quinta-feira, 16 de junho de 2016

VOCÊ SUPORTA A CURVATURA DA CRUZ?

Missa do 12º. dom. comum. Palavra de Deus: Zacarias 12,10-11; 13,1; Gálatas 3,26-29; Lucas 9,18-24.

            Dizem que há espaços dentro de nós que só surgem depois que passamos por uma dor. Antes de enfrentar aquele sofrimento nós éramos uma pessoa arrogante, egoísta, descuidada com relação ao essencial; não estávamos nem aí pra ninguém. Mas aquela dor de alguma forma nos humanizou, nos fez mais humildes, nos ensinou a cuidar daquilo que realmente é essencial, nos deu uma compreensão melhor a respeito de nós mesmos e das outras pessoas, nos fez mais solidários com quem sofre.  
            Toda dor, todo sofrimento, toda experiência de cruz é como um chacoalhão que a vida nos dá para nos fazer acordar e nos dar conta de que o mundo não gira em torno de nós, dos desejos, dos caprichos e das fantasias do nosso ego. Nossos olhos, que muitas vezes só enxergam os nossos próprios interesses, precisam ser lavados, banhados nas lágrimas de algum tipo de dor, para que enxerguemos a realidade que está à nossa volta e que pede a nossa colaboração para ser transformada, humanizada. Foi por isso que Deus disse aos habitantes de Jerusalém: “... haverá um grande pranto... haverá uma fonte acessível... para ablução e purificação” (Zc 12,11; 13,1).
            A verdade é que ninguém passa pela vida sem se deparar com algum tipo de cruz, e ninguém tira isso de letra. Toda cruz nos coloca em crise, joga por terra as nossas certezas e nos faz questionar não só a nós mesmos, mas o próprio Deus. Nem mesmo Jesus foi poupado disso. Se o Evangelho de hoje se inicia mostrando Jesus em oração, as perguntas que ele faz aos discípulos – “Quem dizem o povo que eu sou?” e “E vós, quem dizeis que eu sou?” – revela o porquê ele estava em oração: Jesus precisava saber a respeito da sua própria identidade e da sua missão diante de Deus.
            Nem tudo era claro para Jesus, assim como não o é para nós. Há experiências de sofrimento que nos levam a questionar até mesmo se vale à pena continuarmos vivendo, se vale à pena continuar na missão que abraçamos, na fé que professamos, na função que desempenhamos. E assim como fez Jesus, nós precisamos aprender a fazer: nos colocar diante do Pai, na oração, e deixar que Ele nos torne conscientes a respeito da Sua vontade para a nossa vida.
            Jesus saiu da oração consciente de quem ele era e de qual era a sua missão: “O Filho do Homem deve sofrer muito, ser rejeitado... deve ser morto e ressuscitar no terceiro dia” (Lc 9,22). Prestemos atenção à palavra “deve”. Existem sofrimentos que não são opcionais, mas fazem parte do caminho que escolhemos trilhar. Se eu quiser salvar meu casamento, recuperar meu filho, crescer como pessoa, me libertar, me santificar, se eu quiser me salvar, “devo” lidar com essa cruz, devo enfrentar tal dor. Aqui se revela a maturidade humana e espiritual de Jesus. Uma pessoa imatura procura passar pela vida desviando-se do “devo” e orientando-se somente pelo “isso me agrada”. Já uma pessoa madura sabe reconhecer qual é o momento em que não deve se desviar do seu “devo”, porque ali está a sua oportunidade de ser fiel aos valores que sustentam a sua vida e que dão sentido à sua existência.   
              O Evangelho de hoje termina com uma advertência: “... quem quiser salvar sua vida, vai perdê-la; e quem perder a sua vida por causa de mim, esse a salvará” (Lc 9,24). Quem dirige a sua vida somente pelo “isso me agrada”, procurando desviar-se de todo tipo de cruz, é como o arco de uma flecha que decidiu livrar-se do cordão que o mantém curvado, ou seja, é uma pessoa incapaz de atingir seus objetivos, pois eliminou a fonte da sua força interior. Por outro lado, quem aceita perder, quem aceita enfrentar a dor, a cruz, o sofrimento é como um arco que compreendeu a importância de ser curvado, pois é dali que sai a sua força para lançar a flecha, atingindo, assim, o objetivo que Deus tem para a sua vida.

            Pe. Paulo Cezar Mazzi

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