Missa do 26º dom. comum. Palavra de Deus: Amós 6,1a.4-7; 1Timóteo 6,11-16; Lucas 16,19-31.
Nos textos bíblicos do final de semana
passado, ficou claro que Deus não é indiferente à desigualdade social que
existe no mundo, porque ela gera fome, dor e muito sofrimento na vida dos
pobres da terra. Hoje, encerrando o mês da Bíblia, tomamos consciência mais uma
vez de que a Sagrada Escritura não nos oferece somente consolação e orientação,
mas também nos questiona em relação ao nosso modo de viver, em um mundo onde
20% das pessoas desfrutam de 80% das riquezas, enquanto que 80% da população
mundial tem que tentar sobreviver com 20% das riquezas.
Deus não criou pessoas ricas e pessoas
pobres; Ele criou os seres humanos. A riqueza e a pobreza foram produzidas
pela maioria dos homens que estiveram no poder, em todos os tempos. Diante dessa
diferenciação entre ricos e pobres, Deus claramente toma partido: Ele se coloca
do lado dos que sofrem e faz sérios alertas aos ricos, não porque sejam ricos,
mas porque são indiferentes aos pobres. O texto do profeta Amós deixa isso
evidente: “Ai dos que vivem despreocupadamente... que dormem em camas de
marfim, deitam-se em almofadas, comendo cordeiros do rebanho e novilhos do seu
gado; os que bebem vinho em taças, e se perfumam com os mais finos perfumes e
não se preocupam com a ruína dos pobres. Eles irão para o desterro..., o bando
dos gozadores será desfeito” (citação livre de Am 6,1.4.6.7).
A expressão bíblica “Ai” diz respeito a
um lamento fúnebre. Pessoas que ostentam sua riqueza e seu alto poder de
consumo, que pagam valores absurdos em produtos de marca só para mostrarem aos
outros que elas podem comprá-los e que, ao mesmo tempo, se mantêm o mais
distante possível dos pobres e de todos os que sofrem, “irão para o desterro”
(Am 6,7), ou seja, serão arrancadas da sua terra e levadas escravas para uma terra
estrangeira (Babilônia). Esse duro julgamento sobre os ricos egoístas tem uma
razão: o luxo e esbanjamento deles resultam da exploração dos mais pobres e dos
roubos cometidos contra os fracos. Para o nosso Deus, ninguém tem o
direito de viver uma vida cômoda e confortável sem se preocupar com a miséria e
o sofrimento que afligem os seus irmãos. Resumindo, Deus nunca estará do lado
daqueles que não se importam com o sofrimento dos seus irmãos.
Vejamos agora como Jesus se posiciona
diante da desigualdade social do seu tempo. A conhecida parábola do rico (sem
nome) e do pobre Lázaro (nome que significa “Deus ajuda”) é dirigida
especificamente aos fariseus, homens religiosos “amigos do dinheiro” (Lc
16,14). Pessoas religiosas “amigas do dinheiro” são uma contradição, pois tanto
o Pai quanto o Filho são “amigos dos pobres”, daqueles que os “amigos do
dinheiro” exploram e mantém subjugados a uma vida de privação e sofrimento.
Jesus descreve a imagem da desigualdade
social: um rico que se vestia de púrpura e linho puro (vestes muito caras) e
que se banqueteava esplendidamente todos os dias, e o pobre Lázaro, que se “vestia
de feridas”, cujo “banquete” era os pedaços de pão que, segundo o costume, se
utilizavam para limpar as mãos e que, em seguida, eram atirados para debaixo da
mesa para serem comidos pelos cães da família. Ignorado pelo rico, Lázaro
recebia a atenção dos cães que vinham lamber-lhe as feridas.
Da desigualdade na terra, fabricada pelo
egoísmo dos mais ricos, Jesus passa para a “desigualdade” na vida após a morte,
uma desigualdade muito bem recordada no filme “Gladiador”: “O que fazemos nesta
vida, ecoa na eternidade”. Ironicamente, a situação se inverte: o pobre Lázaro
agora encontra-se no céu (seio de Abraão, pai na fé dos judeus, dos cristãos e
dos muçulmanos), enquanto o rico fica enterrado, na região dos mortos, pois,
quem na vida terrena viveu em função das coisas terrenas só pode ter como
destino após a morte ficar enterrado.
O rico, que sempre ignorou o pobre
Lázaro à sua porta agora o vê, o enxerga no céu. Atormentado pela sede, ele
pede a Abraão que mande Lázaro, com o dedo humedecido em água, para lhe
refrescar a língua. Mas Abraão explica que isso não é possível, por causa do
abismo que existe entre o céu e região dos mortos, o mesmo abismo cavado pela
desigualdade social que há no mundo. Desesperado, o rico pede a Abraão que
mande Lázaro de volta à terra, para alertar os seus irmãos, ricos e egoístas, a
serem solidários com os pobres. Abraão responde que os que estão na terra já
têm a Sagrada Escritura (Moisés e os Profetas), como orientação. Ninguém que
partiu desta vida voltará para dar qualquer aviso aos seus parentes neste
mundo.
A parábola que Jesus nos contou não é
sobre o que nos espera na vida futura, mas sobre a forma como devemos viver
enquanto caminhamos sobre a terra. Os
bens que Deus nos confia pertencem a todos e devem ser partilhados com todos os
nossos irmãos. Se nos fechamos em nosso egoísmo, na autossuficiência, e nos
tornamos indiferentes aos que sofrem, teremos falhado completamente o sentido
da nossa existência.
O grande pecado do “rico” foi se tornar
completamente indiferente ao sofrimento do pobre Lázaro. A indiferença
nos desumaniza. Somos uma sociedade que esqueceu a experiência de sentir
compaixão, de chorar com os que choram e de rir com os que riem; passamos pelo
irmão que sofre sem ver, ou como se o sofrimento do outro não nos dissesse
respeito. Jesus deixou bem claro que o Pai não está de acordo com a nossa
insensibilidade diante do sofrimento, com a nossa indiferença face ao irmão
necessitado, com o egoísmo que nos leva a olhar apenas para o nosso bem-estar,
com o esbanjamento dos bens que pertencem a todos os homens.
Uma última palavra. A Teologia da
Libertação, tão atacada por católicos conservadores, é a resposta de uma Igreja
fiel ao Evangelho de Jesus Cristo. Assim como o Pai (no Antigo Testamento) e o
Filho (no Novo Testamento) fizeram uma clara opção preferencial pelos pobres,
assim a Teologia da Libertação também o fez. E isso, não em nome do marxismo,
do comunismo ou do socialismo, mas em nome da fidelidade ao Evangelho de nosso
Senhor.
Pe. Paulo Cezar Mazzi
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