Missa
do 15º. dom. comum. Palavra de Deus: Isaías 55,10-11; Romanos 8,18-23; Mateus
13,1-23.
Você conhece algum “homem de palavra”
ou alguma “mulher de palavra”? Você confia na palavra das pessoas? Você é uma
pessoa de palavra, isto é, você sustenta aquilo que diz? Você vive de acordo
com aquilo que fala aos outros? Essas perguntas servem apenas para constatar
que existe hoje um grande descrédito em relação à palavra humana, um descrédito
tal que nós já não nos interessamos em ouvir o que os outros têm a nos dizer, assim
como também não nos preocupamos em sustentar o que dizemos.
Se a palavra humana está em
descrédito, Deus compara a verdade da sua Palavra com o efeito da chuva sobre a
terra: ela irriga, fecunda a terra e faz germinar a semente. Desse modo, Deus
afirma: “(...) a palavra que sair da minha boca... não voltará para mim vazia;
antes, (...) produzirá os efeitos que pretendi ao enviá-la” (Is 55,11). Do
mesmo modo, ao enviar o profeta Jeremias para anunciar a Palavra ao povo de
Israel, Deus afirma: “(...) eu estou vigiando sobre a minha palavra para
realizá-la” (Jr 1,12).
Ao comparar a Palavra de Deus com a
chuva (Isaías) ou com a semente (Jesus), a liturgia de hoje nos convida a
recobrar a confiança naquilo que Deus nos fala: sua Palavra tem o poder de nos
fazer passar da morte para a vida, de nos corrigir, nos converter, nos curar,
nos transformar e nos salvar. Contudo, a Palavra de Deus não é mágica: assim
como a semente só pode germinar se for acolhida pela terra, assim a Palavra
precisa da nossa colaboração para produzir seus efeitos em nós, e colaboração
significa: obedecer à Palavra, ajustar nossa vida, nosso comportamento de
acordo com o que Deus nos fala. Estamos dispostos a fazer isso?
Antes de a terra receber a semente, ela
precisa ser arada. “Arar” significa, de uma certa forma, “machucar” a terra. Às
vezes, nós estamos tão fechados à Palavra de Deus que é preciso que um arado
passe sobre o terreno do nosso coração, para que possamos receber a semente que
é a Palavra. É quando algo nos obriga a parar, a rever a nossa vida, a escutar
o que Deus está há tempos tentando nos dizer, mas nunca paramos para ouvi-Lo.
Santo Agostinho, São Francisco de Assis e Santo Inácio de Loyola só pararam para
ouvir Deus quando ficaram doentes...
O salmo que hoje meditamos afirma, a
respeito de Deus: “transborda a fartura onde passais, brotam pastos no deserto”
(Sl 65,12-13). Onde nós permitimos que a Palavra de Deus “passe”, isto é,
toque, questione, nos confronte com a sua verdade, ali ocorre uma
transformação. Mas essa transformação pode ser abortada por nós de duas
maneiras: ou não queremos que a Palavra mexa em determinada área da nossa vida,
do nosso comportamento, ou não temos paciência em esperar pelo processo de
transformação, o qual comporta o tempo da gestação e as dores do parto...
Jesus deixou claro que Deus semeia
sua Palavra em todos os tipos de terreno, porque Ele “quer que todos os homens sejam
salvos e cheguem ao conhecimento da verdade” (1Tm 2,4). Mas Ele respeita a
liberdade do coração humano. Ele entra onde nós permitimos. A semente da sua
Palavra respeita o tipo de terreno que há dentro de nós. Por isso, citando o
profeta Isaías, Jesus disse: “o coração deste povo se tornou insensível. Eles
ouviram com má vontade” (Mt 13,15). A expressão “coração insensível” também
pode ser entendida como “coração impermeabilizado”. Quantos de nós, ouvindo a
pregação da Palavra de Deus, nos “protegemos”, nos “defendemos” dela porque não
queremos mudar nossas atitudes?
“Eles ouviram de má vontade”. Nós
não sabemos ouvir. Nossos ouvidos estão sempre ocupados (fones). Além disso, no
momento em que Deus poderia nos falar na missa ou no culto, alguns estão distraídos
com o seu celular, jogando ou trocando mensagens, sem se dar conta de que por
trás disso está o maligno, roubando o que foi semeado em seu coração (cf. Mt
13,19). Nós nos tornamos superficiais: recebemos diariamente uma enxurrada de
informações e não aprofundamos nada. Como não nos aprofundamos na Palavra de
Deus, nossa fé varia de acordo com as circunstâncias: com a mesma intensidade
com que nos alegramos ao ouvir a Palavra no domingo, nos entristecemos ao nos
deparar com problemas ou dificuldades durante a semana, como se a nossa fé
fosse “bipolar” (cf. Mt 13, 20-21). Por fim, nós temos uma vida cheia: estamos
sempre ocupados em trabalhar, seja para sobreviver, seja para prosperar. Nossas
prioridades são o nosso estômago, os nossos bens materiais e o nosso lazer. Não
é prioridade nossa a escuta/meditação da Palavra de Deus (cf. Mt 13,22).
Apesar de todos esses obstáculos, existe em
cada um de nós um espaço de terra boa. Mais do que um lugar ou um espaço, a terra
boa é uma atitude de vida, atitude que consiste em ouvir, acolher a Palavra,
meditar sobre ela, deixar-se interpelar por ela, perguntar-se: O que Deus está
me dizendo por meio dessa Palavra? O que essa Palavra me faz dizer a Deus? A
Palavra não é um livro, um folheto, mas uma Pessoa que fala conosco. Confiemos
na força que a Palavra de Deus tem de converter e curar cada um de nós, uma conversão
e uma cura que se dão até onde permitimos que a Palavra penetre e permaneça em
nós. Respeitemos o tempo de gestação da semente. Não avaliemos nosso dia a dia
pelo que estamos conseguindo colher, mas, sobretudo, pelo que estamos semeando
e permitindo que a graça de Deus semeie em nós. Abramos espaço na terra do
nosso coração; acolhamos a semente da Palavra; reguemos o terreno com a nossa
oração diária e confiemos, aguardando pelo germinar/frutificar da Palavra em
nós.
Pe. Paulo Cezar Mazzi
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