Missa de Cristo, Rei do Universo. Palavra de Deus: 2Samuel 5,1-3; Colossenses 1,12-20; Lucas 23,35-43.
Hoje
se dá o enceramento do ano litúrgico. Cada celebração dele nos ensina que a
nossa vida neste mundo, marcada pelo tempo cronológico, está inserida num tempo
maior, que nos ultrapassa, o tempo chamado “kairós”, palavra grega que
significa “o momento certo” ou “o tempo oportuno”, tempo onde Deus realiza a
sua salvação na vida de cada um de nós. Esse tempo de Deus tem como horizonte
final restaurar todas as coisas em seu Filho Jesus Cristo. Uma vez que “tudo
foi criado por meio dele (Cristo) e para ele” (Ef 1,16), Deus Pai “quis habitar
nele com toda a sua plenitude e por ele reconciliar consigo todos os seres, os que estão na terra e no
céu, realizando a paz pelo sangue da sua cruz” (Ef 1,19-20).
Existe
uma afirmação bíblica que nos deixa desconcertados, quando proclamamos que Jesus
Cristo é o rei do universo: “O mundo inteiro está sob o poder do Maligno” (1Jo
5,19). João, ao afirmar isso, está dizendo que todos aqueles que não aceitam
livremente se colocar debaixo do domínio de Cristo (obediência ao seu
Evangelho), acabam sofrendo uma dominação imposta pelo Maligno. Ora, o Maligno
é o divisor: aonde ele exerce o domínio, cria conflito. Esse conflito se
encontra no coração de muitas pessoas e igualmente em muitas famílias e locais
de trabalho. Somente quando deixamos os sentimentos de Jesus (cf. Fl 2,5) reinarem
sobre nós é que podemos nos beneficiar da reconciliação que o Pai nos oferece,
reconduzindo-nos à Sua paz.
A
leitura de Samuel 5,1-3 nos fala do momento em que todo o país de Israel decide
se colocar sob o senhorio de Davi, reconhecendo-o como rei. Até então, Israel
era dividido entre reino do norte e reino do sul, uma divisão que sempre prejudicou
a vida das pessoas e enfraqueceu o país na sua política, na sua economia e também
na sua religião. Quando o rei Davi unificou o país, os israelitas voltaram a ter
paz. Davi foi “um homem segundo o coração de Deus” (cf. 1Sm 13,14). Mas, no
auge do seu reinado, não dominou os seus desejos e cometeu adultério, tentando
depois escondê-lo de todos, a ponto de mandar matar a esposo da adúltera (cf. 2Sm
11 – 12). A partir desse momento, Davi recebeu o anúncio da futura divisão do
reino que ele tanto lutou para unificar.
O
sucesso e o fracasso do rei Davi nos ensinam que nenhum homem pode pretender
ser rei, isto é, exercer domínio sobre pessoas ou situações, quando ele não
sabe dominar a si mesmo. O contrário do domínio sobre si é aquilo que
assistimos na vida política do mundo: escândalos sexuais e financeiros. Os
roubos bilionários, que às vezes são descobertos, têm uma ligação direta com a
vida promíscua de políticos e empresários corruptos.
Se
o rei Davi traiu a sua identidade de “homem segundo o coração de Deus”, Jesus é
verdadeiramente o Filho segundo o coração do Pai. Sendo verdadeiramente homem, ele
escolheu viver longe dos centros de poder, tanto político quanto religioso.
Embora tenha vindo para libertar o ser humano de todo tipo de domínio injusto,
doentio e destrutivo, Jesus encontrou muitas pessoas fechadas à sua proposta de
salvação: “Não queremos que esse homem reine sobre nós” (Lc 19,14).
O trono de Jesus, por excelência, foi a
cruz. Exatamente ali a sua realeza foi questionada três vezes: “Salve-se a si
mesmo” (Lc 23,35); “Salva-te a ti mesmo!” (Lc 23,37); “Salva-te a ti mesmo e a
nós!” (Lc 23,39). Nós também pensamos a vida dessa forma: salvar a nós mesmos.
Quanto aos outros... Um exemplo claro. Os mesmos super-ricos que esgotam os recursos naturais e fazem campanha
contra a preservação do meio ambiente, unicamente para aumentarem o próprio
capital, estão se preparando para o que eles mesmos chamam de “grande
apocalipse”, construindo bunkers (construções de ferro e concreto subterrâneas)
e estocando comida e água para sobreviverem às catástrofes provenientes das
mudanças climáticas, as quais são negadas por eles (Assista ao vídeo de Átila
Iamarino: “O que os BILIONÁRIOS não te contam” – Youtube).
Jesus não é o rei “salve-se a si mesmo”
porque ele não veio “se” salvar, mas salvar a humanidade de si mesma (pecado
pessoal) e da tirania dos reis do mundo (pecado social). Além disso, o domínio
salvífico de Jesus só pode ser experimentado por quem se submete à verdade do
Evangelho, como ele mesmo afirmou: “Todo aquele que comete pecado é escravo do
pecado. Se o Filho vos libertar, sereis verdadeiramente livres” (cf. Jo
8,34.36). Essa libertação foi experimentada por um homem que, assim como Jesus,
estava condenado à morte: “Jesus,
lembra-te de mim, quando entrares no teu reinado”. Jesus lhe respondeu: “Em
verdade eu te digo: ainda hoje estarás comigo no Paraíso” (Lc 23,42-43).
Na sua carta
aos Romanos, ao apóstolo Paulo afirma: “Não existe mais condenação para aqueles
que estão em Cristo Jesus” (Rm 8,1). Muitas vezes já nos sentimos e, certamente,
ainda vamos nos sentir condenados: uma doença incurável; uma culpa que não nos
abandona; uma situação de penúria na vida financeira; a solidão pelo término de
um relacionamento; um vício que não superamos; a voz do acusador (Maligno), que
tenta nos fazer desacreditar do perdão de Deus e cancelar a nossa esperança de
salvação, etc. Em todas essas situações nas quais nos sentimos “condenados”,
precisamos clamar como o ladrão na cruz: “Lembra-te de mim”.
“Em verdade
eu te digo: ainda hoje estarás comigo no Paraíso” (Lc 23,43). O Reino do Pai e
do Filho não é para quem não tem nenhuma condenação, mas para quem não aceita
morrer condenado a nada, e por isso recorre ao perdão do Rei; e também por isso
decide viver cada dia de sua vida não mais carregando o peso de uma condenação,
mas liberto por Aquele que o Pai enviou não para condenar, mas para salvar.
Pe. Paulo
Cezar Mazzi
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