; 12,1.3-6a.10ab; 1Coríntios 15,20-27a; Lucas 1,39-56.  
           
            Na música “A lista”, Oswaldo Montenegro sugere que você faça uma lista dos amigos, dos sonhos, de tantas coisas que ontem compunham o quadro da sua vida e que hoje não estão mais presentes, se perderam, se modificaram, deixaram de existir, deixaram de ter sentido. Quantas coisas vão ficando para trás em nossa existência? Quantas peças do imenso quebra-cabeça que é a nossa vida vão se perdendo ao longo do caminho? Elas poderão um dia ser recuperadas? Nossa vida voltará um dia a ser recomposta? A Assunção de Maria, a sua elevação em corpo e alma ao céu, nos diz que sim. Tudo aquilo que vivemos na terra será recolhido por Deus no céu. 
            Talvez não exista palavra mais apropriada para falar da Assunção de Maria, e da nossa própria, que a palavra RECOLHER. Melhor ainda: SER RECOLHIDO. Por mais que tenhamos a sensação de que muitas das nossas palavras, das nossas atitudes, dos nossos esforços, das nossas lutas, das sementes que lançamos ao longo do nosso caminho simplesmente tenham se espalhado e ficado perdido(a)s num passado que não mais voltará, a Palavra de Deus afirma que tudo isso será recolhido por Deus no momento da nossa morte. Aliás, o próprio Salmo 55,9 afirma que Deus conhece todos os nossos passos errantes e recolhe em Seu odre cada uma das nossas lágrimas!
            Uma imagem disso está no livro do Apocalipse. Uma Mulher está grávida, pronta para dar à luz, e um Dragão se coloca diante dela, pronto para devorar o Filho, tão logo nasça. Assim que o Filho nasce, Deus intervém, recolhe o Filho junto de Si e leva a Mulher a um lugar seguro, onde se sinta salva do Dragão. Esta cena não se refere apenas a Maria, que gera Jesus, o qual é resgatado da morte pelo Pai no momento da ressurreição e levado para junto de Si no momento da Ascensão. Esta cena se refere a cada um de nós e às nossas famílias: aquilo que geramos com tanto custo, em meio a tantas lágrimas, e que está ameaçado pelo dragão da violência, da injustiça, do sofrimento, do absurdo e da morte, será recolhido por Deus. E tudo aquilo que Deus RECOLHE é também por Ele TRANSFORMADO.
            Assim como o Pai recolheu o corpo de seu Filho morto na cruz e o transformou num corpo glorificado na ressurreição, assim como Ele recolheu Maria em corpo e alma ao céu, segundo o dogma da Assunção que celebramos hoje, assim Deus recolherá todas as nossas lutas, todos os nossos sonhos, todas as nossas lágrimas, e os transformará numa vida nova, como diz a Escritura: “Cristo ressuscitou dos mortos como primícias (primeiros frutos de uma colheita) dos que morreram... Em Cristo todos reviverão” (1Cor 15,20.22).
            Neste final de semana em que se encerram as Olimpíadas, recordemos que a vida é, sem dúvida, um desafio, uma luta; não somente uma luta pela sobrevivência, mas uma luta para alcançar aquilo que esperamos, para realizar os nossos sonhos, para ajudar o mundo a ser melhor, para ajudar as pessoas a viverem com sentido; enfim, uma luta para manter viva a nossa fé. O sentido da nossa luta está nessas palavras do apóstolo Paulo: “Se nós trabalhamos e lutamos, é porque pomos a nossa esperança no Deus vivo, Salvador de todos os homens, sobretudo dos que têm fé” (1Tm 4,10). E ainda: “Os atletas se abstém de tudo; eles, para ganharem uma coroa perecível; nós, porém, para ganharmos uma coroa imperecível” (1Cor 9,25).
            Ao encerrarmos a Semana da Família, o Evangelho nos coloca diante de duas mulheres que humanamente não poderiam estar grávidas, mas que estão por obra de Deus na vida de suas famílias, porque acreditaram nas Suas promessas. A visita de Maria à sua prima Isabel convida nossas famílias a se visitarem mutuamente, a compartilharem tanto os momentos de alegria quanto os momentos de tristeza. Que à semelhança de Maria, cada um de nós, no seio de sua família, possa proclamar a força do braço do nosso Deus, que RECOLHE a luta, a dor, o empenho, as lágrimas da nossa família por uma sociedade melhor, por um mundo redimido, e TRANSFORMA tudo isso segundo o Seu desígnio de vida e de salvação para a família humana.

Pe. Paulo Cezar Mazzi

quinta-feira, 11 de agosto de 2016

O FOGO E A DIVISÃO SÃO NECESSÁRIOS EM NOSSA VIDA

Missa do 20º. Dom. comum. Palavra de Deus: Jeremias 38,4-6.8-10; Hebreus 12,1-4; Lucas 12,49-53.

“Eu vim lançar fogo sobre a terra” (Lc 12,49). De que “fogo” Jesus está nos falando? O fogo é uma das imagens bíblicas do Espírito Santo. Assim como o fogo purifica o ouro, a prata, o metal, assim o Espírito Santo nos purifica a partir de dentro, do coração, onde se escondem as nossas maiores “sujeiras” (cf. Mc 7,20-23). E assim como o fogo dobra o que é duro – basta lembrar o duro metal que se torna flexível quando em contato com o fogo – assim o Espírito Santo é capaz de dobrar a dureza do nosso coração, do nosso ego, endurecido na sua obstinação.  
Hoje, encerrando a semana da família e celebrando o dia dos pais, pedimos a Jesus que faça descer o fogo do Espírito Santo sobre cada casa, cada família e sobre o coração de cada pai, purificando as famílias da sujeira dos desentendimentos, das agressões físicas e verbais, dobrando a dureza dos corações endurecidos pela raiva e pelo ressentimento, libertando o coração do pai da agressividade que machuca a si mesmo e aos outros, rompendo com as correntes que o mantém prisioneiro da depressão, da bebida, da droga, do adultério, da desonestidade (corrupção) e da falta de fé.
“Vós pensais que eu vim trazer a paz sobre a terra? Pelo contrário, eu vos digo, vim trazer a divisão” (Lc 12,51). De que “divisão” Jesus está nos falando? O Espírito Santo é chamado pelo próprio Jesus de “Espírito da Verdade” (Jo 16,13). A verdade incomoda e tira a paz, porque questiona e desmascara a injustiça quem cometemos. A verdade chuta para longe as nossas muletas e nos obriga a andar com as nossas próprias pernas. O Espírito da Verdade não se interessa pelas nossas reclamações, não se deixa enganar pelas nossas desculpas e não aceita ser submetido a nenhum tipo de chantagem da nossa parte. Não é por acaso que Ele não é aceito por nós, quando nos mantemos no nível do nosso ego, como afirma o apóstolo Paulo: “O homem psíquico não aceita o que vem do Espírito de Deus” (1Cor 2,14).
Mas, em que sentido a família hoje, e especialmente o pai, precisam dessa “divisão” que Jesus veio trazer com a verdade do Evangelho? A palavra de Jesus precisa penetrar em nós “até dividir alma e espírito” (Hb 4,12), nos tornando conscientes daquilo que preferimos ignorar em nós: as verdadeiras intenções do nosso coração. O Espírito da Verdade precisa penetrar em nossa casa, “dividir” a nossa família e revelar a mentira das falsas compensações que costumamos dar para a nossa vida afetiva/sexual/financeira/social. Só a verdade do Espírito Santo pode fazer o marido e a mulher se confrontarem com sinceridade e se responsabilizarem mutuamente pela qualidade de vida que se vive dentro de casa. Os pais precisam da força do Espírito Santo para educarem seus filhos na verdade e ajudá-los a se convencerem de que nós “nada podemos contra a verdade, mas só temos poder em favor da verdade” (2Cor 12,8).
Olhando mais uma vez para a figura do pai, hoje pedimos a Jesus que conduza os pais a essa transformação tão necessária: que “o homem psíquico” que habita em cada um deles diminua, para que cresça “o homem espiritual” (1Cor 2,15); que eles desejem ser habitados pelo Espírito Santo e se deixem curar e salvar pela “verdade que liberta” (Jo 8,32); que o pai tenha a coragem de ser uma presença que “divide”, que “separa”. Em que sentido? Segundo uma reportagem de Folha de São Paulo* (27/06/2016), 2 em cada 3 menores infratores não têm pai dentro de casa. O pai pode, com a sua efetiva presença paterna, “separar” o filho do mundo do crime. Além disso, a presença afetiva e firme do pai tem a função de “dividir” o filho homem em relação à mãe e “separá-lo” dela, a fim de que ele desenvolva de maneira saudável a sua identidade masculina.  
Três palavras finais para as famílias, especialmente para o pai; a primeira, da Sagrada Escritura; as duas últimas, do Papa Francisco: 1) “Empenhemo-nos com perseverança no combate que nos é proposto, com os olhos fixos em Jesus... Em vista da alegria que lhe foi proposta, suportou a cruz, não se importando com a infâmia...” (Hb 12,1.2). 2) “Deus coloca o pai na família, para que, com as características preciosas da sua masculinidade, esteja próximo da esposa, para compartilhar tudo, alegrias e dores, dificuldades e esperanças. E esteja próximo dos filhos no seu crescimento: quando brincam e quando se aplicam, quando estão descontraídos e quando se sentem angustiados, quando se exprimem e quando permanecem calados, quando ousam e quando têm medo, quando dão um passo errado e quando voltam a encontrar o caminho; pai presente, sempre” (A Alegria do amor, 177). 3) “Querer formar uma família é ter a coragem de fazer parte do sonho de Deus, a coragem de sonhar com Ele, a coragem de construir com Ele, a coragem de unir-se a Ele nesta história de construir um mundo onde ninguém se sinta só” (A Alegria do amor, 322).
* Levantamento feito com 1.500 jovens entre 12 e 18 anos de idade. Eles cometeram delitos em São Paulo. 42% deles, além de não terem o pai dentro de casa, não têm contato com o mesmo. Segundo o Promotor Eduardo Del Campo, uma família funcional e presente é o primeiro sistema de freios que um jovem terá sobre suas condutas. O outro sistema de freio é a escola. Aqui o problema é a evasão escolar: apenas 57% dos adolescentes infratores estudam. Ainda segundo a reportagem, especialistas dizem que a derrocada de um adolescente – a ponto de levá-lo para o crime – começa quando ele perde os vínculos positivos e passa a sofrer privação emocional. Na ausência do pai ou da mãe, é preciso que exista uma espécie de “padrinho”, para oferecer este vínculo positivo ao adolescente.

Pe. Paulo Cezar Mazzi

quinta-feira, 4 de agosto de 2016

HOMENS E MULHERES DE ESPERANÇA

Missa do 19º. dom. comum. Palavra de Deus: Sabedoria 18,6-9; Hebreus 11,1-2.8-19; Lucas 12,32-48.
     
A palavra “esperança” percorreu todos os textos bíblicos que acabamos de ouvir. Os hebreus, escravos no Egito, esperaram pela “noite da libertação” (Sb 18,6), e essa esperança os ajudou a se manterem não somente vivos, mas também firmes em sua fé (cf. Sb 18,6). Ao mesmo tempo, a esperança que alimentava aquelas pessoas se traduzia numa atitude de vida: elas eram solidárias umas para com as outras, solidárias nos mesmos bens e nos mesmos perigos (cf. Sb 18,9).
O salmista, por sua vez, nos lembrou de que os olhos do Senhor se dirigem para “os que o respeitam, e que confiam esperando em seu amor” (Sl 33,18). Por isso, o salmista declara: “No Senhor nós esperamos confiantes, porque ele é nosso auxílio e proteção!” (Sl 33,22a) e suplica: “Sobre nós venha, Senhor, a vossa graça, da mesma forma que em vós nós esperamos” (Sl 33,22b).
Já a carta aos Hebreus nos lembrou de que a fé é sempre portadora de esperança e a esperança, por sua vez, é consequência da fé: “A fé é um modo de já possuir aquilo que se espera” (Hb 11,1). Se eu tenho fé e esperança em Deus, como Abraão teve, sou capaz de me dispor a caminhar com Ele sem exigir que me diga exatamente para onde Ele quer me conduzir e o que pretende fazer da minha vida. Se eu tenho fé e esperança em Deus posso suportar viver como estrangeiro neste mundo, ‘morando em tendas’, isto é, não me fixando onde não tenho que me fixar e não pretendendo me assegurar com posses materiais indevidas, uma vez que estou esperando pela minha morada definitiva, preparada pelo próprio Deus. Por fim, se eu tenho fé e esperança em Deus sou capaz de lhe ‘sacrificar o meu Isaac’, isto é, sou capaz de continuar a crer e a esperar em Deus, amá-lo e servi-lo, mesmo que Ele me tire aquilo que de mais precioso já me concedeu.
Por fim, Jesus nos convidou a viver a nossa vida dessa maneira: “Sejam como pessoas que estão esperando seu senhor voltar” (Lc 12,36). Concretamente, o que isso significa? Significa que a vida nos foi dada para ser administrada e não simplesmente aproveitada, usufruída, e o mesmo Senhor, que nos deu a vida e nos capacitou para sermos administradores fiéis e prudentes, nos pedirá contas se realmente cuidamos daqueles que foram confiados aos nossos cuidados ou se passamos a vida nos servindo deles para os nossos próprios interesses.  
Ora, se a palavra “esperança” aparece como eixo da liturgia desse final de semana, precisamos nos perguntar: Eu ainda alimento esperança dentro de mim? De que maneira? Onde se assenta a minha esperança: nos meus recursos intelectuais / emocionais / materiais ou na graça de Deus para comigo? Eu espero em Deus e pelo seu socorro, pela sua providência, pela sua justiça? A minha esperança no Pai que deseja me dar o Reino me faz livre em relação aos bens materiais (cf. Lc 12,33-32)? Essa esperança também me faz solidário para com as pessoas?
Neste primeiro final de semana do mês vocacional celebramos a vocação do padre. O número de padres é muito pequeno, diante da necessidade de evangelização. Mas o padre ainda é uma presença necessária no mundo atual? Sim. O padre é uma presença necessária para ajudar a humanidade a ter esperança, a não deixar de lutar e de esperar pela sua libertação, a aprender a usar a força da esperança para se manter em pé diante das dificuldades. O padre é uma presença necessária para lembrar às pessoas de hoje que somos todos cidadãos do céu e não podemos fixar nossa morada neste mundo, e se temos bens materiais, eles devem sejam usados para socorrer os pobres. Enfim, o padre é uma presença necessária para ajudar a humanidade a esperar pelo seu Senhor e Salvador Jesus Cristo.
Ao celebrar a vocação sacerdotal neste final de semana, nós, padres / bispos / pastores, ou seja, ministros de Deus, podemos fazer uma autocrítica a partir das leituras bíblicas que ouvimos. Como ministro de Deus, eu sou um homem de esperança? Eu comungo dos perigos/sofrimentos do meu povo, ou somente dos seus bens, das suas conquistas e das suas alegrias? Uma recente pesquisa revelou que a maior causa de desistência do ministério sacerdotal por parte de alguns padres é a falta de fé. Eu sou um homem de fé? Cuido da minha fé tanto quanto cuido da minha saúde e do meu bem estar? Sustentado pela fé, Abraão aceitou residir “como estrangeiro na terra prometida, morando em tendas” (Hb 11,9). Minha casa é uma ‘tenda’, uma morada simples e provisória, ou, por me achar rei, fiz ou pretendo fazer dela meu palácio particular? “Onde está o vosso tesouro, aí estará também o vosso coração” (Lc 12,34). Aquilo que dá sentido à minha vida e me realiza verdadeiramente como pessoa é servir a Deus atendendo pessoas, visitando doentes, ministrando sacramentos ou desfrutando dos benefícios que a ‘vida de padre’ me oferece? Jesus deixou claro que o administrador fiel e prudente é aquele que dá “comida a todos na hora certa” (Lc 12,42). Eu estou servindo o povo que me foi confiado ou estou servindo-me dele para sustentar um estilo de vida do tipo “bon vivant” (expressão francesa que significa “boa vida” ou que qualifica determinado indivíduo como “amante dos prazeres da vida”)? “A quem muito foi dado, muito será pedido; a quem muito foi confiado, muito mais será exigido!” (Lc 12,48). Aquilo que se exige de mim, como de qualquer ministro de Deus, é a decência, decência não só quanto ao comportamento moral, mas também na maneira como eu administro o dízimo e as ofertas da ‘minha’ igreja... Rezemos uns pelos outros. Nós, ministros de Deus, estamos precisando mais do que nunca de conversão.

Pe. Paulo Cezar Mazzi