quinta-feira, 17 de julho de 2014

O RESULTADO DA COLHEITA DEPENDE DO QUÊ?

Missa do 16º. dom. comum. Palavra de Deus: Sabedoria 12,13.16-19; Romanos 8,26-27; Mateus 13,24-30.36-43.

            Nós gostaríamos de nos sentir somente fortes, mas às vezes temos que nos deparar com a nossa fraqueza. Nós gostaríamos de nos ver somente como vencedores, mas às vezes temos que admitir que também somos perdedores. Nós desejaríamos ser somente santos, mas temos que reconhecer que também somos pecadores. Nós desejaríamos ser habitados somente pela luz, mas temos que reconhecer que também somos habitados pela sombra, pela escuridão. No campo do nosso coração, nós esperávamos encontrar somente trigo, mas nele também existe joio, como o Evangelho acabou de nos mostrar.
            Numa sociedade narcisista como a nossa, onde vivemos preocupados com a nossa imagem, onde gastamos tempo e dinheiro, além de energia física e emocional, para que os outros nos vejam fortes, belos, felizes, vencedores etc., Jesus “puxa o nosso tapete” e nos faz cair na real: ‘Reconheça o joio que há em você. Não ignore a presença do mal que habita também o seu coração, e não só o coração dos outros. Aprenda a dialogar com a sua sombra, pois ela faz parte de você’.
            “Senhor, não semeaste boa semente no teu campo? Donde veio então o joio?” (Mt 13,27). Esta é a pergunta que todo ser humano faz: de onde vem o mal? Se Deus existe e se Ele é bom, porque permite também a existência do mal? O filme “Malévola” trabalha questões semelhantes: O que faz com que uma pessoa boa se torna má? Existe possibilidade de uma pessoa má tornar-se boa? “Malévola” nos ensina que, por trás de toda pessoa má, existe sempre uma ferida, um amor que parecia verdadeiro, mas que se revelou como mentiroso, traidor.
   No campo do mundo em que vivemos, é nítido o aumento do joio e a diminuição do trigo. Sobretudo no Brasil, onde a impunidade fala mais alto do que a justiça, vamos nos convencendo de que “o crime compensa”: compensa ser joio, compensa ser desonesto(a) e corrupto(a). Além disso, a causa do aumento do joio também se encontra na desestruturação familiar. Muitas crianças, apesar de nascerem como boas sementes, aos poucos tornaram-se joio porque nunca fizeram a experiência de serem amadas de verdade. Elas crescem ferindo os outros porque estão repassando as feridas que sempre receberam dentro de casa.
  Contudo, aquilo que explica nem sempre justifica. Nós não somos o resultado do meio em que crescemos e nem do meio em que vivemos. Por trás da parábola do joio e do trigo está o mistério da liberdade humana. Dois filhos são criados pelos mesmos pais: um se torna dependente químico, o outro não. Duas crianças crescem no meio da violência de uma favela: uma se torna assassina, a outra não. As duas receberam os mesmos “estímulos”, vivenciaram a mesma pobreza, cresceram no mesmo ambiente, mas cada uma decidiu lidar de maneira diferente com aquilo que recebeu porque, como compreendeu Victor Frankl, nós não somos o resultado do que os outros fizeram conosco; nós somos o resultado do que decidimos fazer com aquilo que fizeram conosco.
  O joio e o trigo existem em todos os campos, assim como no coração de todo ser humano. A questão é: o que eu quero cultivar em mim? A tentação que temos é a de arrancar o joio de uma vez por todas (cf. Mt 13,28). Mas Jesus diz: “Não! (...) Deixai crescer um e outro até a colheita!” (Mt 13,30). Não se trata de eliminar da nossa vida a ferida, a doença, a dor, a sombra, a fraqueza, mas de entender o que elas estão querendo nos dizer. Não se trata de jogar pessoas fora da nossa vida só porque descobrimos que elas são falhas – quem de nós não o é? Não se trata de pensar em cometer suicídio, uma vez que não é correto nos identificar com a doença ou com o mal que está em nós. Nós somos mais do que eles.   
            Para quem não suporta reconhecer o joio que carrega dentro de si, talvez seja útil refletir nessas palavras de Oswaldo Montenegro: “Quantos defeitos sanados com o tempo eram o melhor que havia em você?” (Música A lista). Para quem não aceita reconhecer aquilo que Jung chama de “sombra” – tudo aquilo que rejeitamos em nós, e que, no entanto, faz parte de nós! – talvez seja bom pensar na fala de um homem que decidiu mudar de religião, justificando: “Na religião em que eu estava só me ensinavam a ser bom, mas eu preciso também dar vazão ao mal que existe em mim”. São palavras que chocam, mas que nos ajudam a reconhecer que trigo e joio habitam juntos o coração de todos nós.   
             Invoquemos o Espírito de Deus. Ele “vem em socorro da nossa fraqueza” (Rm 8,26). Somente Ele “penetra o íntimo dos corações” (Rm 8,27). Ele conhece o nosso joio e o nosso trigo. Ele pode nos ajudar a sermos mais tolerantes conosco mesmos e com as outras pessoas. Ele pode nos ensinar a trabalhar a favor do nosso amadurecimento, confiando que o joio nunca conseguirá sufocar o trigo, porque cada um de nós, cada ser humano, foi semeado no campo do mundo como uma boa semente de Deus!

                                                                                                                                                                             Pe. Paulo Cezar Mazzi

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