Missa do 23º dom. comum. Palavra de Deus: Sabedoria 9,13-18; Filêmon 9b-10.12-17; Lucas 14,25-33.
“Não
pode ser meu discípulo” (vv.26.27.33). Essa radicalidade de Jesus, frisada três
vezes no Evangelho de hoje, tem uma razão: todo discípulo seu não pode deixar-se
distrair, nem pelas pessoas, nem pela preocupação dos bens materiais, nem pelos
seus projetos e interesses pessoais. As três exigências que Jesus faz implicam
a renúncia a qualquer coisa, a fim de centrar a própria vida n’Ele e na sua
proposta do Reino de Deus.
O verdadeiro discípulo de Jesus deve
segui-lo no caminho do Reino, sem desculpas, sem condicionantes, sem “paninhos
quentes”, sem acomodações fáceis. O problema é que não estamos habituados a tal
exigência, nem gostamos que nos coloquem sobre os ombros tanta pressão.
Gostamos de caminhos que não exijam muito de nós, de propostas que não ponham
em causa o nosso bem-estar, de indicações que não nos tirem da nossa zona de
conforto, de direções que não nos obriguem a passar pela cruz.
A primeira renúncia que o discípulo de
Jesus deve fazer é em relação à própria família: “Se alguém vem a mim, mas não
se desapega de seu pai e sua mãe, sua mulher e seus filhos, seus irmãos e suas
irmãs e até da sua própria vida, não pode ser meu discípulo” (Lc 14,26). Os
laços afetivos, por mais sagrados que sejam, não devem afastar-nos dos valores
do Reino de Deus. Pode acontecer que alguém a quem estamos
ligados por laços de família ou de amizade pretenda nos afastar dos valores do
Reino de Deus. Nesse caso, segundo Jesus, devemos dar prioridade ao Reino.
A segunda exigência pede a renúncia a si
próprio: “Quem não toma a sua cruz para me seguir, não pode ser meu discípulo”
(Lc 14,27). Jesus fez da sua existência um dom em favor de todos, especialmente
dos últimos, dos mais humildes e desprezados. Na cruz, realizou o dom total de
si próprio, a sua entrega até ao extremo. “Tomar a cruz” e segui-Lo significa não
viver para si próprio, correndo atrás de opções egoístas, privilegiando os
próprios projetos pessoais, defendendo os seus interesses, o seu bem-estar, a
sua segurança; “tomar a cruz” é seguir os passos de Jesus e fazer da própria
vida um dom de amor a Deus e aos irmãos, especialmente os mais frágeis, os
menores, os mais abandonados.
A terceira exigência pede a renúncia aos
bens materiais: “Quem de entre vós não renunciar a tudo o que tem, não pode ser
meu discípulo” (Lc 14,33). Quando a obsessão dos bens materiais toma conta do
coração do homem, este torna-se escravo do “ter” e desliga-se de todo o resto;
o amor, a partilha, a fraternidade passam a ser palavras sem qualquer
significado; a preocupação fundamental do homem passa a ser acumular mais e
mais; a vida do homem passa a construir-se à volta de uma lógica que não é a lógica
do Reino de Deus.
Como entender a radicalidade de Jesus? Um
trapezista só pode ser agarrado pelas mãos de outro trapezista e levado a um
lugar mais alto e seguro se ele soltar as mãos da sua barra de segurança. Essa
é a exigência que Jesus faz a cada um de nós: “Renuncie à sua barra de
segurança; solte as mãos e aceite ficar suspenso no ar, para que minhas mãos
segurem as suas e eu possa levar você para uma nova situação de vida”. Jesus só
pode ser experimentado como Salvador por aqueles que renunciam às falsas
seguranças do mundo e se jogam nos seus braços. Enquanto uma das nossas mãos se
estender para Jesus e a outra ficar agarrada à barra de segurança, nada mudará
em nossa vida. Jesus só pode ser inteiro para quem se entrega a Ele por
inteiro.
Devemos ter consciência de que as
exigências que Jesus coloca não são negociáveis. Elas exigem decisões fortes,
compromissos firmes, passos ousados. Por isso, quem deseja se tornar discípulo,
antes de se comprometer, deve pensar bem se é capaz de percorrer tal caminho. O
homem que desiste de construir a sua torre depois de ter lançado os alicerces e
o rei que desiste do combate antes de avistar as tropas inimigas, exemplificam
pessoas que decidiram seguir Jesus, mas desistiram após as primeiras
dificuldades.
Uma última palavra. Jesus nunca se
preocupou em ter um grande número de seguidores. Ele sempre deixou claro que o
caminho do discipulado não é um caminho de facilidade. As exigências que
ouvimos há pouco continuam válidas. Suavizá-las, atenuá-las, apresentá-las numa
versão “light” poderá significar trairmos o Evangelho de Jesus.
Pe. Paulo Cezar Mazzi e liturgia
Dehonianos.