Missa
do 18º. dom. comum. Palavra de Deus: Isaías 55,1-3; Romanos 8,35.37-39; Mateus
14,13-21.
Todo ser humano sente fome, porque
todo ser humano depende de “algo” que está fora dele para viver. A fome nos diz
que ninguém de nós é autossuficiente e que nós precisamos uns dos outros para
viver. O alimento que sacia a nossa fome só chega à nossa mesa porque inúmeras
pessoas que nunca iremos conhecer trabalharam para que a nossa fome fosse
saciada.
Mas a fome que o ser humano carrega
dentro de si não é só de pão. A própria Escritura diz: “O homem não vive
somente de pão” (Dt 8,3; Mt 4,4). Alguns têm fome de justiça, outros têm fome
de paz; alguns têm fome de saúde, de alegria, de esperança; outros têm fome de
um lugar no mercado de trabalho; alguns têm fome de perdão; outros têm fome de
se sentirem amados. Da mesma forma, assim como existem crianças e adultos
subnutridos, existem também crianças e adultos bem alimentados, mas “subnutridos”
no que diz respeito à educação, à maneira de tratar os outros, à falta de sensibilidade
para com a dor dos outros...
“Jesus viu uma
grande multidão. Encheu-se de compaixão por eles e curou os que estavam
doentes” (Mt 14,14). Mesmo entristecido pela morte de João Batista, mesmo
necessitando ficar sozinho para digerir a sua dor, a sua tristeza, Jesus
deixou-se afetar pela dor daquela grande multidão. Essa atitude de Jesus nos
diz que, apesar do nosso cansaço, da nossa tristeza ou da nossa dor, sempre
haverá espaço em nosso coração para a compaixão. Compaixão significa deixar-se
afetar pelo sofrimento do outro; sofrer com ele; acolher o outro dentro de si. Dois
exemplos concretos: Nos últimos dias, temos visto nos noticiários inúmeras
pessoas que se mobilizam para socorrer os feridos de guerra na faixa de Gaza,
assim como tantas outras pessoas se encontram na África, neste momento, lutando
para socorrer os atingidos pela epidemia do vírus Ebola. São exemplos que nos
ajudam a entender que a compaixão não é apenas um sentimento, mas uma reação,
uma atitude nossa diante do sofrimento de alguém.
No entanto, nós
temos a tendência a agir como os discípulos, que disseram a Jesus: “Despede as
multidões...” (Mt 14,16), ao que Jesus respondeu: “Eles não
precisam ir embora. Dai-lhes vós mesmos de comer” (Mt 14,16). Se Jesus nos
manda dar de comer a quem tem fome, é para nos lembrar de que o problema da
fome não é a falta de alimento, mas o desperdício de alimento. “O Brasil é o quarto produtor mundial de alimentos (Akatu, 2003), produzindo 25,7% a mais
do que necessita para alimentar a sua população (FAO). De toda esta riqueza,
grande parte é desperdiçada. Segundo dados da Embrapa, 2006, 26,3 milhões de toneladas de
alimentos ao ano tem o lixo como destino. Diariamente,
desperdiçamos o equivalente a 39 mil toneladas por dia...
De acordo com o caderno temático “A nutrição e o consumo consciente” do
Instituto Akatu (2003), aproximadamente 64% do que se planta no Brasil é
perdido ao longo da cadeia produtiva: 20% na colheita; 8% no transporte e
armazenamento; 15% na indústria de processamento; 1% no varejo; 20% no
processamento culinário e hábitos alimentares” (http://www.bancodealimentos.org.br/o-desperdicio-de-alimentos-no-brasil/).
Isso nos faz lembrar as palavras do Papa Francisco, “A comida que se joga fora é como se fosse roubada aos pobres”.
O desperdício de comida no Brasil
mostra que não é verdade que “só temos aqui cinco pães e dois peixes” (Mt
14,17). Assim como é verdade que no Brasil não faltam recursos – o que falta é
vontade política, assim também é verdade que não nos faltam recursos para agir
com compaixão para com quem sofre – o que nos falta é vontade; o que nos falta
é olhar a vida para além do nosso umbigo ou da tela do nosso celular; o que nos
falta é tirar os fones de ouvido, ainda que seja por um momento, para ouvir o
pedido de socorro de pessoas à nossa volta; o que nos falta é nos permitir
sentir um saudável sentimento de culpa pela fome que também existe perto de
nós.
Aquilo que aos olhos dos discípulos
era insuficiente para saciar a fome de toda aquela multidão Jesus tomou nas
mãos, “ergueu os olhos para o céu e pronunciou a
bênção” (Mt 14,19), gesto que lembra as palavras do Salmo 145,15-16: “Todos
os olhos, ó Senhor, em vós esperam e vós lhes dais no tempo certo o alimento;
vós abris a vossa mão prodigamente e saciais todo ser vivo com fartura”. Os
cinco pães e os dois peixes nos dizem que Deus nos dá diariamente os recursos
de que precisamos para nos ajudar mutuamente, para resolvermos os nossos
problemas, inclusive dentro de casa, no relacionamento com as pessoas. Na
verdade, não falta pão, falta doação; falta a vontade de tomar a decisão de
“partir” e de “distribuir” aos outros aquilo que temos a tendência de guardar
somente para nós.
Através do profeta Isaías, Deus
faz um convite “estranho” à humanidade: ‘Quem está com sede, quem está com
fome, venha, coma e beba sem dinheiro, sem ter que pagar’ (cf. Is 55,1). As
expressões “sem dinheiro” e “sem ter que pagar” significam que a salvação que
Deus oferece é um dom gratuito de d’Ele a todo ser humano. Deus é generoso em
nos doar a salvação por meio de seu Filho Jesus, uma generosidade tão grande
que o apóstolo Paulo afirma que em todas as dificuldades que passamos podemos
nos considerar vencedores “graças àquele que nos
amou!” (Rm 8,37), tendo a certeza de que nada “será capaz de nos separar do
amor de Deus por nós, manifestado em Cristo Jesus, nosso Senhor” (Rm 8,39).
Neste primeiro domingo do mês
vocacional, rezamos pelo ministério ordenado – diáconos, padres e bispos. Jesus
nos ensinou a pedir ao Pai que não deixe faltar servidores para o anúncio do
Evangelho (cf. Mt 9,37-38). Lembrando o exemplo de Abraão (cf. Gn 12,1ss), de
Ana (cf. 1Sm 1,28), da viúva de Sarepta (1Rs 17,12), de Pedro, André, Tiago e João (cf.
Lc 5,11), Dom Pedro Brito afirma que “estes e tantos outros amigos e amigas de
Deus, não foram mesquinhos na hora de partilhar e doar... Deram de sua pobreza
e experimentaram o quanto Deus agracia um coração generoso. Deus não deixa
faltar nada para aquele ou aquela que está disposto a repartir”. Portanto,
conclui Dom Pedro, “o que está faltando não é somente vocação e sim doação”.
Pe. Paulo Cezar Mazzi
Este comentário foi removido por um administrador do blog.
ResponderExcluir