Missa
do 16º. dom. comum. Palavra de Deus: Sabedoria 12,13.16-19; Romanos 8,26-27;
Mateus 13,24-30.36-43.
Nós gostaríamos de nos sentir
somente fortes, mas às vezes temos que nos deparar com a nossa fraqueza. Nós
gostaríamos de nos ver somente como vencedores, mas às vezes temos que admitir
que também somos perdedores. Nós desejaríamos ser somente santos, mas temos que
reconhecer que também somos pecadores. Nós desejaríamos ser habitados somente
pela luz, mas temos que reconhecer que também somos habitados pela sombra, pela
escuridão. No campo do nosso coração, nós esperávamos encontrar somente trigo,
mas nele também existe joio, como o Evangelho acabou de nos mostrar.
Numa sociedade narcisista como a
nossa, onde vivemos preocupados com a nossa imagem, onde gastamos tempo e dinheiro,
além de energia física e emocional, para que os outros nos vejam fortes, belos,
felizes, vencedores etc., Jesus “puxa o nosso tapete” e nos faz cair na real:
‘Reconheça o joio que há em você. Não ignore a presença do mal que habita
também o seu coração, e não só o coração dos outros. Aprenda a dialogar com a
sua sombra, pois ela faz parte de você’.
“Senhor, não semeaste boa semente no
teu campo? Donde veio então o joio?” (Mt 13,27). Esta é a pergunta que todo ser
humano faz: de onde vem o mal? Se Deus existe e se Ele é bom, porque permite
também a existência do mal? O filme “Malévola” trabalha questões semelhantes: O
que faz com que uma pessoa boa se torna má? Existe possibilidade de uma pessoa
má tornar-se boa? “Malévola” nos ensina que, por trás de toda pessoa má, existe
sempre uma ferida, um amor que parecia verdadeiro, mas que se revelou como mentiroso,
traidor.
No campo do mundo em que vivemos, é
nítido o aumento do joio e a diminuição do trigo. Sobretudo no Brasil, onde a
impunidade fala mais alto do que a justiça, vamos nos convencendo de que “o
crime compensa”: compensa ser joio, compensa ser desonesto(a) e corrupto(a). Além
disso, a causa do aumento do joio também se encontra na desestruturação
familiar. Muitas crianças, apesar de nascerem como boas sementes, aos poucos
tornaram-se joio porque nunca fizeram a experiência de serem amadas de verdade.
Elas crescem ferindo os outros porque estão repassando as feridas que sempre
receberam dentro de casa.
Contudo, aquilo que explica nem sempre
justifica. Nós não somos o resultado do meio em que crescemos e nem do meio em
que vivemos. Por trás da parábola do joio e do trigo está o mistério da liberdade
humana. Dois filhos são criados pelos mesmos pais: um se torna dependente
químico, o outro não. Duas crianças crescem no meio da violência de uma favela:
uma se torna assassina, a outra não. As duas receberam os mesmos “estímulos”,
vivenciaram a mesma pobreza, cresceram no mesmo ambiente, mas cada uma decidiu lidar
de maneira diferente com aquilo que recebeu porque, como compreendeu Victor
Frankl, nós não somos o resultado do que os outros fizeram conosco; nós somos o
resultado do que decidimos fazer com aquilo que fizeram conosco.
O joio e o trigo existem em todos os
campos, assim como no coração de todo ser humano. A questão é: o que eu quero
cultivar em mim? A tentação que temos é a de arrancar o joio de uma vez por
todas (cf. Mt 13,28). Mas Jesus diz: “Não! (...) Deixai crescer um e outro até
a colheita!” (Mt 13,30). Não se trata de eliminar da nossa vida a ferida, a
doença, a dor, a sombra, a fraqueza, mas de entender o que elas estão querendo
nos dizer. Não se trata de jogar pessoas fora da nossa vida só porque
descobrimos que elas são falhas – quem de nós não o é? Não se trata de pensar
em cometer suicídio, uma vez que não é correto nos identificar com a doença ou
com o mal que está em nós. Nós somos mais do que eles.
Para quem não suporta reconhecer o
joio que carrega dentro de si, talvez seja útil refletir nessas palavras de
Oswaldo Montenegro: “Quantos defeitos sanados com o tempo eram o melhor que
havia em você?” (Música A lista). Para
quem não aceita reconhecer aquilo que Jung chama de “sombra” – tudo aquilo que
rejeitamos em nós, e que, no entanto, faz parte de nós! – talvez seja bom
pensar na fala de um homem que decidiu mudar de religião, justificando: “Na
religião em que eu estava só me ensinavam a ser bom, mas eu preciso também dar
vazão ao mal que existe em mim”. São palavras que chocam, mas que nos ajudam a reconhecer
que trigo e joio habitam juntos o coração de todos nós.
Invoquemos o Espírito de Deus. Ele “vem em
socorro da nossa fraqueza” (Rm 8,26). Somente Ele “penetra o íntimo dos
corações” (Rm 8,27). Ele conhece o nosso joio e o nosso trigo. Ele pode nos
ajudar a sermos mais tolerantes conosco mesmos e com as outras pessoas. Ele
pode nos ensinar a trabalhar a favor do nosso amadurecimento, confiando que o
joio nunca conseguirá sufocar o trigo, porque cada um de nós, cada ser humano,
foi semeado no campo do mundo como uma boa semente de Deus!
Pe. Paulo Cezar Mazzi
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