Missa
do 12º. dom. comum. Palavra de Deus: Zacarias 12,10-11; 13,1; Gálatas 3,26-29;
Lucas 9,18-24.
Dizem que há espaços dentro de nós que
só surgem depois que passamos por uma dor. Antes de enfrentar aquele sofrimento
nós éramos uma pessoa arrogante, egoísta, descuidada com relação ao essencial; não
estávamos nem aí pra ninguém. Mas aquela dor de alguma forma nos humanizou, nos
fez mais humildes, nos ensinou a cuidar daquilo que realmente é essencial, nos
deu uma compreensão melhor a respeito de nós mesmos e das outras pessoas, nos
fez mais solidários com quem sofre.
Toda dor, todo sofrimento, toda experiência
de cruz é como um chacoalhão que a vida nos dá para nos fazer acordar e nos dar
conta de que o mundo não gira em torno de nós, dos desejos, dos caprichos e das
fantasias do nosso ego. Nossos olhos, que muitas vezes só enxergam os nossos
próprios interesses, precisam ser lavados, banhados nas lágrimas de algum tipo
de dor, para que enxerguemos a realidade que está à nossa volta e que pede a
nossa colaboração para ser transformada, humanizada. Foi por isso que Deus disse
aos habitantes de Jerusalém: “... haverá um grande pranto... haverá uma fonte
acessível... para ablução e purificação” (Zc 12,11; 13,1).
A verdade é que ninguém passa pela
vida sem se deparar com algum tipo de cruz, e ninguém tira isso de letra. Toda
cruz nos coloca em crise, joga por terra as nossas certezas e nos faz
questionar não só a nós mesmos, mas o próprio Deus. Nem mesmo Jesus foi poupado
disso. Se o Evangelho de hoje se inicia mostrando Jesus em oração, as perguntas
que ele faz aos discípulos – “Quem dizem o povo que eu sou?” e “E vós, quem
dizeis que eu sou?” – revela o porquê ele estava em oração: Jesus precisava
saber a respeito da sua própria identidade e da sua missão diante de Deus.
Nem tudo era claro para Jesus, assim
como não o é para nós. Há experiências de sofrimento que nos levam a questionar
até mesmo se vale à pena continuarmos vivendo, se vale à pena continuar na
missão que abraçamos, na fé que professamos, na função que desempenhamos. E
assim como fez Jesus, nós precisamos aprender a fazer: nos colocar diante do
Pai, na oração, e deixar que Ele nos torne conscientes a respeito da Sua
vontade para a nossa vida.
Jesus saiu da oração consciente de
quem ele era e de qual era a sua missão: “O Filho do Homem deve sofrer muito,
ser rejeitado... deve ser morto e ressuscitar no terceiro dia” (Lc 9,22). Prestemos
atenção à palavra “deve”. Existem sofrimentos que não são opcionais, mas fazem
parte do caminho que escolhemos trilhar. Se eu quiser salvar meu casamento,
recuperar meu filho, crescer como pessoa, me libertar, me santificar, se eu
quiser me salvar, “devo” lidar com essa cruz, devo enfrentar tal dor. Aqui se
revela a maturidade humana e espiritual de Jesus. Uma pessoa imatura procura
passar pela vida desviando-se do “devo” e orientando-se somente pelo “isso me
agrada”. Já uma pessoa madura sabe reconhecer qual é o momento em que não deve
se desviar do seu “devo”, porque ali está a sua oportunidade de ser fiel aos
valores que sustentam a sua vida e que dão sentido à sua existência.
O
Evangelho de hoje termina com uma advertência: “... quem quiser salvar sua
vida, vai perdê-la; e quem perder a sua vida por causa de mim, esse a salvará”
(Lc 9,24). Quem dirige a sua vida somente pelo “isso me agrada”, procurando
desviar-se de todo tipo de cruz, é como o arco de uma flecha que decidiu
livrar-se do cordão que o mantém curvado, ou seja, é uma pessoa incapaz de
atingir seus objetivos, pois eliminou a fonte da sua força interior. Por outro
lado, quem aceita perder, quem aceita enfrentar a dor, a cruz, o sofrimento é
como um arco que compreendeu a importância de ser curvado, pois é dali que sai
a sua força para lançar a flecha, atingindo, assim, o objetivo que Deus tem
para a sua vida.
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