quinta-feira, 25 de setembro de 2025

A OPÇÃO PREFERENCIAL PELOS POBRES É BLÍBLICA, E NÃO MARXISTA, COMUNISTA OU SOCIALISTA

 Missa do 26º dom. comum. Palavra de Deus: Amós 6,1a.4-7; 1Timóteo 6,11-16; Lucas 16,19-31.

 

Nos textos bíblicos do final de semana passado, ficou claro que Deus não é indiferente à desigualdade social que existe no mundo, porque ela gera fome, dor e muito sofrimento na vida dos pobres da terra. Hoje, encerrando o mês da Bíblia, tomamos consciência mais uma vez de que a Sagrada Escritura não nos oferece somente consolação e orientação, mas também nos questiona em relação ao nosso modo de viver, em um mundo onde 20% das pessoas desfrutam de 80% das riquezas, enquanto que 80% da população mundial tem que tentar sobreviver com 20% das riquezas.

Deus não criou pessoas ricas e pessoas pobres; Ele criou os seres humanos. A riqueza e a pobreza foram produzidas pela maioria dos homens que estiveram no poder, em todos os tempos. Diante dessa diferenciação entre ricos e pobres, Deus claramente toma partido: Ele se coloca do lado dos que sofrem e faz sérios alertas aos ricos, não porque sejam ricos, mas porque são indiferentes aos pobres. O texto do profeta Amós deixa isso evidente: “Ai dos que vivem despreocupadamente... que dormem em camas de marfim, deitam-se em almofadas, comendo cordeiros do rebanho e novilhos do seu gado; os que bebem vinho em taças, e se perfumam com os mais finos perfumes e não se preocupam com a ruína dos pobres. Eles irão para o desterro..., o bando dos gozadores será desfeito” (citação livre de Am 6,1.4.6.7).

A expressão bíblica “Ai” diz respeito a um lamento fúnebre. Pessoas que ostentam sua riqueza e seu alto poder de consumo, que pagam valores absurdos em produtos de marca só para mostrarem aos outros que elas podem comprá-los e que, ao mesmo tempo, se mantêm o mais distante possível dos pobres e de todos os que sofrem, “irão para o desterro” (Am 6,7), ou seja, serão arrancadas da sua terra e levadas escravas para uma terra estrangeira (Babilônia). Esse duro julgamento sobre os ricos egoístas tem uma razão: o luxo e esbanjamento deles resultam da exploração dos mais pobres e dos roubos cometidos contra os fracos. Para o nosso Deus, ninguém tem o direito de viver uma vida cômoda e confortável sem se preocupar com a miséria e o sofrimento que afligem os seus irmãos. Resumindo, Deus nunca estará do lado daqueles que não se importam com o sofrimento dos seus irmãos. 

Vejamos agora como Jesus se posiciona diante da desigualdade social do seu tempo. A conhecida parábola do rico (sem nome) e do pobre Lázaro (nome que significa “Deus ajuda”) é dirigida especificamente aos fariseus, homens religiosos “amigos do dinheiro” (Lc 16,14). Pessoas religiosas “amigas do dinheiro” são uma contradição, pois tanto o Pai quanto o Filho são “amigos dos pobres”, daqueles que os “amigos do dinheiro” exploram e mantém subjugados a uma vida de privação e sofrimento.

Jesus descreve a imagem da desigualdade social: um rico que se vestia de púrpura e linho puro (vestes muito caras) e que se banqueteava esplendidamente todos os dias, e o pobre Lázaro, que se “vestia de feridas”, cujo “banquete” era os pedaços de pão que, segundo o costume, se utilizavam para limpar as mãos e que, em seguida, eram atirados para debaixo da mesa para serem comidos pelos cães da família. Ignorado pelo rico, Lázaro recebia a atenção dos cães que vinham lamber-lhe as feridas.

Da desigualdade na terra, fabricada pelo egoísmo dos mais ricos, Jesus passa para a “desigualdade” na vida após a morte, uma desigualdade muito bem recordada no filme “Gladiador”: “O que fazemos nesta vida, ecoa na eternidade”. Ironicamente, a situação se inverte: o pobre Lázaro agora encontra-se no céu (seio de Abraão, pai na fé dos judeus, dos cristãos e dos muçulmanos), enquanto o rico fica enterrado, na região dos mortos, pois, quem na vida terrena viveu em função das coisas terrenas só pode ter como destino após a morte ficar enterrado.

O rico, que sempre ignorou o pobre Lázaro à sua porta agora o vê, o enxerga no céu. Atormentado pela sede, ele pede a Abraão que mande Lázaro, com o dedo humedecido em água, para lhe refrescar a língua. Mas Abraão explica que isso não é possível, por causa do abismo que existe entre o céu e região dos mortos, o mesmo abismo cavado pela desigualdade social que há no mundo. Desesperado, o rico pede a Abraão que mande Lázaro de volta à terra, para alertar os seus irmãos, ricos e egoístas, a serem solidários com os pobres. Abraão responde que os que estão na terra já têm a Sagrada Escritura (Moisés e os Profetas), como orientação. Ninguém que partiu desta vida voltará para dar qualquer aviso aos seus parentes neste mundo.

A parábola que Jesus nos contou não é sobre o que nos espera na vida futura, mas sobre a forma como devemos viver enquanto caminhamos sobre a terra.  Os bens que Deus nos confia pertencem a todos e devem ser partilhados com todos os nossos irmãos. Se nos fechamos em nosso egoísmo, na autossuficiência, e nos tornamos indiferentes aos que sofrem, teremos falhado completamente o sentido da nossa existência. 

O grande pecado do “rico” foi se tornar completamente indiferente ao sofrimento do pobre Lázaro. A indiferença nos desumaniza. Somos uma sociedade que esqueceu a experiência de sentir compaixão, de chorar com os que choram e de rir com os que riem; passamos pelo irmão que sofre sem ver, ou como se o sofrimento do outro não nos dissesse respeito. Jesus deixou bem claro que o Pai não está de acordo com a nossa insensibilidade diante do sofrimento, com a nossa indiferença face ao irmão necessitado, com o egoísmo que nos leva a olhar apenas para o nosso bem-estar, com o esbanjamento dos bens que pertencem a todos os homens.

Uma última palavra. A Teologia da Libertação, tão atacada por católicos conservadores, é a resposta de uma Igreja fiel ao Evangelho de Jesus Cristo. Assim como o Pai (no Antigo Testamento) e o Filho (no Novo Testamento) fizeram uma clara opção preferencial pelos pobres, assim a Teologia da Libertação também o fez. E isso, não em nome do marxismo, do comunismo ou do socialismo, mas em nome da fidelidade ao Evangelho de nosso Senhor.

 

Pe. Paulo Cezar Mazzi

Nenhum comentário:

Postar um comentário