quinta-feira, 20 de fevereiro de 2014

FILHOS DO AMOR OU FILHOS DA IRA?


Missa do 7º. dom. comum. Palavra de Deus: Levítico 19,1-2.17-18; 1Coríntios 3,16-23; Mateus 5,38-48.

            Todos nós somos atingidos diariamente pelo mal. É a notícia sobre um ato violento e injusto que chega a nós por algum meio de comunicação; é a atitude, o olhar ou a palavra de alguém que, em casa, ou na rua, ou na escola/faculdade ou no ambiente de trabalho fez com que nos sentíssemos prejudicados, injustiçados ou não amados. O fato é que todos os dias nós entramos em contato com o mal que há no mundo, e esse contato desperta em nós uma defesa instintiva, chamada ira.
            A ira, essa raiva intensa e profunda, embora seja vista como um sentimento negativo, pecaminoso, não aceito por Deus, é apenas um sentimento, e é bom lembrar que nós não escolhemos sentir. Se a ira surge dentro de nós é porque estamos diante de uma situação em que nos sentimos atacados, feridos, injustiçados, e a ira é a forma que temos de nos defender do mal que estamos sofrendo. A questão, portanto, não é se podemos ou não sentir ira, mas como lidamos com ela.
            Se eu vejo uma imagem de violência na televisão ou na internet, instintivamente a minha ira deseja que a pessoa que cometeu tal violência beba do seu próprio veneno: se ela ateou fogo em alguém, que seja ateado fogo nela também; se ela estuprou, torturou e matou alguém, que seja também estuprada, torturada e morta. Toda vez que eu vejo ou sofro uma injustiça, a minha ira grita: “olho por olho e dente por dente!” (Mt 5,38). No entanto, diante da atitude instintiva da nossa ira, a Escritura nos aconselha: “Irai-vos, mas não pequeis: não se ponha o sol sobre a vossa ira, nem deis lugar do diabo” (Ef 4, 26-27). Em outras palavras, eu tenho o direito de sentir ira – isso não é escolhido por mim! – mas não devo dar à ira o poder de determinar as minhas atitudes, levando-me a pecar. Antes que o dia termine, eu preciso reconhecer a ira que possivelmente tenha se alojado dentro de mim e dar-lhe uma direção construtiva, para que o diabo não passe a morar dentro de mim através da minha ira.
             Eis, portanto, o conselho de Jesus: “Não enfrenteis quem é malvado!” (Mt 5,39). Não caiamos no erro de nos tornar injustos com a desculpa de que estamos combatendo as injustiças que existem à nossa volta; não nos tornemos maldosos com a justificativa de que estamos tentando eliminar o mal que existe em nossa sociedade. O mal não é eliminado com o mal, mas com o bem. Você tem o direito de se defender de quem lhe faz mal, mas não permita que o mal passe a ser a sua nova identidade para sobreviver neste mundo.  
             Jesus nos lança um desafio: “Amai vossos inimigos e rezai por aqueles que vos perseguem! Assim vos tornareis filhos do vosso Pai que está nos céus, porque ele faz nascer o sol sobre maus e bons e faz chover sobre justos e injustos” (Mt 5,44-45). Em que sentido somos desafiados a amar nossos inimigos? No sentido de entender que o nosso amor não pode estar condicionado àquilo que as pessoas nos fazem: se elas forem boas para nós, seremos bons para elas; se elas falarem conosco, falaremos com elas. São os pagãos que agem assim! Mas nós, cristãos, podemos dar um passo a mais e tomar a decisão de amar.
            Quando você se pergunta se vale a pena amar, não olhe para as pessoas, para verificar se elas merecem ou não seu amor; olhe para Deus: quando Ele decide espalhar pela terra a luz do sol ou derramar sobre ela a bênção da chuva, não olha quem naquele momento merece receber o sol ou a chuva. Deus ama porque decidiu amar, e não porque Seu amor é reconhecido e correspondido na mesma medida pela humanidade. A questão, portanto, que Jesus coloca é saber de quem você realmente é filho(a); de quem você escolhe ser filho(a): de Deus ou do maligno?
Se você escolhe viver como filho(a) de Deus, Jesus te lança um outro desafio: “Seja perfeito como o seu Pai celeste é perfeito!” (citação livre de Mt 5,48). A perfeição à qual Jesus se refere é no sentido de aperfeiçoamento. É um convite a você fazer um caminho espiritual, por meio do qual as arestas do seu egoísmo vão sendo aparadas e você vai aperfeiçoando o seu amor pelas pessoas, de modo que ele se torne cada vez mais capaz de gratuidade. 
Quando é que o nosso amor torna-se perfeito como o do nosso Pai celeste? Quando compreendemos que “não há amor sem dor” (Pe. Júlio Lancelotti, citando Edith Stein). Por que muitas pessoas deixaram de amar depois que chegou a dor na vida delas? Porque reduziram seu amor a um sentimento que só sobrevivia se experimentasse prazer ou alegria. Só quem compreende que amar é uma decisão e não apenas um sentimento pode ter no coração um amor que não apenas sobreviva à dor, mas que, também por meio dela, se torne maduro, perfeito, gratuito, como é o amor de Deus em relação a cada ser humano. 
                       
                                         Pe. Paulo Cezar Mazzi


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