quinta-feira, 14 de julho de 2022

DAS FALSAS NECESSIDADES PARA "O ÚNICO NECESSÁRIO"

 Missa do 16. dom. comum. Gênesis 18,1-10a; Colossenses 1,24-28; Lucas 10,38-42.

 

“Marta, Marta! Tu te preocupas e andas agitada por muitas coisas. Porém, uma só coisa é necessária” (Lc 10,41-42). Muitas coisas se apresentam como “necessárias” para sermos felizes, para termos segurança, para garantirmos o nosso futuro, para nos defendermos de tudo aquilo que nos ameaça, para não sermos ignorados pelas pessoas nas redes sociais etc.

Dizem que é necessário que você faça academia e tenha um corpo “sarado” para poder chamar a atenção das pessoas e ser desejado(a) por elas. Dizem que é necessário que você poste fotos e vídeos que lhe exponham todos os dias nas redes sociais, para que as pessoas saibam que você existe. Dizem que é necessário que você leia tal livro, assista tal filme ou tal série, porque “todo mundo” está comentando sobre isso. Dizem que é necessário que você use tal marca de roupa, tenha tal carro, faça tal curso, para ter projeção social. Dizem que você precisa acompanhar as notícias em tempo real, estar bem informado sobre o que se passa no mundo, para pode falar sobre os assuntos atuais... 

A lista do “é necessário” não tem fim, e quem cai na armadilha de fazer um monte de coisas achando que todas elas são realmente necessárias, acaba por perder o foco daquilo que é essencial, acaba por se perder e adoecer, nesse turbilhão de exigências desnecessárias. A única forma de você não ser agarrado por essa armadilha que lhe adoece e esgota é aprender a ouvir-se interiormente; aprender a definir-se a partir de dentro e não a partir de fora. Só quando você está em sintonia com a voz de Deus em seu coração consegue distinguir o necessário do desnecessário, o essencial daquilo que é aparentemente urgente e importante.

“Uma só coisa é necessária”, disse Jesus a Marta. Jesus nunca foi uma pessoa dispersa, atraída por diferentes interesses e fragmentada por necessidades que não eram verdadeiras. Ele sempre foi o Filho unificado em torno do Pai. Sua orientação interior sempre foi fazer a vontade do Pai. Até mesmo as pessoas que trabalham para Deus, que dedicam sua vida a Deus, correm o risco de serem como Marta: excessivamente atarefadas em fazer as coisas de Deus, sem tempo para estarem com Deus. Quando Jesus afirma que “uma só coisa é necessária” está nos lembrando que a única coisa necessária em nossa vida é o nosso relacionamento com o Pai, deixando-nos amar e cuidar por Ele.

Por não darmos ao Pai o tempo e o espaço necessários para que Ele nos ame e cuide de nós, somos tomados pela ansiedade e pela angústia de termos que fazer uma porção de coisas que “garantam” a nossa sobrevivência e a nossa felicidade. Nos esquecemos do que afirma o salmo 127,2: “É inútil levantar de madrugada ou à noite retardar o repouso para ganhar o pão sofrido do trabalho, pão que Deus concede aos seus amados enquanto eles dormem”.   

Justamente porque nos perdemos numa porção de falsas necessidades, acabamos não tendo tempo para aquilo que é essencial em nossa vida. E o mais trágico em tudo isso é que perdemos a oportunidade de que Deus entre em nossa casa e transforme a nossa vida. Jesus entrou na casa de Marta e de Maria, mas Marta, embora estivesse presente em casa, se manteve ausente em relação a Jesus. Muito diferente foi a atitude de Abraão. Ele estava “sentado à entrada da sua tenda, no maior calor do dia. Levantando os olhos, Abraão viu três homens de pé, perto dele” (Gn 18,1-2). A expressão “no maior calor do dia” pode designar desânimo ou até mesmo irritação. Além disso, Abraão estava com fome. Por fim, Abraão tinha uma questão não resolvida com Deus: já fazia 24 anos que Abraão estava esperando o cumprimento de uma promessa: ter um filho.

Nós temos a tendência a ficar mal humorados quando as coisas não estão indo bem. Temos a tendência a nos fechar em nossas feridas, em nossos problemas, e a culpar o mundo por isso. Por não estar fechado em seus próprios problemas, Abraão enxergou três homens que passavam próximos da sua tenda. Ele não só os enxergou, como se abriu a eles, acolhendo-os em sua casa e preparando-lhes um almoço. Abraão fez isso por pura gratuidade. Ele nem imaginava que, por meio daqueles três homens, o próprio Deus estava visitando a sua casa. Durante o almoço, Deus tocou na dor mais profunda de Abraão, a dor de não ser pai: “Onde está Sara, tua mulher?” “Está na tenda”, respondeu ele... “Voltarei, sem falta, no ano que vem, por este tempo, e Sara, tua mulher, já terá um filho” (Gn 18,9-10).

Quando vivemos fechados em nós mesmos, girando em torno das nossas necessidades não satisfeitas, não enxergamos a visita de Deus, nem nos deixamos ser cuidados por Ele. Pelo contrário, quando nos esquecemos de nós mesmos, quando entendemos que o sentido da vida está fora de nós, numa tarefa a ser realizada em favor de outras pessoas, nasce um espaço dentro de nós onde Deus pode entrar e agir, transformando uma situação que até então nos parecia impossível. Ao esquecer-se de si e ao amar e cuidar de três pessoas necessitadas, Abraão foi amado e cuidado por Deus. Quantas vezes Deus já passou por nossa vida, mas nós estávamos tão ocupados com falsas necessidades que não tivemos tempo para acolhê-Lo?  

“Maria escolheu a melhor parte, e esta não lhe será tirada” (Lc 10,42). Uma pessoa que se define a partir de dentro precisa fazer escolhas, e não aceitar viver comandada a partir de fora, das pressões e das cobranças de quem quer que seja. Em seu livro “A sociedade do cansaço”, o filósofo sul-coreano Byung-Chul Han adverte que a sociedade nos impõe a cobrança do sucesso, da produtividade. Isso nos transforma em pessoas mecanizadas e centradas no que é essencial para o sistema capitalista: a busca pelo lucro. Consequentemente, as pessoas traçam propósitos exagerados para o sucesso no trabalho, privando-se de lazer, de descanso e de atividades fundamentais para a saúde física e mental. O resultado é o esgotamento.

Todos os dias necessitamos nos sentar aos pés de Jesus e ouvir sua Palavra. Ela nos ajudará a distinguir o essencial do urgente, o único necessário das “necessidades” que o mundo consumista cria em nós. Como o próprio Senhor nos ensina, é na conversão e na calma que está a nossa salvação; é na tranquilidade e na confiança que está a nossa força (cf. Is 30,15). “Tranquilizem-se e reconheçam: Eu sou Deus, mais alto que os povos, mais alto que a terra” (Sl 46,11). Cuidemos da nossa relação com o Pai, revendo nossas prioridades, ordenando os nossos afetos e buscando, em tudo, fazer a Sua vontade. O resto Ele cuidará por nós.    

 

Pe. Paulo Cezar Mazzi

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