quinta-feira, 9 de agosto de 2018

VOCÊ NÃO PRECISA MORRER NO DESERTO

Missa do 19º. dom. comum. Palavra de Deus: 1Reis 19,4-8; Efésios 4,30–5,2; João 6,41-51

            Por que algumas pessoas escolhem praticar uma religião e outras não? Por que algumas pessoas têm fé e outras não? A ciência já tentou responder a essas perguntas com a teoria de que existiria na genética das pessoas religiosas, isto é, das pessoas que têm fé, uma predisposição para Deus. Portanto, abrir-se para Deus, abrir-se para a fé, segundo alguns cientistas, é uma questão genética: alguns nascem biologicamente predispostos a isso e outros não.
            Jesus tem uma outra resposta para essa questão: “Ninguém pode vir a mim, se o Pai que me enviou não o atrai” (Jo 6,44). A expressão “vir a mim” significa “crer em mim”. Diante da resistência de alguns judeus em crer n’Ele, Jesus entende que a fé não é um simples querer humano; ela não é uma invenção da mente humana, mas um dom de Deus. A fé carrega consigo um mistério chamado Deus. Misteriosamente, Deus tem caminhos que não conhecemos para falar à consciência e ao coração humano. Embora seja verdade que Deus queira salvar todos os seres humanos (cf. 1Tm 2,4), nem todos foram visitados por Sua graça insondável, que age no coração humano de uma maneira que não podemos controlar, entender ou explicar. Portanto, diante da fé nós só podemos ter uma atitude de humildade e gratidão: ela não é conquista nossa, não é mérito nosso, mas puro dom, pura graça de Deus.    
            Mas há uma outra verdade importante revelada por Jesus no Evangelho de hoje: “Está escrito nos Profetas: ‘Todos serão discípulos de Deus’. Ora, todo aquele que escutou o Pai e por ele foi instruído, vem a mim” (Jo 6,45). Toda pessoa que escuta a voz de Deus em sua consciência e em seu coração abre-se para a fé em Jesus, isto é, sente-se atraída para Ele. Mas quem hoje escuta a voz de Deus? Quem hoje escuta seu próprio interior? Nós vivemos mergulhados no barulho; estamos cheios de barulhos: barulhos externos e também internos, e os piores são os internos! Portanto, o problema não é que Deus tenha deixado de falar com a humanidade, mas nós, humanidade, ou não queremos ouvi-Lo, ou não estamos compreendendo o que Ele está nos falando por meio da vida, por meio dos acontecimentos.  
            Quem se deixa instruir, ensinar, orientar pelo Pai, acolhe a verdade de que é uma pessoa que carrega em si uma profunda fome de salvação e essa fome só pode ser saciada por Jesus, o pão vivo descido do céu: “Eu sou o pão da vida... Eu sou o pão vivo descido do céu. Quem comer deste pão viverá eternamente” (Jo 6,48.51). Jesus não é apenas pão, mas “pão vivo”. Ele é fonte de vida e só Ele pode responder à nossa fome de paz, de justiça, de alegria, de amor e de salvação. A vida que Jesus transmite aos discípulos através do Evangelho e da Eucaristia é a mesma que Ele recebe do Pai, que é a fonte inesgotável de vida plena; uma vida que não se extingue com nossa morte biológica. Por isso Jesus afirma: “Quem comer deste pão viverá eternamente”; ‘Quem se alimentar de mim jamais morrerá interiormente’.
            Assim como o profeta Elias, nós passamos por momentos em que “entramos deserto adentro”, nos jogamos no chão e pedimos a morte (cf. 1Rs 19,4). Além de ser a imagem de cada um de nós, Elias é especialmente a imagem do pai que se cansou de lutar – lutar por sua família, por seu casamento, por seus filhos, por sua sobrevivência, por sua fé, por sua santidade, lutar por um mundo mais justo. Assim como Elias, muitos pais se tornaram homens abatidos, deprimidos e solitários, consumidos pelo medo e pelo desespero, tendo apenas uma vontade: morrer. Assim como Elias, muitos pais hoje se jogaram no chão e adormeceram, entrando num sono que funciona como fuga da realidade, um sono que ajuda a manter a consciência anestesiada, para não ter que se angustiarem com perguntas que não têm como responder (cf. 1Rs 19,5).   
            Mas Deus visita o pai no seu deserto, tomado pelo desejo de morrer. Deus fala à consciência e ao coração do pai: “Levante-se e coma!” ‘Alimente-se da Palavra e da Eucaristia do meu Filho! Não se entregue ao desânimo e ao fracasso. Você ainda não terminou sua missão’. “Levante-se e coma! Você ainda tem um caminho longo a percorrer” (1Rs 19,7). ‘Seu caminho não termina nesse fracasso, nessa queda, nessa derrota. Há algo que você ainda tem que realizar. Você não morrerá nesse deserto, mas chegará à meta para a qual aceitou caminhar comigo’.
“Elias levantou-se, comeu e bebeu, e, com a força desse alimento, andou quarenta dias e quarenta noites, até chegar ao Horeb, o monte de Deus” (1Rs 19,8). Sem a nossa comunhão com Jesus Cristo, nós não chegaremos à montanha de Deus. Sem nos alimentar com o “pão vivo” que Jesus nos oferece na sua Palavra e na sua Eucaristia, nós corremos o risco de ser consumidos pelo desânimo e morremos no deserto do nosso desespero. Só com a força do alimento espiritual que é Jesus, “o pão vivo descido do céu” (Jo 6,48) é que podemos reagir ao desânimo, nos levantar do nosso sentimento de fracasso e retomar nossos ideais, dirigindo a nossa vida para a meta que fomos chamados alcançar: a nossa salvação.
“Chegar ao Horeb, o monte de Deus” (1Rs 19,8) significa chegar à meta a que fomos chamados, seja como pessoas, seja como filhos de Deus; significa também chegar à realização da nossa vida familiar, afetiva e profissional. Elias só chegou ao monte de Deus “com a força” daquele alimento que o próprio Deus lhe providenciou. Como temos alimentado nossos sonhos, nossos ideais? Nós temos alimentado nossos relacionamentos? Com o quê? Temos alimentado nossa esperança, nossa fé, nossa espiritualidade? De que forma? “Você ainda tem um caminho longo a percorrer” (1Rs 19,7). Não nos entreguemos ao desânimo, muito menos ao pessimismo ou ao derrotismo. Retomemos a cada dia o nosso caminho. Alimentemo-nos diariamente do Senhor, por meio da nossa oração pessoal, e deixemos com que a força da Sua graça nos levante do chão e recoloque nossos pés no caminho rumo ao Seu monte, onde se dará a nossa comunhão definitiva com Seu Filho, no qual temos a vida plena e a salvação.   

            Oração: Pai, peço-Te a graça da fé, a graça de sentir-me atraído(a) para o Teu Filho Jesus, a graça de crer n’Ele com toda a minha alma. Quero deixar-me instruir por Ti; quero orientar-me por Tua verdade, e nela encontrar o sentido para a minha vida. Hoje eu renuncio a todo barulho que há em mim e silencio o meu interior para ouvir Tua voz. Preciso Te ouvir, Senhor! Preciso da Tua Palavra tanto quanto preciso de pão para viver. “Mostrai-me, ó Senhor, vossos caminhos, e fazei-me conhecer a vossa estrada. Vossa verdade me oriente e me conduza, porque sois o Deus da minha salvação” (Sl 25,4-5).
            Assim como Elias, algumas vezes eu fujo para o deserto e me entrego ao desânimo; algumas vezes eu desisto de lutar, desisto de crer e de esperar em Ti, desisto de viver. Visita-me, Senhor! Desperta-me do sono do pessimismo e do desespero. Fala à minha consciência e ao meu coração. Devolve-me a fé, a esperança, o ânimo, o sentido da vida! Quero levantar-me e retomar o meu caminho. Quero retomar a missão para a qual o Senhor me chamou. Alimenta-me com a Tua Palavra. Sustenta-me com o Teu Espírito. Fortalece meus passos para que eu continue a caminhar até chegar ao Teu monte, à Tua presença, à meta para a qual o Senhor me chamou, que é a salvação em Teu Filho Jesus, o pão vivo descido do céu. Amém!

Pe. Paulo Cezar Mazzi

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