Missa do 15. dom. comum. Deuteronômio 30,10-14; Colossenses 1,15-20; Lucas 10,25-37
Por
causa da vacinação, tem sido possível voltar às atividades presenciais: aulas,
celebrações, cultos, shows, festas, eventos etc. Nessa “volta” foi percebido um
fator preocupante: nós “voltamos” da pandemia mais agressivos, mais
intolerantes, mais irritados. Isso tem sido constatado nas salas de aula,
sobretudo. Esperava-se que a pandemia nos tornasse mais simples, mais humildes,
mais fraternos, mais humanos. No entanto, ela fez vir para fora, de modo mais
agudo, o que cada um tem dentro de si: quem tinha uma tendência a ser ruim, se
tornou pior; quem tinha uma tendência a ser bom, se tornou melhor.
Na
sua homilia do dia 27 de março de 2020, em pleno isolamento mundial imposto
pela Covid 19, o Papa Francisco afirmou que a pandemia nos obrigou a reconhecer
que estamos todos “no mesmo barco, todos frágeis e desorientados, mas, ao mesmo
tempo, importantes e necessários: todos chamados a remar juntos, todos necessitados
de mútuo encorajamento”. Ele alertou que “não podemos continuar a estrada cada
qual por conta própria, mas só o conseguiremos juntos”. Por fim, denunciou, por
meio de uma oração dirigida a Jesus: “Na nossa avidez de lucro, deixamo-nos
absorver pelas coisas e transtornar pela pressa. Não nos detivemos perante os
teus apelos, não despertamos face a guerras e injustiças planetárias, não
ouvimos o grito dos pobres e do nosso planeta gravemente enfermo. Avançamos,
destemidos, pensando que continuaríamos sempre saudáveis num mundo doente”.
Essas
palavras do Papa Francisco nos colocam diante do Evangelho de hoje, onde Jesus
deixa claro que a verdadeira religião deve nos humanizar e levar a amar: amar a
Deus de todo o nosso coração e amar ao próximo como a nós mesmos. Ter uma religião
é abrir-se a dois relacionamentos. O primeiro relacionamento é com o Pai: deixar-nos
amar por Ele, tomar consciência de que Ele nos ama e, em resposta, amá-Lo desde
o mais profundo do nosso ser. O segundo relacionamento é com o nosso próximo:
amá-lo como gostaríamos de ser amados; tratá-lo como gostaríamos de ser
tradados.
Não
há dúvida de que o relacionamento mais exigente é o segundo: amar o próximo. A
pergunta que o mestre da Lei faz a Jesus tem sua razão de ser: “E quem é o meu
próximo?” (Lc 10,29). Na época de Jesus, o conceito de “próximo” havia sofrido
múltiplas restrições: os judeus se abriam somente aos estrangeiros simpatizantes
do judaísmo; os fariseus excluíam do seu amor os pecadores e samaritanos; os
essênios faziam o mesmo com os que eles consideravam “filhos das trevas”. Hoje,
o conceito de “próximo” está ferido pela polarização, de modo que não apenas
nos sentimos dispensados de amar quem pensa diferente de nós, mas nos damos ao
direito de até mesmo odiá-lo.
Para
nos ajudar a reconhecer quem é o nosso próximo, Jesus conta uma parábola que
derruba todas as barreiras e elimina todos os limites, restrições e exceções
que costumamos colocar na compreensão de quem é o nosso próximo. Propositalmente,
Jesus inverte as coisas, nos ensinando que a pergunta correta não é: “Quem é meu
próximo?”, mas sim “De quem eu sou chamado(a) a me fazer próximo(a)?”. Nós
somos chamados a nos fazer próximos de toda pessoa que está ferida à nossa
volta, de quem está sendo injustiçado, agredido, perseguido... Somos chamados a
amar aqueles que não se sentem amados ou que, de fato, não são amados neste
mundo.
Se
isto nos parece muito exigente, lembremos do que nos diz o nosso Pai: “Este
mandamento que hoje te dou não é difícil demais, nem está fora do teu alcance...
Esta palavra está bem ao teu alcance, está em tua boca e em teu coração, para
que a possas cumprir” (Dt 30,11.14). Religião significa “re-ligar” o ser humano
com Deus. Qualquer pessoa que busca religar-se com Deus é chamada a religar-se
com o seu próximo, sobretudo fazendo-se próxima de quem dela precise. O sinal
da nossa religião cristã é o sinal da cruz: o traço vertical nos lembra do
nosso relacionamento com Deus, enquanto que o traço horizontal nos lembra do
nosso relacionamento com o próximo. Buscar a Deus é tão necessário quanto
buscar nos fazer próximos de quem precisa de nós.
O
apóstolo Paulo afirmou que o Pai colocou a plenitude do seu amor em seu Filho
Jesus Cristo, em vista de “reconciliar consigo todos os seres, os que estão na
terra e no céu, realizando a paz pelo sangue da sua cruz” (Cl 1,20). Tudo o que
existe foi ferido pelo pecado do egoísmo e da exclusão, pelo pecado da divisão, do ódio e, principalmente, da indiferença. O Pai nos chama a trabalhar com Ele
para “realizar a paz” pelo sangue da cruz de seu Filho, sangue que significa “amar
até o fim”.
Não
nos esqueçamos de que, na parábola contada por Jesus, dois homens religiosos
não se fizeram próximos de quem estava ferido. Pelo contrário, ambos tiveram a
mesma atitude de indiferença: “Quando viu o homem, seguiu adiante, pelo
outro lado” (Lc 10,31); “viu o homem e seguiu adiante, pelo outro lado” (Lc
10,32). Já um terceiro homem “chegou perto dele, viu e sentiu compaixão. Aproximou-se
dele e fez curativos, derramando óleo e vinho nas feridas” (Lc 10,33-34). Peçamos
ao Pai que eduque o nosso olhar e cure o nosso coração da doença da indiferença
para com quem sofre. Lembremos de que a religião verdadeira é aquela que nos
humaniza, isto é, que nos torna misericordiosos, sabendo que a misericórdia é o
amor vivenciado na prática do dia a dia.
Hoje,
ao comungar o Corpo de Cristo, tenha a coragem de perguntar: “Senhor Jesus, de
quem eu estou sendo chamado(a) a me fazer próximo(a)?”.
Pe.
Paulo Cezar Mazzi
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