quinta-feira, 31 de julho de 2025

O FIO DE OURO QUE NOS ADOECE E NOS ESCRAVIZA: A GANÂNCIA

Missa do 18º dom. comum. Palavra de Deus: Eclesiastes 1,2.2,21-23; Colossenses 3,1-5.9-11; Lucas 12,13-21.

 

            Inúmeras famílias estão sendo arruinadas por causa das “Bets” (apostas) eletrônicas. Há diversos casos de suicídio, porque a pessoa viciou no jogo e foi se afundando cada vez mais em dívidas; há casais que se divorciaram, porque o marido viciou no Jogo do Tigrinho e se endividou; há também casos trágicos, como o de uma professora de Belo Horizonte (MG) que recentemente foi morta pelo próprio filho, o qual estava endividado. Enquanto famílias estão sendo destruídas pelo vício em jogos de aposta on line, os donos das casas de aposta estão ficando cada vez mais milionários, pois os jogos de azar são programados para que a casa de aposta sempre ganhe. Há diversos vídeos no You Tube nos conscientizando a respeito disso. Deixo aqui apenas dois exemplos: https://www.youtube.com/live/T5Tsy_Ln4n4 (A Banca sempre ganha) e https://www.youtube.com/watch?v=kNUUwEXLVCM (A BET nunca perde).

             Num país de profunda desigualdade social como o nosso, onde os salários de políticos e juízes são astronômicos, enquanto a grande maioria dos trabalhadores brasileiros tem que sobreviver com salários em torno de R$ 2 mil reais ou de R$ 3 mil reais, é mais do que compreensível que a promessa enganadora de ganhar dinheiro com apostas on line seduza fortemente as pessoas. Além disso, a propaganda de consumo leva as pessoas a perderem a noção entre o essencial e o supérfluo, de modo que muitas dívidas são contraídas não porque a pessoa busca suprir suas necessidades básicas, mas porque se sente um “nada”, uma fracassada, quando se compara com outras pessoas que, nas suas redes sociais, ostentam o seu poder de consumo.

            Diante da grande ilusão de que o dinheiro é a solução de todos os nossos problemas, Jesus nos faz esse alerta: “Atenção! Tomai cuidado contra todo tipo de ganância, porque, mesmo que alguém tenha muitas coisas, a vida de um homem não consiste na abundância de bens” (Lc 12,15). Jesus é muito claro: “todo tipo de ganância”. A ganância não está presente só no coração dos ricos, mas também no coração dos pobres. Ela sempre foi e sempre será uma tentação na vida de qualquer pessoa. É ela quem corrompe governantes, políticos, juízes, advogados, policiais, empresários, médicos, etc. É ela que implanta em nós um vírus perigoso, chamado cobiça. Segundo o apóstolo Paulo, a cobiça “é idolatria” (Cl 3,5), ou seja, ela nos faz dar prioridade aos bens materiais em detrimento dos bens espirituais; ela tira Deus do centro da nossa fé e coloca o dinheiro no lugar d’Ele. A consequência disso é a perda de sentido de vida. Já está comprovado que o índice de suicídio é muito mais alto nos países ricos do que nos países pobres. Quando Deus deixa de ser o centro do coração humano, o vazio existencial se torna tão grande que dinheiro algum consegue preenchê-lo.  

            Na parábola que Jesus nos conta fica muito claro que a ganância e a cobiça fecham a pessoa em si mesma e a tornam indiferente às necessidades dos outros seres humanos. O homem da parábola não enxerga ninguém, além de si mesmo: “Vou derrubar meus celeiros e construir maiores; neles vou guardar todo o meu trigo, junto com os meus bens. Então poderei dizer a mim mesmo: Meu caro, tu tens uma boa reserva para muitos anos. Descansa, come, bebe, aproveita!” (Lc 12,18-19). Portanto, o que condena uma pessoa perante Deus não é a quantidade de dinheiro que ela possui, mas o seu fechamento em si mesma e a sua indiferença para com os outros que têm menos do que ela, principalmente quando a sua riqueza é consequência dos baixos (e injustos) salários que ela paga aos seus funcionários.

            Para aqueles que investem o melhor de suas energias na busca de se tornarem ricos e, ilusoriamente, garantirem um futuro tranquilo para si e para os seus, Jesus tem algo simples e direto a dizer: “Vocês são loucos!” (cf. Lc 12,20). ‘Vocês abriram mão da liberdade interior para se tornarem escravos do consumismo. Vocês se sentem seguros acumulando dinheiro e não se dão conta de que a vida de vocês terminará muito antes do que imaginam, e vocês mesmos não desfrutarão do que acumularam. Vocês não se dão conta de que vazio não se preenche com vazio. Ostentar riqueza é vaidade, e vaidade significa vazio. Investir o dinheiro de vocês apenas em função dos seus prazeres mundanos, sem se preocuparem com a desigualdade social, os impedirá de entrarem no Reino de meu Pai, pois o destino de quem deu prioridade em buscar as coisas da terra ao invés das coisas do alto é ser enterrado, e não ser levado ao céu (cf. Lc 16,22)’.    

            Hoje, portanto, cada um de nós precisa se perguntar: como eu lido com a minha vida financeira? O quanto de liberdade interior ainda me resta, diante dos apelos da propaganda de consumo? Quanto tempo eu perco e quanto mal eu faço a mim mesmo(a) vendo postagens nas redes sociais de pessoas vazias ostentando o próprio vazio? Quanto do meu ganho mensal eu “invisto” em ajudar alguma entidade beneficente ou uma pessoa/família necessitada? Eu também estou entre aqueles que se encontram adoecidos pelo vício dos jogos de aposta on line? Eu aprovo que meu time de futebol seja patrocinado por alguma BET, cuja ganância está destruindo inúmeras famílias no Brasil?  

            Que o Senhor, nosso Deus, tenha misericórdia de nós e nos arranque das mãos de todo e qualquer tipo de ganância. A Ele pedimos, junto com o salmista: “Ensinai-nos a contar os nossos dias, e dai ao nosso coração sabedoria! Que a bondade do Senhor e nosso Deus repouse sobre nós e nos conduza! Tornai fecundo, ó Senhor, nosso trabalho” (Sl 90,12.17).

 

Pe. Paulo Cezar Mazzi   

  

quinta-feira, 24 de julho de 2025

A ORAÇÃO É O OXIGÊNIO DA NOSSA FÉ.

 Missa do 17º dom. comum. Palavra de Deus: Gênesis 18,20-32; Colossenses 2,12-14; Lucas 11,1-13.

 

            O tema central da nossa liturgia de hoje é a Oração. Na primeira leitura, temos a oração de intercessão de Abraão; no Evangelho, a oração de Jesus; no Salmo a oração do salmista: “Naquele dia em que gritei (na oração), vós me escutastes e aumentastes o vigor da minha alma” (Sl 138,3).

            A primeira coisa que precisamos recordar, a respeito da oração, é que ela não é algo espontâneo em nós. Espontâneo é comer quando estamos com fome, dormir quando estamos cansados etc. Em outras palavras, a oração nunca surge em nós como uma necessidade, embora nós necessitemos dela absolutamente, pois o próprio Jesus afirmou: “Sem mim, nada podeis fazer” (Jo 15,5). Rezar não é uma questão de sentir vontade de fazê-lo ou de ter tempo para fazê-lo, mas uma questão de disciplina, isto é, de educar-se para, todos os dias, escolher um horário e um local para se colocar na presença de Deus, como fazia Jesus; como fez Abraão: “Abraão ficou na presença do Senhor” (Gn 18,22).  

            Nós somos seres necessitados. É normal que, na oração, apresentemos a Deus nossas necessidades. No entanto, a oração de Abraão pela salvação das cidades de Sodoma e de Gomorra nos convida a rezar não unicamente por nós mesmos e por aqueles que amamos, mas também pela salvação da humanidade. Outra coisa importante que aparece na oração de Abraão: pessoas justas, isto é, que procuram viver segundo a vontade de Deus, podem salvar pessoas injustas, que fazem mal a si mesmas e ao mundo. Se em Sodoma e Gomorra Deus encontrasse dez pessoas justas, Ele pouparia tais cidades da destruição. Para todos aqueles que abandonaram a vontade de se tornarem pessoas ajustadas à vontade de Deus, achando que isso de nada adianta, a oração de Abraão deixa claro que o comportamento justo de uma pessoa pode salvar da destruição o ambiente em que ela se encontra.

            Da oração de Abraão passamos para a de Jesus. “Jesus estava rezando num certo lugar. Quando terminou, um de seus discípulos pediu-lhe: ‘Senhor, ensina-nos a rezar’” (Lc 11,1). Todos nós precisamos reaprender a rezar. A oração é um desafio para qualquer pessoa, seja porque ela nos obriga a entender que jamais poderemos usá-la para manipular Deus e dobrá-lo aos nossos interesses, seja porque seja porque ela nos ensina que nós não somos autossuficientes: ou nos colocamos todos os dias nas mãos de Deus, ou não chegaremos a lugar nenhum com nossos próprios esforços. Além disso, a principal coisa a aprender na oração é que ela só nos transforma quando saímos dela dispostos a fazer a vontade de Deus.

            Quando nos colocamos em oração, nos colocamos na presença do “Deus escondido” (Is 45,15), o Deus que não podemos ver, nem tocar e nem sentir. E só há uma forma de não desistirmos de estar na Sua presença: nos lembrar das palavras da carta aos Hebreus – “Aquele que procura a Deus deve crer que ele existe e que recompensa aqueles que o procuram” (Hb 11,6). Quem verdadeiramente reza nunca sairá da oração de mãos vazias. Isso não significa que Deus nos dará tudo o que pedimos na oração, mas Ele nos dará tudo o que necessitamos naquele momento para vivermos segundo a sua vontade. Portanto, não nos esqueçamos: na oração, o Pai não dá ao filho o que ele quer, mas o que ele precisa, sobretudo em vista da sua própria salvação.

            Pelo simples fato de que a oração nunca será uma forma automática e imediata de resolvermos os nossos problemas e termos os nossos desejos atendidos por Deus, Jesus nos fala da importância de perseverarmos na oração: “Pedi e recebereis; procurai e encontrareis; batei e vos será aberto” (Lc 11,9). Toda e qualquer oração terá que passar pela provação da espera. Recordemos mais uma vez: por mais que uma oração seja movida por uma fé autêntica e sincera, ela não tem poder de forçar Deus a agir em favor da pessoa. Quem não aprendeu a esperar em Deus e suportar as suas demoras sempre acabará por desistir de rezar. Por isso, como disse um homem de Deus, “a oração errada é aquela que você nunca fez”. Muitos desistiram de rezar, de pedir, de procurar e de bater à porta.   

            Segundo Jesus, uma coisa é fundamental para a nossa oração: confiar no cuidado e no amor do Pai por nós, seus filhos. Ele nunca nos daria algo inútil (uma pedra), quando lhe pedimos algo extremamente necessário (um pão), segundo a versão da oração em Mt 7,9; Ele nunca nos daria um escorpião (algo ruim), quando lhe pedimos um ovo (algo bom). Mas aqui entra um problema: o que Deus entende por bom? Toda pessoa que reza já se decepcionou ou um dia se decepcionará profundamente com Deus, pois Ele nem sempre nos concede aquilo que lhe pedimos. Quantos pais pediram a Deus a cura para seus filhos, mas suas orações não foram atendidas? Pediram algo bom: a preservação da vida do filho, mas Deus permitiu algo ruim: a morte do filho.  

            Se não quisermos abandonar a oração como algo completamente inútil e sem sentido, precisamos aceitar que o Deus a quem oramos é mistério; Ele tem propósitos que nos escapam. Além disso, jamais podemos reduzir a nossa fé à vida deste mundo; o que Deus tem para nós vai muito além desta vida terrena e passageira. Enquanto nós oramos mantendo os olhos nas necessidades do aqui e do agora, Deus tem os Seus olhos voltados para a nossa salvação, para a vida eterna, para o seu Reino. Se para nós, é imprescindível a cura física de uma pessoa, para Ele é imprescindível a salvação dessa mesma pessoa. Portanto, cada “não” de Deus à nossa oração é um convite a confiar no Seu amor e no Seu cuidado para conosco. Sem essa confiança, todos nós um dia desistiremos da oração.

            Para terminar, não nos esqueçamos: Jesus não apenas nos ensinou a rezar, através da oração do Pai Nosso, mas nos ensinou também que aquilo de que mais necessitamos e que jamais deve ser esquecido de ser pedido na oração de cada dia é o Espírito Santo: “o Pai do Céu dará o Espírito Santo aos que o pedirem!” (Lc 11,13).

 

Pe. Paulo Cezar Mazzi   

 

sexta-feira, 18 de julho de 2025

JESUS PRESENTE, MAS NÓS AUSENTES.

 Missa do 16º. Dom. comum. Palavra de Deus: Gênesis 18,1-10a; Colossenses 1,24-28; Lucas 10,38-42.

 

Quem de nós não gostaria de receber a visita de Jesus em sua própria casa? Na verdade, essa visita acontece sempre. Jesus visita a nossa história de vida todos os dias, mas nós não nos damos conta disso, na maioria das vezes. A grande ironia é esta: Jesus visita a nossa casa interior todos os dias, mas nós, estranhamente, não estamos em casa! Por quê? Porque não cultivamos nossa vida interior; porque acontece conosco a mesma experiência que Santo Agostinho vivenciou: “Eu te procurava fora, e o Senhor estava dentro de mim!”.

Antes de nos debruçarmos sobre a visita de Jesus na casa de Marta e de Maria, vamos olhar para outra visita, a que aconteceu na tenda de Abraão. Era a hora mais inadequada possível, “no maior calor do dia”, e Abraão “estava sentado à entrada da sua tenda”, quando viu três homens passando. Para nós, cristãos, não é difícil identificar esses três homens como sendo o Pai, o Filho e o Espírito Santo. De fato, Deus estava ali, naqueles três homens, mas Abraão não o sabia! O mais importante é a solidariedade de Abraão com aqueles três viajantes: se aproxima deles, os convida a sentar e lhes prepara uma refeição, antes que prossigam a viagem.

Diferente de Abraão, nós estamos cada vez mais voltados para nós mesmos, incapazes de nos dar conta daqueles que cruzam o nosso caminho, ocupados demais conosco mesmos e com as nossas tarefas, de modo que até agradecemos a Deus quando ninguém aparece para nos importunar, para pedir nossa ajuda e interromper o que estamos fazendo. É por isso que não reconhecemos as ocasiões em que Deus nos visita. O Deus que nós buscamos na Igreja, no sábado ou no domingo, nos visita durante a semana nas ocasiões mais rotineiras do nosso dia a dia, e tal visita acontece por meio de pessoas que cruzam o nosso caminho...

A gratuidade e a generosidade de coração de Abraão para com aqueles três viajantes teve como recompensa a cura da esterilidade de Sara: “Onde está Sara, tua mulher?” “Está na tenda”, respondeu ele. E um deles disse: “Voltarei, sem falta, no ano que vem, por este tempo, e Sara, tua mulher, já terá um filho” (Gn 18,9-10). Muitas curas e muitos milagres não acontecem conosco porque vivemos em volta do nosso umbigo, sem nos importar com pessoas que precisam de nós, sem termos tempo para estar com o outro. A nossa esterilidade só pode ser curada quando nos esquecemos de nós e nos damos aos outros, gratuitamente, sem esperar por retorno ou recompensa de qualquer tipo, inclusive espiritual.  

Olhemos agora para a casa de Marta e de Maria. Quem recebe Jesus na casa é Marta, mas quem se senta aos pés dele é Maria, enquanto Marta continua ocupada com os seus muitos afazeres. Não há dúvida de que todos nós nos vemos em Marta. Somos pessoas constantemente ocupadas; mais do que isso, preocupadas. A tecnologia, que chegou prometendo facilitar a nossa vida, nos colocou a todos no modo “fast”, isto é, “rápido”. Estamos sempre correndo e queremos que as coisas se resolvam rapidamente. Há, em cada um de nós, uma agitação interior que não descansa. Essa agitação atrapalha a nossa vida de oração. Diferente de Maria, não encontramos tempo para nos sentar aos pés do Senhor e ouvir a sua Palavra. E mesmo quando o fazemos, podemos até estar fisicamente na presença dele, mas o nosso coração está ocupado demais com nossas preocupações, para que possamos ouvi-lo.

Enquanto Marta representa a pessoa que vive no piloto automático, Maria nos aponta para a pessoa que decidiu sair do modo “automático” e viver o momento presente, sem consumir-se de culpa pelo passado ou de ansiedade pelo futuro. Jesus é aquele que está presente, e nós só podemos encontrá-lo quando nos colocamos no presente. “Maria escolheu a melhor parte” (Lc 10,42). Maria escolheu estar presente diante daquele que se fez presente em sua casa. O contrário de viver consumido pelo modo “piloto automático”, é usar a nossa liberdade para fazer escolhas e tomar decisões que nos levem a dar prioridade ao que é essencial, ao mais necessário, ao invés de nos perdemos nas inúmeras solicitações que o mundo coloca diariamente diante de nós.

O filósofo Blaise Pascal (1623-1662) afirmou que “todos os problemas do homem surgem porque ele não consegue se sentar sozinho em um cômodo e permanecer em silêncio”. Por que essa atitude é importante? Porque Jesus é Presença e Palavra, e somente quando entramos num cômodo da nossa casa interior e silenciamos é que podemos encontrá-lo. Abramo-nos, pois, ao seu convite: “Eis que estou à porta e bato: se alguém ouvir minha voz e abrir a porta, entrarei em sua casa, cearei com ele, e ele comigo” (Ap 3,20-21).

 

Pe. Paulo Cezar Mazzi

sexta-feira, 4 de julho de 2025

O SAMARITANO, MODELO DO VERDADEIRO DISCÍPULO DE JESUS

 Missa do 15º dom. comum. Palavra de Deus: Deuteronômio 30,14-18; Colossenses 1,15-20; Lucas 10,25-37.

 

            “Mestre, que devo fazer para receber em herança a vida eterna?” (Lc 10,25). Quem hoje procura por Jesus interessado na vida eterna? Grande parte das pessoas que creem, incluindo nós, procura por Jesus para questões da vida aqui e agora. Portanto, a pergunta desse homem, a respeito da vida eterna, por si só nos questiona: a vida eterna é uma saudável e necessária preocupação para nós? Aqui vale o alerta do apóstolo Paulo: “Se temos esperança em Cristo somente para esta vida, somos os mais dignos de compaixão de todos os homens” (1Cor 15,19).

            Segundo Jesus, a vida eterna, sinônimo de salvação, se alcança a partir dos dois principais mandamentos da Lei de Deus: Amá-lo de todo o coração e amar o próximo como a nós mesmos. Aqui cabem outros dois questionamentos: 1. A nossa relação com Deus é pautada no amor, ou no medo e na necessidade? Em outras palavras, nós buscamos a Deus, na oração pessoal e na celebração da missa, porque O amamos ou porque temos medo de que, se não o fizermos, as situações vão piorar, ou ainda porque necessitamos que Ele nos faça algo ou nos conceda algo? 2. Como anda o nosso amor ao próximo, em tempos de individualismo, de fechamento e de indiferença para com o outro?

            A pergunta que o homem faz a Jesus é muito válida para nós também: “E quem é o meu próximo?” (Lc 10,29). A resposta mais “natural” a essa pergunta seria afirmar que todo ser humano é o nosso próximo. Mas as coisas não são tão simples assim. Já na época de Jesus, o conceito de “próximo” havia sofrido múltiplas restrições: os judeus se abriam somente aos estrangeiros simpatizantes do judaísmo; os fariseus excluíam do seu amor os pecadores e samaritanos; os essênios faziam o mesmo com os que eles consideravam “filhos das trevas”. Hoje, o conceito de “próximo” está ferido pela polarização, de modo que não apenas nos sentimos dispensados de amar quem pensa diferente de nós, mas nos damos ao direito de até mesmo odiá-lo.

            Jesus responde à pergunta sobre o próximo através da conhecida “parábola do bom samaritano”. A atitude do sacerdote e do levita, que veem o homem caído e ferido, mas seguem adiante, pelo outro lado, é a nossa atitude moderna de ver os acontecimentos e dizer que “não temos tempo, não nos diz respeito, é problema das autoridades, há instituições encarregadas disso, são preguiçosos” (Pe. Nilo Luza). Além disso, todo o mundo vive correndo, com pressa. Quem enxerga o outro? Como enxergar alguém ao nosso lado, se os nossos olhos estão constantemente olhando para a tela do celular? Nós alegamos não ter tempo para nos envolver com questões sociais, mas perdemos tempo nos interessando por futilidades nas redes sociais...

            O que Jesus espera de nós, seus discípulos, é a sensibilidade do samaritano: “Chegou perto dele, viu e sentiu compaixão. Aproximou-se dele e fez curativos, derramando óleo e vinho nas feridas” (Lc 10,33-34). Como ficará claro no final da parábola, o samaritano “usou de misericórdia” para com o homem ferido. Ter atitude de misericórdia, segundo a concepção bíblica, é amar o próximo. A questão, portanto, não é afetiva, mas efetiva; não se trata de sentir afeto pela pessoa do outro, mas de deixar-se afetar pelo seu sofrimento, aproximar-se dele e oferecer a ajuda que está ao nosso alcance.

            Ao colocar o samaritano como modelo de todo discípulo seu, Jesus nos ensina que a principal pergunta a inquietar a nossa consciência e o nosso coração não é: “Quem é o meu próximo?”, mas “De quem estou sendo chamado(a) a me fazer próximo(a), neste momento?”. De quem você precisa se fazer próximo(a) neste momento? Do seu companheiro de trabalho? Da sua vizinha? Do seu cônjuge? Dos seus filhos? Dos seus pais? Dos seus avós? Na sua exortação apostólica “A alegria do amor”, o Papa Francisco afirmou que “a família foi desde sempre o ‘hospital’ mais próximo. Prestemo-nos cuidados, apoiemo-nos e estimulemo-nos mutuamente, e vivamos tudo isto como parte da nossa espiritualidade familiar” (AL, n.322).

Para cuidar daquele homem ferido, o bom samaritano precisou perder tempo, esquecer-se de si e dos seus afazeres. O próximo é assim: alguém que me recorda que o mundo não gira em torno de mim, dos meus problemas, projetos e necessidades. Escutemos a voz de Deus em nossa consciência e em nosso coração, para sabermos de quem somos chamados a nos fazer próximos, neste momento da nossa vida. Permitamos que Jesus nos ajude a enxergar a vida para além das nossas preocupações, dos nossos interesses, vendo aqueles que estão feridos e caídos à nossa volta e nos fazendo próximos deles. Deixemos com que o Espírito Santo desperte a força da compaixão dentro de nós, para que saibamos reagir com misericórdia quando, no caminho da vida, cruzarmos com alguém que está sofrendo.

 

Pe. Paulo Cezar Mazzi

quinta-feira, 3 de julho de 2025

NOSSA MISSÃO: SER PRESENÇA QUE CONSOLA

 Missa do 14º. dom. comum. Palavra de Deus: Isaías 66,10-14; Gálatas 6,14-18; Lucas 10,1-12.17-20

           

            “O Senhor escolheu outros setenta e dois discípulos e os enviou dois a dois, na sua frente, a toda cidade e lugar aonde ele próprio devia ir” (Lc 10,1). O envio dos 72 discípulos fala da missão de cada um de nós. No dia a dia, a vida sempre nos coloca junto de pessoas. Embora isso pareça casual, não é; nós estamos junto dessas pessoas para ser ali a presença do próprio Jesus! Se há muitos que não sentem a presença de Deus é porque grande parte dos cristãos não encontra mais tempo, nem motivação, para se colocar junto das pessoas que precisam de consolação.

            Através do profeta Isaías, Deus prometeu fazer chegar ao povo de Israel a Sua consolação. Essa consolação é comparada ao leite que sai do seio da mãe que amamenta o filho; ela também é expressa na atitude de tomar a criança no colo, sentá-la sobre os joelhos e acariciá-la. Em outras palavras, para consolar, é preciso se fazer presente; é preciso esquecer-se por um tempo para dedicar tempo ao outro; é preciso deixar de lado o celular para se colocar junto da pessoa que precisa ser consolada. Na verdade, quando saímos de nós mesmos e dedicamos tempo para estar junto de uma pessoa que se encontra desolada, não é somente ela que recebe consolação; nós saímos da presença dela consolados também, pois “há mais alegria em dar do que em receber” (At 20,35).           

            Ao enviar os 72 discípulos para junto das pessoas que deveriam receber a alegria do Evangelho, Jesus disse: “A messe é grande, mas os trabalhadores são poucos. Por isso, pedi ao dono da messe que mande trabalhadores para a colheita” (Lc 10,2). Sempre foram poucas as pessoas que se dispõem a ajudar, mas essa falta de “consoladores”, de cristãos missionários, se agravou muito hoje, não só por causa do individualismo, mas também do comodismo e da indústria do entretenimento: ficar em casa assistindo séries ou jogando fecha as pessoas em si mesmas e as mantém afastadas daqueles que necessitam de uma presença consoladora.   

“Em qualquer casa em que entrardes, dizei primeiro: ‘A paz esteja nesta casa!’” (Lc 10,5). Na maior parte das casas não existe paz, mas conflito; quando não, solidão, tristeza e sensação de desamparo. Por outro lado, o acesso às casas das pessoas está cada vez mais restrito, por questão de segurança. Jesus nos provoca a romper com o fechamento e o distanciamento, e a criar formas de nos aproximar das pessoas. Se “Cristo é a nossa paz” (Ef 2,14) é porque Ele derrubou o muro da separação entre as pessoas e construiu a ponte da reaproximação. Sempre que nos esforçamos em ser ponte, nós geramos paz no coração das pessoas. Também a oração de São Francisco nos incentiva a sermos instrumentos da paz: “Onde há ódio, que eu leve o amor; onde há tristeza, que eu leve alegria; onde há desespero, que eu leve a esperança...”.

“Os setenta e dois voltaram muito contentes, dizendo: ‘Senhor, até os demônios nos obedeceram por causa do teu nome’” (Lc 10,17). Sempre que vivemos com fidelidade a missão que somos, nos colocando junto das pessoas que precisam da consolação que vem de Cristo, os demônios vão embora: o demônio da tristeza, da solidão, do sentimento de nada valer; o demônio que divide, separa e alimenta conflito; o demônio da falta de diálogo, de perdão e de reconciliação... Falta-nos confiar nas palavras de Jesus: “Eu vos dei o poder de pisar em cima de cobras e escorpiões e sobre toda a força do inimigo” (Lc 10,19). O veneno do mal não tem poder sobre quem vive na obediência a Jesus e ao seu Evangelho. O óleo da unção do Espírito Santo não permite que o maligno nos agarre e nos mantenha presos em suas mãos.

Enfim, que o envio dos 72 discípulos nos recorde mais uma vez o convite do Papa Francisco a toda a nossa Igreja: “Saiamos, saiamos para oferecer a todos a vida de Jesus Cristo! Se alguma coisa nos deve santamente inquietar e preocupar a nossa consciência é que haja tantos irmãos nossos que vivem sem a força, a luz e a consolação da amizade com Jesus Cristo, sem uma comunidade de fé que os acolha, sem um horizonte de sentido e de vida” (Papa Francisco, A alegria do Evangelho, n.49).

 

Pe. Paulo Cezar Mazzi