Missa do 23º. dom. comum. Palavra
de Deus: Isaías 35,4-7; Tiago 2,1-5; Marcos 7,31-37.
Quantos
surdos existem à nossa volta? Existem os que são fisicamente surdos, mas
existem os que são propositalmente surdos. Existem pais que se tornaram surdos
porque não querem ou não conseguem lidar com o pedido de socorro dos filhos,
assim como existem filhos que se tornaram surdos porque não querem ouvir seus
pais. Existem casais que, por causa de mágoas e ressentimentos, se tornaram
surdos um para o outro. Nós, com muita frequência, nos tornamos surdos aos
apelos de Deus em nossa consciência, surdos à sua Palavra! Também podemos, de
propósito, nos tornar surdos para não ouvir os gritos de socorro dos pobres,
dos moradores de rua, dos viciados em crack etc. Podemos ser surdos às
orientações da Igreja quanto aos critérios de escolha de candidatos para as
próximas eleições. Nossa Igreja muitas vezes se faz surda aos apelos do
Espírito, porque encontra mais segurança na pastoral de manutenção, nas normas
litúrgicas e nas leis do Direito Canônico...
A surdez é
mais comum em nós do que imaginamos. Quando nos comportamos como surdos, nos
fechamos, e quando nos fechamos, a vida deixa de fluir em nós. Ela estagna,
apodrece, morre. A surdez mais difícil de ser curada não é a surdez acidental,
mas a proposital, aquela que eu desenvolvo como estratégia de sobrevivência,
como forma de me manter fechado em mim mesmo, para me defender sei lá do quê,
talvez da própria vida!
Quando
trouxeram um homem surdo para Jesus e lhe pediram que o curasse, a primeira
atitude de Jesus foi se afastar com o homem para fora da multidão (cf. Mc
7,33). Foi a mesma atitude de Deus em relação ao povo de Israel, quando lhe
disse: “Eu te conduzirei ao deserto e ali falarei ao teu coração” (Os 2,16). A
cura da nossa surdez começa pelo afastamento de todo barulho que utilizamos
para nos manter surdos aos apelos de Deus. A cura da nossa surdez só pode se
dar no deserto, deserto que significa: já que eu insisto em não ouvir Deus no
amor (no meu sucesso, na minha força), terei de ouvi-Lo na dor (nos meus
fracassos, nas minhas fraquezas).
Para curar a
surdez daquele homem, Jesus tocou em seus ouvidos, em sua língua (quem não ouve
também não fala), olhou para o céu, isto é, voltou-se para o Pai, e suspirou:
“Efatá!”, que quer dizer “abre-te!” (cf. Mc 7,33-34). Num primeiro momento,
apliquemos isso aos nossos relacionamentos. Quando nos tornamos surdos uns aos
outros, nossas palavras cessam. No lugar do diálogo entra o silencio mórbido,
como o silêncio de um túmulo, que guarda dentro de si (dentro do mesmo espaço:
casa, local de trabalho) pessoas mortas. A mudança começa com o toque, os
gestos, as atitudes. Isso compete a nós. Mas a mudança depende,
fundamentalmente, de elevarmos os olhos ao céu, de nos entregarmos a Deus, e de
permitir que o seu Espírito suspire em nós, isto é, mova o nosso coração,
remova o entrave dos nossos ouvidos e da nossa língua.
A cura da
nossa surdez começa pelo ouvir internamente o suspiro do Espírito de Deus nos
dizendo: “Abre-te!”. Abre-te e saia do túmulo da droga que você usa para não
ter que ouvir a voz dos seus próprios conflitos! Abre-te e saia desse
fechamento que está enterrando vivos os seus relacionamentos. Abre-te para o
que Deus quer realizar em você, para a Palavra que hoje nos diz: “Criai ânimo,
não tenhais medo!” (Is 35,4). Eleve seus olhos e suspire ao Senhor que tem o
poder de abrir os olhos aos cegos, ao Senhor que tem o poder de fazer erguer-se
o caído (cf. Sl 146,8), ao Senhor Jesus que “aos surdos faz ouvir e aos mudos
falar”! (Mc 7,37).
Sim,
Senhor, neste dia elevamos os olhos a vós e suspiramos “Abre-te!” para que a
nossa Igreja, intimidada pelo mundo, saia do seu fechamento e volte a comunicar
a esse mesmo mundo a Palavra da Vida! Suspiramos e dizemos “Abre-te!” para as
nossas crianças, os nossos adolescentes e jovens, cada vez mais abertos às
novas tecnologias, mas cada vez mais fechados a Deus, com os ouvidos sempre
ocupados com fones, para que ouçam a vossa Palavra que faz passar da morte para
a Vida! Suspiramos e dizemos “Abre-te!” para tantas pessoas que idolatram seus
bens de consumo e se tornam como os ídolos: têm olhos, mas não enxergam quem
cruza o caminho delas; têm ouvidos, mas não ouvem o sofrimento alheio; têm
boca, mas não encontram tempo para dirigir uma palavra de conforto à pessoa
abatida; têm mãos e têm pés, mas não agem em favor de quem sofre e não caminham
na direção de quem delas precisa (cf. Sl 115,5-6). Abre, Senhor, os nossos
olhos! Descerra, Senhor, os nossos ouvidos! Solta, Senhor, a nossa língua, para que
possamos comunicar a toda pessoa a verdade da Tua Palavra que transforma a
terra árida em lago, e a região sedenta em fontes de água! (cf. Is 35,7).
Amém!
Pe. Paulo Cezar Mazzi
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