Missa
do 23º. dom. comum. Palavra de Deus: Êxodo 33,7-9; Romanos 13,8-10; Mateus
18,15-20.
Existe hoje uma tendência ao
isolamento, a querermos viver sozinhos. O motivo é que os relacionamentos estão
cada vez mais complicados e viver com o outro torna-se sofrido, difícil. A
melhor opção, portanto, é viver sozinho. E essa tendência ao isolamento, ao
individualismo, essa tentação a nos sentirmos melhor sozinhos do que com os
outros também cresce no meio de nós, cristãos, chamados a viver a nossa fé no
seio de uma comunidade.
Habituados com o individualismo, nós
temos cada vez mais entendido a fé como algo estritamente pessoal, particular,
a ponto de vermos a religião como uma questão entre nós e Deus, e não como uma questão entre nós, os irmãos e Deus. Embora Deus nunca
venha a nós diretamente, mas sempre usando mediações, como a natureza, os
acontecimentos e as pessoas, nós temos a pretensão de ir a Ele diretamente, sem
nenhuma mediação, principalmente a mediação do irmão, muito menos do irmão com
quem temos dificuldade em conviver.
Antes de mais nada, convém
perguntar: quem é o irmão? O irmão é
toda pessoa com quem você não escolheu
conviver, quando entrou numa comunidade, ou mesmo num ambiente de trabalho,
mas que já estava ali ou que entrou ali depois de você. Essa pessoa, com quem
você não escolheu conviver, ocupa o mesmo espaço que você, e embora ela seja
diferente de você, também pode estar buscando o céu, assim como você. O que
Jesus sublinha neste Evangelho é que, embora não escolhendo essa pessoa, você é
chamado por Deus a conviver com ela e
a vê-la não simplesmente como um alguém,
mas como um irmão.
Como a convivência é marcada por
dificuldades, e como a comunidade que busca caminhar para o céu ainda não é ainda o céu, nós temos que
lidar com o pecado do irmão, assim como ele tem que lidar com o nosso. Diante
do erro do irmão, erro que nos atingiu diretamente ou atingiu a comunidade,
Jesus nos desafia a corrigi-lo fraternalmente, como um irmão corrige outro
irmão e não como um juiz julga e condena um culpado. A primeira tentativa é
falar com ele a sós, evitando humilhá-lo diante de outras pessoas. Se isso não
funcionar, devemos voltar a falar com ele, levando conosco algumas pessoas
sensatas, que possam ajudar a “recuperar” o irmão. Se isso também não
funcionar, devemos levar o problema à autoridade da comunidade, sempre na esperança
de que o irmão possa reconhecer o seu erro. Se isso também não funcionar, a
comunidade deve “separar” o irmão, a fim de que o remédio amargo desta
separação sirva para fazê-lo repensar as suas atitudes e retornar para a
comunidade com sua consciência e seu coração modificados.
No v.18 Jesus explica o porquê dessa
insistência em usar todos os recursos possíveis para corrigir o irmão: “tudo o
que vocês ligarem na terra será ligado no céu e tudo o que vocês desligarem na
terra será desligado no céu”. Religião
significa religar. Nossas atitudes,
dentro de uma comunidade, devem ser sempre em vista de religar as pessoas com
Deus. Mais ainda, a vida comunitária é o lugar onde aprendo que eu não chego a
Deus evitando o desafio de conviver com o irmão, com aquele que eu não escolhi,
mas que Deus colocou no meu caminho como instrumento Seu para me ajudar a não
ser deformado pelo individualismo. Portanto, quando eu decido me desligar do irmão, eu estou me desligando de Deus
também.
Se alguém ainda tem dúvida se é
melhor viver a religião sozinho ou com os outros, Jesus afirma que quando a
nossa oração é feita em comum, com outras pessoas, ela tem mais poder de chegar
a Deus e ser por Ele atendida. Por quê? Porque o nosso maior intercessor junto
do Pai é o próprio Jesus e Ele disse que “onde dois ou três estiverem reunidos
em meu nome, eu estou ali, no meio deles” (Mt 18,20). Aqui fica claro que
quando escolhemos nos ligar a Deus sozinhos, sem a mediação de uma comunidade,
Jesus não está conosco. Portanto, o deus a quem nos ligamos é um ídolo, uma
religião fabricada por nós mesmos, uma espiritualidade que não nos confronta
com o irmão, com a mediação escolhida pelo verdadeiro Deus para se revelar a
nós e para nos confrontar com a sua Palavra.
Retornemos
ao v.20: “onde dois ou três estiverem reunidos em meu nome, eu estou ali, no
meio deles” (Mt 18,20). Não são poucas as pessoas que, deixando de frequentar
uma comunidade, escolhem viver a sua fé reunindo pessoas ocasionalmente em suas
casas, formando “pequenas igrejas” ou “pequenos núcleos religiosos”, de
preferência com vida independente das religiões tradicionais, institucionais.
Jesus disse que estaria presente onde dois ou mais se reunissem “em meu nome”. Para esses pequenos
grupos, e para todos nós, cristãos em geral, vale a pergunta: nós estamos nos
reunindo com outras pessoas em nome de
Jesus e do seu evangelho, evangelho que sempre nos confronta com o próximo,
ou em nome da nossa dificuldade de
aceitarmos correções vinda da comunidade institucional (igreja), em nome da nossa preferência por nos
agrupar a pessoas que pensam como nós e que gostam das mesmas coisas que
nós?
Em síntese, o recado do Evangelho é este: Jesus se faz sentir presente
no seio de uma comunidade onde um se preocupa com a salvação do outro, ao passo
que Sua presença não é sentida numa comunidade onde um não se importa com o
outro (cf. Mt 18,18.20).
Pe. Paulo Cezar Mazzi
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