Missa do 2º dom. comum. Palavra de Deus: Isaías 62,1-5; 1Coríntios 12,4-11; João 2,1-11
A imagem do casamento sempre foi muito
simbólica na Bíblia, seja para falar do amor de Deus (Esposo) por Israel
(esposa), seja para falar do amor de Jesus (Esposo) pela Igreja (esposa). Esse
amor de Deus por seu povo foi expresso na voz do profeta Isaías: “Por amor de
Sião não me calarei, por amor de Jerusalém não descansarei” (Is 62,1).
Exatamente para uma cidade chamada de “Abandonada” e “Deserta”, Deus promete
mudar o seu nome para “Minha Predileta” e para “Bem-Casada” (cf. Is 62,4).
Quantas pessoas se sentem “abandonadas”,
não somente no sentido afetivo, por estarem sozinhas, mas também no sentido
espiritual, de desamparo? Quantas pessoas casadas experimentam desencanto e
solidão? Não são poucas as pessoas que sofrem de solidão, assim como também não
são poucos os que escolhem a solidão, por estarem desencantados com as pessoas.
Seja a solidão sofrida, seja a solidão escolhida, essas palavras de Clarice
Lispector podem ser muito úteis: “Perdi alguma coisa que me era essencial, e
que já não me é mais. Não me é necessária, assim como se eu tivesse perdido uma
terceira perna que até então me impossibilitava de andar, mas que fazia de mim
um tripé estável. Esta terceira perna eu perdi. E voltei a ser uma pessoa que
nunca fui. Voltei a ter o que nunca tive: apenas as duas pernas. Sei que
somente com duas pernas é que posso caminhar. Mas a ausência inútil da terceira
me faz falta e me assusta... Estou desorganizada porque perdi o que não
precisava?”.
Se é verdade que muitos relacionamentos
foram abalados e soterrados por sérios terremotos, Deus afirma: “Os montes
podem mudar de lugar e as colinas podem abalar-se, mas meu amor não mudará,
minha aliança de paz não será abalada, diz o Senhor, aquele que se compadece de
ti” (Is 54,10). O amor de Deus por nós é incondicional; Ele não nos ama porque
somos merecedores, mas porque somos necessitados desse amor. Mesmo nos sentindo
feridos, abandonados e desertos, sabemos que “a esperança não decepciona,
porque o amor de Deus foi derramado em nossos corações pelo Espírito Santo que
nos foi dado” (Rm 5,5).
O apóstolo Paulo deixou bem claro que
nós sempre teremos que aprender a conviver com a diversidade: o outro é como
ele é, e não como eu gostaria que ele fosse. Cada um de nós precisa aprender a
amar o real – a pessoa que ela é – e não desperdiçar energia sonhando com o
ideal – querer transformar a pessoa em alguém que nós gostaríamos que ela
fosse. Ao mesmo tempo em que o apóstolo usa três vezes a palavra “diversidade”
ou “diferente”, usa também três vezes a palavra “um”: “Um mesmo é o Espírito”; “Um
mesmo é o Senhor”; “Um mesmo Deus”. Nossas diferenças não são impedimento para
a convivência, mas necessárias para que um ajude o outro a ser melhor, não nos
esquecendo de que “a cada um é dada a manifestação do Espírito em vista do bem
comum” (1Cor 7,12). Em outras palavras, a questão não é o que convém a mim, nem
à outra pessoa, mas o que convém ao nosso relacionamento (o bem comum).
O Evangelho nos apresenta Jesus no
início da sua missão. O contexto é uma festa de casamento, na qual, para
tristeza e desespero das famílias dos noivos, acabou o vinho! No Antigo Testamento
havia um casal simbólico: Deus, o Esposo fiel, e Israel, a Esposa infiel (cf.
Os 2,7). No Novo Testamento há um novo casal: Jesus, o Esposo, e Maria, chamada
de “Mulher”, imagem da Igreja, Esposa de Cristo. A Igreja, representada por
Maria, diz a Jesus: “Eles não têm mais vinho” (Jo 2,3). Nós, Igreja, precisamos
ter a sensibilidade de Maria e nos deixarmos afetar pela falta de vinho que
existe à nossa volta.
“Eles não têm mais vinho” (Jo 2,3). Na
Bíblia o vinho simboliza a alegria de Deus no coração humano. Jesus encontra
uma religião vazia (as talhas de pedra vazias!), um culto incapaz de levar as
pessoas a se sentiram amadas por Deus. Quantas das nossas celebrações são ritos
vazios? Além disso, a maioria das famílias não se encaixa no padrão ideal, que
é o sacramento do matrimônio, e por isso não podem se aproximar do banquete das
núpcias do Cordeiro (cf. Ap 19,9). Parece que, como Igreja, nos esquecemos de
que a Eucaristia deveria ser a expressão concreta do Reino de Deus: “Ide, pois,
às encruzilhadas e convidai para as núpcias todos os que encontrardes” (Mt
22,9); “Vai depressa pelas praças e ruas da cidade, e introduz aqui os pobres,
os estropiados, os cegos e os coxos” (Lc 14,21), exatamente as pessoas
excluídas de participar das celebrações que ocorriam no Templo!
“Eles não têm mais vinho” (Jo 2,3). Acabou
a paixão, o encantamento, o diálogo, o respeito, a fidelidade, a vontade de
renunciar e de lutar; acabou a esperança, não só em relação às pessoas, mas
também em relação a Deus. Mas não podemos ficar apenas na constatação da falta
de vinho. Devemos nos orientar pela palavra de Jesus: “Fazei tudo o que ele vos
disser” (Jo 2,5). Só Jesus pode transformar água em vinho, mas cabe a nós
encher as talhas de água e levá-las até ele! Sem a nossa colaboração, nada em
nossa vida pode ser mudado ou transformado.
“Todo mundo serve primeiro o vinho
melhor... mas tu guardaste o vinho melhor até agora!” (Jo 2,11). Quando nos
orientamos pela palavra de Jesus, a crise se torna oportunidade de renovação. O
vinho melhor surgiu no fim! Depois da crise, depois da cruz, depois do sofrimento,
depois da luta, é possível experimentar uma alegria muito maior, mais profunda do
que aquela que experimentávamos antes.
Oração: Senhor Jesus, és o Esposo da
alma humana, alma que tem sede de sentido, de alegria e de salvação. Olha para
a falta de vinho que existe no coração da humanidade, em nossas famílias e em
tua Igreja. São muitas as pessoas que se sentem abandonadas e não amadas.
Derrama sobre o coração de cada uma delas o dom do teu Espírito, pois somente
Ele pode nos fazer experimentar verdadeiramente o amor de Deus e a alegria da
Sua salvação.
Senhor, que nenhuma crise, nenhum
desencontro, nenhuma ferida ou dificuldade nos faça perder a esperança de que o
vinho novo sempre surgirá e sua alegria será abundantemente superior a tudo
aquilo que até hoje experimentamos, pois o Teu Espírito continua a renovar a
face de terra e nós cremos no Seu poder de reavivar a nossa Igreja, curar
nossas feridas e transformar nossas tristezas em verdadeira e profunda alegria.
Amém!
Pe.
Paulo Cezar Mazzi
Pe. Mazzi, expresso sempre de novo minha gratidão pelas suas preciosas reflexões dominicais.
ResponderExcluirObs: “a cada um é dada a manifestação do Espírito em vista do bem comum” (1Cor 12,7) [e não 7,12].
Tem razão, querido irmão! Eu confundi os números, na hora de colocar a citação bíblica! Obrigado!
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