Missa do 16. dom. comum. Gênesis 18,1-10a; Colossenses 1,24-28; Lucas 10,38-42.
“Marta,
Marta! Tu te preocupas e andas agitada por muitas coisas. Porém, uma só coisa é
necessária” (Lc 10,41-42). Muitas coisas se apresentam como “necessárias” para
sermos felizes, para termos segurança, para garantirmos o nosso futuro, para
nos defendermos de tudo aquilo que nos ameaça, para não sermos ignorados pelas
pessoas nas redes sociais etc.
Dizem
que é necessário que você faça academia e tenha um corpo “sarado” para poder
chamar a atenção das pessoas e ser desejado(a) por elas. Dizem que é necessário
que você poste fotos e vídeos que lhe exponham todos os dias nas redes sociais,
para que as pessoas saibam que você existe. Dizem que é necessário que você
leia tal livro, assista tal filme ou tal série, porque “todo mundo” está comentando
sobre isso. Dizem que é necessário que você use tal marca de roupa, tenha tal
carro, faça tal curso, para ter projeção social. Dizem que você precisa
acompanhar as notícias em tempo real, estar bem informado sobre o que se passa
no mundo, para pode falar sobre os assuntos atuais...
A
lista do “é necessário” não tem fim, e quem cai na armadilha de fazer um monte
de coisas achando que todas elas são realmente necessárias, acaba por perder o
foco daquilo que é essencial, acaba por se perder e adoecer, nesse turbilhão de
exigências desnecessárias. A única forma de você não ser agarrado por essa
armadilha que lhe adoece e esgota é aprender a ouvir-se interiormente; aprender
a definir-se a partir de dentro e não a partir de fora. Só quando você está em
sintonia com a voz de Deus em seu coração consegue distinguir o necessário do
desnecessário, o essencial daquilo que é aparentemente urgente e importante.
“Uma
só coisa é necessária”, disse Jesus a Marta. Jesus nunca foi uma pessoa
dispersa, atraída por diferentes interesses e fragmentada por necessidades que
não eram verdadeiras. Ele sempre foi o Filho unificado em torno do Pai. Sua
orientação interior sempre foi fazer a vontade do Pai. Até mesmo as pessoas que
trabalham para Deus, que dedicam sua vida a Deus, correm o risco de serem como
Marta: excessivamente atarefadas em fazer as coisas de Deus, sem tempo para
estarem com Deus. Quando Jesus afirma que “uma só coisa é necessária” está nos
lembrando que a única coisa necessária em nossa vida é o nosso relacionamento
com o Pai, deixando-nos amar e cuidar por Ele.
Por
não darmos ao Pai o tempo e o espaço necessários para que Ele nos ame e cuide
de nós, somos tomados pela ansiedade e pela angústia de termos que fazer uma
porção de coisas que “garantam” a nossa sobrevivência e a nossa felicidade. Nos
esquecemos do que afirma o salmo 127,2: “É inútil levantar de madrugada ou à
noite retardar o repouso para ganhar o pão sofrido do trabalho, pão que Deus
concede aos seus amados enquanto eles dormem”.
Justamente
porque nos perdemos numa porção de falsas necessidades, acabamos não tendo
tempo para aquilo que é essencial em nossa vida. E o mais trágico em tudo isso
é que perdemos a oportunidade de que Deus entre em nossa casa e transforme a
nossa vida. Jesus entrou na casa de Marta e de Maria, mas Marta, embora
estivesse presente em casa, se manteve ausente em relação a Jesus. Muito
diferente foi a atitude de Abraão. Ele estava “sentado à entrada da sua tenda,
no maior calor do dia. Levantando os olhos, Abraão viu três homens de pé, perto
dele” (Gn 18,1-2). A expressão “no maior calor do dia” pode designar desânimo
ou até mesmo irritação. Além disso, Abraão estava com fome. Por fim, Abraão
tinha uma questão não resolvida com Deus: já fazia 24 anos que Abraão estava
esperando o cumprimento de uma promessa: ter um filho.
Nós
temos a tendência a ficar mal humorados quando as coisas não estão indo bem.
Temos a tendência a nos fechar em nossas feridas, em nossos problemas, e a
culpar o mundo por isso. Por não estar fechado em seus próprios problemas,
Abraão enxergou três homens que passavam próximos da sua tenda. Ele não só os
enxergou, como se abriu a eles, acolhendo-os em sua casa e preparando-lhes um
almoço. Abraão fez isso por pura gratuidade. Ele nem imaginava que, por meio
daqueles três homens, o próprio Deus estava visitando a sua casa. Durante o
almoço, Deus tocou na dor mais profunda de Abraão, a dor de não ser pai: “Onde
está Sara, tua mulher?” “Está na tenda”, respondeu ele... “Voltarei, sem falta,
no ano que vem, por este tempo, e Sara, tua mulher, já terá um filho” (Gn
18,9-10).
Quando
vivemos fechados em nós mesmos, girando em torno das nossas necessidades não
satisfeitas, não enxergamos a visita de Deus, nem nos deixamos ser cuidados por
Ele. Pelo contrário, quando nos esquecemos de nós mesmos, quando entendemos que
o sentido da vida está fora de nós, numa tarefa a ser realizada em favor de
outras pessoas, nasce um espaço dentro de nós onde Deus pode entrar e agir,
transformando uma situação que até então nos parecia impossível. Ao esquecer-se
de si e ao amar e cuidar de três pessoas necessitadas, Abraão foi amado e
cuidado por Deus. Quantas vezes Deus já passou por nossa vida, mas nós
estávamos tão ocupados com falsas necessidades que não tivemos tempo para
acolhê-Lo?
“Maria
escolheu a melhor parte, e esta não lhe será tirada” (Lc 10,42). Uma pessoa que
se define a partir de dentro precisa fazer escolhas, e não aceitar viver
comandada a partir de fora, das pressões e das cobranças de quem quer que seja.
Em seu livro “A sociedade do cansaço”, o filósofo sul-coreano Byung-Chul Han
adverte que a sociedade nos impõe a cobrança do sucesso, da produtividade. Isso
nos transforma em pessoas mecanizadas e centradas no que é essencial para o
sistema capitalista: a busca pelo lucro. Consequentemente, as pessoas traçam
propósitos exagerados para o sucesso no trabalho, privando-se de lazer, de descanso e de atividades fundamentais para a
saúde física e mental. O resultado é o esgotamento.
Todos os dias necessitamos nos sentar aos pés de Jesus e ouvir
sua Palavra. Ela nos ajudará a distinguir o essencial do urgente, o único
necessário das “necessidades” que o mundo consumista cria em nós. Como o
próprio Senhor nos ensina, é na conversão e na calma que está a nossa salvação;
é na tranquilidade e na confiança que está a nossa força (cf. Is 30,15). “Tranquilizem-se
e reconheçam: Eu sou Deus, mais alto que os povos, mais alto que a terra” (Sl
46,11). Cuidemos da nossa relação com o Pai, revendo nossas prioridades, ordenando
os nossos afetos e buscando, em tudo, fazer a Sua vontade. O resto Ele cuidará
por nós.
Pe. Paulo Cezar Mazzi
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