quinta-feira, 2 de outubro de 2014

VOCÊ CUIDA OU APENAS USUFRUI?

Missa do 27º. dom. comum. Isaías 5,1-7; Filipenses 4,6-9; Mateus 21,33-43

A imagem da vinha – de uma plantação de uvas – utilizada tanto por Isaías (1ª. leitura) quanto por Jesus (Evangelho) fala não só do povo de Deus (Israel, no Antigo Testamento; Igreja, no Novo Testamento), mas também de cada um de nós. Antes de Deus nos “plantar” neste mundo, houve um cuidado d’Ele quanto ao lugar onde seríamos plantados, e Deus plantou cada um de nós como “videiras escolhidas” (cf. Is 5,2). Aquele que cuidou de tudo para que cada um de nós existisse também confiou a nossa vida e a vida à nossa volta aos nossos cuidados. Ele esperava que nós, videiras escolhidas, produzíssemos uvas boas, mas nós produzimos uvas selvagens, e isto aconteceu porque substituímos a atitude do CUIDAR pela atitude do USUFRUIR.
O humano cuida, o selvagem usufrui. Nossas atitudes são comparadas a “uvas selvagens” porque passamos a entender a vida como algo a usufruir: usufruímos do planeta e dos recursos naturais; usufruímos das pessoas e dos relacionamentos; usufruímos do nosso corpo, da nossa liberdade e da nossa sexualidade. Até mesmo o nosso relacionamento com Deus passou a ser vivido sob a ótica do usufruir: para grande parte das pessoas, a procura por Deus hoje tem como motivação principal não o deixar-se cuidar por Ele, mas o usufruir d’Ele, das suas bênçãos, das suas graças.
Muitos de nós não apenas deixamos de cuidar daquilo que Deus nos confiou, como também passamos a rejeitar o cuidado de Deus para conosco, desmanchando a cerca e derrubando o muro que Ele havia construído para nos proteger. Em nome da sua autonomia, da sua inteligência e da sua liberdade, o ser humano decidiu rejeitar a Palavra de Deus, por ver nela apenas uma cerca, um muro que limita a sua vida e se opõe à sua liberdade e à sua busca por felicidade. Assim, o resultado é o que estamos vendo: vidas devastadas pela droga; relacionamentos pisoteados pela infidelidade; famílias devastadas pela violência, pelo desentendimento e pela indiferença de uns para com os outros; a política pisoteada pela corrupção; pessoas cujo sentido da vida foi devastado pela incapacidade de lidarem com a dor e com a frustração; um planeta pisoteado por quem deveria cuidar dele e dos seus recursos naturais...
Em geral, nós costumamos assumir o papel de vítimas, lamentando porque a nossa vida se infestou de espinhos e sarças. Falta-nos coragem e sinceridade para admitir que se isso aconteceu é porque não permitimos mais que Deus nos podasse e nos lavrasse, por meio da sua palavra (cf. Jo 15,2-3). Este é problema: vivemos numa cultura onde a palavra de ordem é: “dê livre curso aos seus desejos, aos seus sonhos, às suas fantasias; usufrua de tudo o que puder, porque a vida passa rapidamente”. Assim, nós nos tornamos “incultos e selvagens” (cf. Is 5,6), ou seja, estéreis e desumanos, porque rejeitamos ser cuidados por Deus, além de descuidarmos daquilo que Ele nos confiou. Por isso, os frutos que colhemos decepcionam: ao invés da justiça, produzimos injustiça; ao invés da bondade, produzimos iniquidade.     
Se Isaías nos descreve como “videiras escolhidas”, o fato de produzirmos uvas selvagens e não uvas boas é, antes de tudo, uma traição a nós mesmos, à nossa própria essência, antes de ser uma traição a Deus. Quando Jesus relê a parábola da vinha descrita por Isaías, revela uma outra face dessa traição: o ser humano quer apossar-se daquilo que lhe foi confiado para cuidar. O desejo de apossar-se cega a pessoa a tal ponto que os fins passam a justificar os meios. Assim, a selvageria torna-se a lei da sobrevivência, justificando a violência, a corrupção, a competição desleal, a mentira, o ver o outro como ameaça e não como irmão.
Eis a conclusão do Evangelho: “o reino de Deus vos será tirado e será entregue a um povo que produzirá frutos” (Mt 21,43). Em outras palavras, tudo aquilo que não cuidamos, perdemos, e sempre que nos distanciamos do cuidado de Deus para conosco, nos tornamos estéreis e desumanos. Estendamos as raízes da videira que somos na direção d’Aquele que nos plantou neste mundo como “videiras escolhidas”. Resgatemos a fidelidade à nossa própria essência. Façamos uma revisão na forma como lidamos com aquilo que está à nossa volta: se o que nos move é o usufruir ou o cuidar. Permitamos com que a mão do Senhor toque naquilo que tem que ser podado em nós, para recobrarmos a nossa fecundidade e produzirmos frutos dignos do Reino. 

                                                                                                                                                                   Pe. Paulo Cezar Mazzi 

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