Missa do 6. dom. comum. Palavra de Deus: Jeremias 17,5-8; 1Coríntios 15,12.16-20; Lucas 6,17.20-26.
Toda casa precisa de um alicerce,
sobre o qual ser construída e permanecer estável, segura. Toda árvore precisa
de raízes profundas, a partir das quais se alimentar e não tombar diante dos
ventos contrários. Assim também nós, seres humanos, precisamos de um fundamento.
Sem ele, somos engolidos pelo medo, pela insegurança, pela ansiedade, pelo
sentimento de ameaça. Na verdade, toda pessoa escolhe alguma coisa ou alguém
por fundamento, ainda que nem todos tenham consciência dessa escolha.
Os textos bíblicos deste final de
semana estão nos fazendo uma pergunta: Quem ou o quê eu escolho como fundamento
para a minha vida? Em quem ou no quê eu me apoio para viver, sobretudo nesses
tempos de forte insegurança e instabilidade?
“Maldito o homem que confia no homem
e faz consistir sua força na carne humana, enquanto o seu coração se afasta do
Senhor” (Jr 17,5). O profeta Jeremias poderia ter suavizado essa verdade
bíblica, substituindo a palavra “maldito” por “infeliz”. Mas, não. Para todos
nós é preciso ficar claro: toda vez que eu escolho uma coisa fabricada pelo ser
humano ou uma pessoa sobre a qual me apoiar para viver, eu não sou apenas um
“infeliz”, um “iludido”, mas um “maldito”, isto é, uma pessoa desprovida de
bênção.
Propositalmente, Jeremias fala do
apoio humano nesses termos: “faz consistir sua força na carne humana”. Todo ser
humano é “carne” e tudo o que o ser humano cria, por mais sofisticado e potente
que aparente ser, é apenas “carne”. Dizer que o ser humano é “carne” é lembrar
que nós somos finitos, limitados, falhos, infiéis, instáveis, fracos, mortais;
sobretudo, nós somos passíveis de apodrecimento. Exatamente no contexto em que
vivemos, onde se faz de tudo não apenas para disfarçar a nossa carne, mas para
negar que somos carne, a Sagrada Escritura nos confronta com essa verdade: "sua
vida terrena é limitada, passível de apodrecimento, e um dia você deixará de
existir na Terra".
Onde você tem feito consistir a sua
força? Quem ou o quê você tem escolhido por fundamento? Sua beleza? Sua
inteligência? Seu corpo? Seu dinheiro? Seu sobrenome? Suas aplicações
financeiras? Sua casa? Seu carro? Sua influência nas redes sociais? Tudo isso é
carne; tudo isso apodrecerá com o tempo, aceite você esse fato ou não. Negar
que somos carne é criar um mundo paralelo, uma realidade paralela, é mentir
para si mesmo(a), é escolher viver na ilusão, e quem escolhe viver na ilusão
cedo ou tarde vai se desiludir, vai cair na real, vai se confrontar com a
verdade da sua própria carne.
Jeremias nos torna conscientes da
loucura que é uma vida pautada na mentira, na aparência, na ilusão: a pessoa é
como uma planta que “prefere vegetar na secura do deserto, em região solitária
e desabitada” (Jr 17,6). A pessoa parece uma planta viva, cheia de beleza e de
vigor, mas, na verdade, é apenas uma planta artificial: não tem perfume, não
produz fruto, não tem vida. A pessoa posta fotos nas redes sociais que
aparentam alegria, felicidade, sucesso, realização, mas tudo isso é apenas uma
casca, uma maquiagem; a verdade é que o interior dessa pessoa é habitado pelo
vazio, pela solidão, pela mentira, pela incapacidade de lidar com sua realidade
de ser “carne”. Ela quer mostrar para os outros que “vive” intensamente,
quando, na verdade, apenas “vegeta”.
Para quem crê em Deus, só existe um
fundamento: “Bendito o homem que confia no Senhor, cuja esperança é o Senhor; é
como a árvore plantada junto às águas (...); não teme a chegada do calor: sua
folhagem mantém-se verde, (...) e nunca deixa de dar frutos” (Jr 17,7-8).
Somente a pessoa que escolhe Deus por fundamento experimenta ser amparada e
sustentada por Ele. Somente quando escolhemos lançar nossas raízes em Deus – o
que significa viver um relacionamento profundo com Ele – é que podemos
atravessar os momentos de calor, de estiagem, de seca, sem que nossas folhas
murchem, pois Deus é descrito biblicamente como “Fonte de água viva” (Jr 2,13).
Somente a pessoa que escolhe viver enraizada em Deus experimenta fecundidade
(“nunca deixa de dar frutos” – Jr 17,8). Portanto, se grande parte das pessoas
à nossa volta está tomada de insegurança e vive como “palha seca e dispersada
pelo vento” (Sl 1,4), nós precisamos ajudá-las a buscarem Deus e a escolhê-Lo
como fundamento para suas vidas.
Enquanto o profeta Jeremias usa
imagens agrícolas para falar dos diferentes fundamentos que as pessoas escolhem
para suas vidas, Jesus usa da desigualdade social para fazer o mesmo
questionamento. De um lado, temos os pobres, os que passam fome, os que choram
e os que são perseguidos por causa do Evangelho. Jesus afirma que essas pessoas
são “bem-aventuradas”, felizes, porque elas não têm nenhuma coisa e nenhum ser
humano por fundamento; apenas Deus e a esperança na Sua justiça (cf. Lc
6,20-22). Do outro lado, temos os ricos, os que têm fartura, os que são felizes
devido aos bens materiais e os que são elogiados devido à fama, à sua vida “bem
sucedida” (materialmente). A essas pessoas Jesus se dirige como o Juiz que
julgará cada ser humano no fim de sua vida (cf. Rm 14,10-12; 2Cor 5,10): “Ai de
vocês!”, “Pobres de vocês!”, “Iludidos são vocês!”, “Dignos de pena são vocês!”
(cf. Lc 6,24-26).
Segundo Jesus, fazer do dinheiro e
dos bens materiais o fundamento da nossa vida é uma loucura, uma verdadeira idolatria,
pois transformamos Deus num mero pronto-socorro a ser procurado apenas nos
momentos de urgência, enquanto prestamos o nosso culto diária, religiosa e
fielmente ao dinheiro e ao que ele pode nos dar. Jesus quer que tenhamos
consciência de que a desigualdade social que há no mundo nunca foi desejada por
Deus e muito menos produzida por Ele; ela é fruto da ambição desmedida do
coração humano e, por causar inúmeras injustiças e sofrimentos na humanidade,
Deus porá fim nela exatamente “invertendo” a situação. Essa inversão seria
vingança? Não; apenas justiça. “O que nós esperamos, conforme sua promessa, são
novos céus e uma nova terra, onde habitará a justiça” (2Pd 3,13).
Uma última palavra. Quando nossa
Igreja se posiciona criticamente em relação às desigualdades sociais e trabalha
por uma sociedade mais justa, ela não está sendo movida por uma ideologia de
esquerda, mas buscando ser fiel ao Evangelho de nosso Senhor Jesus Cristo. Da
mesma forma que é um erro “reduzir” o Evangelho a questões sociais – “Se é para
esta vida que pusemos a nossa esperança em Cristo, nós somos - de todos os
homens - os mais dignos de compaixão” (1Cor 15,19) –, também é um erro pensar
que Deus nada tem a ver com elas. Tudo o que atinge a “carne”
humana, atinge o coração de Deus, que, embora sendo Espírito (cf. Jo 4,24), “se
fez carne” (cf. Jo 1,14) na Pessoa de seu Filho Jesus Cristo, em vista de
resgatar o ser humano também na sua carnalidade.
Pe.
Paulo Cezar Mazzi
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