Missa do 12. dom. comum. Jó 38,1.8-11; 2Coríntios 5,14-17; Marcos 4,35-41.
A existência do mal questiona a
existência de Deus. As diversas maneiras como o mal, o sofrimento e a dor se
manifestam no mundo – acidentes, catástrofes, doenças, violência, guerras,
injustiças, sofrimentos e, sobretudo, a pandemia do coronavírus – questionam a
aparente ausência de Deus, Seu aparente silêncio, Sua aparente indiferença
diante da tempestade que nos atinge neste momento. “Mestre, estamos perecendo e
tu não te importas?” (Mc 4,38). Essa pergunta está dentro de muitos de nós.
Crianças e jovens estão morrendo de câncer; inúmeras pessoas estão morrendo de
Covid; nosso País é campeão em desigualdade social, violência e assassinatos;
muitas crianças estão sofrendo abuso sexual dentro de casa; pessoas estão
morrendo de fome, sobretudo no continente africano, e Deus não se importa???!!!
Na Bíblia nós encontramos o livro de
Jó, um livro escrito para desfazer uma lógica absurda, enganadora e perversa: o
bem acontece para as pessoas boas e o mal acontece para as pessoas más. Em
outras palavras, tudo o que acontece com você é porque você fez por merecer.
Mas a história de Jó vem desmentir essa afirmação injusta e absurda. Nem sempre
o sofrimento que passamos foi provocado por nós. Nem sempre a tempestade que
nos atinge foi provocada por nossas atitudes. A verdade é que a vida não poupa
ninguém de dor e de sofrimento. Todos sofrem, mas cada um escolhe a maneira de
lidar com o sofrimento; cada um escolhe como vai enfrentar a tempestade que se
abateu sobre sua vida.
A leitura que ouvimos começa
afirmando que “o Senhor respondeu a Jó, do meio da tempestade” (Jó 38,1). Deus
fala conosco em nossos sofrimentos. Deus está falando conosco do meio das
tempestades pelas quais estamos passando, mas quem de nós O está ouvindo? O que
será que Deus está à humanidade neste momento de pandemia? Deus falou com Jó,
afirmando que Ele colocou um limite para a violência da tempestade que o atingia:
“Marquei seus limites e coloquei portas e trancas, e disse: ‘Até aqui chegarás,
e não além’” (Jó 38,10-11). Deus conhece nossos limites e sabe até onde podemos
suportar a dor, o sofrimento. Além disso, o livro de Jó nos ensina que o mal e
o sofrimento não têm poderes ilimitados sobre nós: eles só nos atingirão até
onde Deus permitir (cf. Jó 1,12; 2,6), e o Pai só permite que o filho sofra se
aquele sofrimento for necessário para o seu amadurecimento, para a sua
correção, para a fortalecimento do seu caráter.
Voltemos ao Evangelho. O momento em
que Jesus orienta os discípulos a irem para a outra margem é “ao cair da
tarde”. A tarde caiu na existência de muitas pessoas, ou seja, se fez noite,
escureceu; a face de Deus se escondeu da vida de muitas pessoas. Elas sentem
que foram jogadas dentro de uma noite escura, uma noite que parece não terminar.
E mesmo sendo noite, mesmo estando escuro, Jesus quer que façamos uma
travessia, quer que passemos para a outra margem.
Passar para a outra margem tem uma
ampla gama de significados. Ela pode dizer respeito ao nosso crescimento, à
superação de um desafio, ao enfrentamento de um problema, a uma nova
compreensão a respeito de nós mesmos, de Deus ou da vida. Esse passar para a
outra margem é um movimento que deverá ser feito muitas vezes ao longo da nossa
existência. Toda crise e todo problema que enfrentamos têm por objetivo nos
lançar para frente, nos direcionar para a outra margem, onde o horizonte da
nossa vida se tornará mais amplo, mais claro, mais fecundo. E o mais importante
é saber que Jesus está no mesmo barco que nós, fazendo a travessia conosco,
enfrentando a mesma tempestade que enfrentamos.
Mas, de onde veio essa tempestade?
Que ventos contrários são esses que parecem surgirem do nada? Eles podem ser
nossas próprias resistências interiores. Todos nós temos a tendência a nos
acomodar na margem que estamos e não sentirmos disposição em fazer novas
travessias. Achamos que já crescemos o suficiente, já temos os recursos que
precisamos, já não somos tão jovens para nos aventurar em situações
desconhecidas; a vida está boa como está. No entanto, Deus sabe que ainda temos
o que crescer, o que aprender, o que amadurecer. E assim, Ele nos joga dentro
do mar da vida e permite que tempestades venham acordar nossas forças
adormecidas, ou venham nos fazer conhecer capacidades que pensávamos não termos
dentro de nós. Quantas pessoas se tornaram “gigantes” só depois de terem sido
jogadas dentro de uma tempestade?
O grande problema das tempestades
que enfrentamos na vida é que elas trazem consigo a tentação da perda de fé.
“Por que Deus está permitindo isso na minha vida?” “Por que Ele não se
manifesta e não Se levanta para me defender, para me salvar?” De fato, muitos
salmistas questionaram Deus, que parece “dormir” enquanto estamos enfrentando
situações muito difíceis: “Desperta e acorda para o meu julgamento, para a
minha causa, Deus meu e Senhor meu!” (Sl 35,23). “Desperta! Por que dormes,
Senhor? Levanta-te!” (Sl 44,24). “Desperta! Vem ao meu encontro e olha!” (Sl
59,5). “Despertai vosso poder, ó nosso Deus, e vinde logo nos trazer a
salvação!” (Sl 80,3).
A atitude de Jesus de dormir durante
a tempestade nos revela a sua confiança no Pai: “Não dorme nem cochila o guarda
de Israel. O Senhor é o teu guarda... De dia o sol não te ferirá nem a lua de
noite” (Sl 121,4.6). Diante do grito dos discípulos, Jesus “se levantou e
ordenou ao vento e ao mar: ‘Silêncio! Cala-te!’ O ventou cessou e houve uma
grande calmaria. Então Jesus perguntou aos discípulos: ‘Por que sois tão
medrosos? Ainda não tendes fé?’” (Mc 4,39-40). Jesus sempre se levantará quando
o invocarmos, quando gritarmos a ele em nossa oração! Mas ele questiona a nossa
fé: ela não pode se traduzir numa constante fuga da realidade, num constante
refugiar-nos ou retrocedermos diante dos ventos contrários. Nossa fé sempre
será posta à prova. Por isso, Jesus deseja que ela aprenda a resistir e se
transforme em persistência, em enfrentamento, em compromisso, em perseverança. “O
vento pode soprar o quanto quiser; a montanha jamais de inclina diante dele”
(provérbio chinês). Assim deve ser nossa fé. Como um bambu, nós até podemos
envergar, mas jamais quebrar, diante dos ventos contrários!
Oração: Deus Pai, assim como o
Senhor falou com Jó do meio da sua tempestade, fala comigo, neste momento em
que enfrento também minhas tempestades. Quando a tarde cai e tudo fica escuro,
guia-me por Tua voz. Desperta, Pai! Desperta a força do Teu braço e vem me
salvar da falta de fé!
Senhor Jesus, Tu me chamas a fazer a
travessia, a ir para a outra margem. Desejas o meu crescimento; desejas ampliar
o horizonte da minha vida. Sustenta-me diante dos ventos que sopram contrários.
Não quero retroceder no meu caminho de fé. Quero resistir, perseverar,
suportar, sem deixar de avançar na direção da outra margem. Torna-me capaz de
avançar, apesar dos ventos contrários, confiando que Tu me farás chegar ao
outro lado, pois navegas comigo no mar da vida, impulsionando-me com a força do
teu Santo Espírito. Amém!
Pe. Paulo Cezar
Mazzi
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