sexta-feira, 4 de julho de 2025

O SAMARITANO, MODELO DO VERDADEIRO DISCÍPULO DE JESUS

 Missa do 15º dom. comum. Palavra de Deus: Deuteronômio 30,14-18; Colossenses 1,15-20; Lucas 10,25-37.

 

            “Mestre, que devo fazer para receber em herança a vida eterna?” (Lc 10,25). Quem hoje procura por Jesus interessado na vida eterna? Grande parte das pessoas que creem, incluindo nós, procura por Jesus para questões da vida aqui e agora. Portanto, a pergunta desse homem, a respeito da vida eterna, por si só nos questiona: a vida eterna é uma saudável e necessária preocupação para nós? Aqui vale o alerta do apóstolo Paulo: “Se temos esperança em Cristo somente para esta vida, somos os mais dignos de compaixão de todos os homens” (1Cor 15,19).

            Segundo Jesus, a vida eterna, sinônimo de salvação, se alcança a partir dos dois principais mandamentos da Lei de Deus: Amá-lo de todo o coração e amar o próximo como a nós mesmos. Aqui cabem outros dois questionamentos: 1. A nossa relação com Deus é pautada no amor, ou no medo e na necessidade? Em outras palavras, nós buscamos a Deus, na oração pessoal e na celebração da missa, porque O amamos ou porque temos medo de que, se não o fizermos, as situações vão piorar, ou ainda porque necessitamos que Ele nos faça algo ou nos conceda algo? 2. Como anda o nosso amor ao próximo, em tempos de individualismo, de fechamento e de indiferença para com o outro?

            A pergunta que o homem faz a Jesus é muito válida para nós também: “E quem é o meu próximo?” (Lc 10,29). A resposta mais “natural” a essa pergunta seria afirmar que todo ser humano é o nosso próximo. Mas as coisas não são tão simples assim. Já na época de Jesus, o conceito de “próximo” havia sofrido múltiplas restrições: os judeus se abriam somente aos estrangeiros simpatizantes do judaísmo; os fariseus excluíam do seu amor os pecadores e samaritanos; os essênios faziam o mesmo com os que eles consideravam “filhos das trevas”. Hoje, o conceito de “próximo” está ferido pela polarização, de modo que não apenas nos sentimos dispensados de amar quem pensa diferente de nós, mas nos damos ao direito de até mesmo odiá-lo.

            Jesus responde à pergunta sobre o próximo através da conhecida “parábola do bom samaritano”. A atitude do sacerdote e do levita, que veem o homem caído e ferido, mas seguem adiante, pelo outro lado, é a nossa atitude moderna de ver os acontecimentos e dizer que “não temos tempo, não nos diz respeito, é problema das autoridades, há instituições encarregadas disso, são preguiçosos” (Pe. Nilo Luza). Além disso, todo o mundo vive correndo, com pressa. Quem enxerga o outro? Como enxergar alguém ao nosso lado, se os nossos olhos estão constantemente olhando para a tela do celular? Nós alegamos não ter tempo para nos envolver com questões sociais, mas perdemos tempo nos interessando por futilidades nas redes sociais...

            O que Jesus espera de nós, seus discípulos, é a sensibilidade do samaritano: “Chegou perto dele, viu e sentiu compaixão. Aproximou-se dele e fez curativos, derramando óleo e vinho nas feridas” (Lc 10,33-34). Como ficará claro no final da parábola, o samaritano “usou de misericórdia” para com o homem ferido. Ter atitude de misericórdia, segundo a concepção bíblica, é amar o próximo. A questão, portanto, não é afetiva, mas efetiva; não se trata de sentir afeto pela pessoa do outro, mas de deixar-se afetar pelo seu sofrimento, aproximar-se dele e oferecer a ajuda que está ao nosso alcance.

            Ao colocar o samaritano como modelo de todo discípulo seu, Jesus nos ensina que a principal pergunta a inquietar a nossa consciência e o nosso coração não é: “Quem é o meu próximo?”, mas “De quem estou sendo chamado(a) a me fazer próximo(a), neste momento?”. De quem você precisa se fazer próximo(a) neste momento? Do seu companheiro de trabalho? Da sua vizinha? Do seu cônjuge? Dos seus filhos? Dos seus pais? Dos seus avós? Na sua exortação apostólica “A alegria do amor”, o Papa Francisco afirmou que “a família foi desde sempre o ‘hospital’ mais próximo. Prestemo-nos cuidados, apoiemo-nos e estimulemo-nos mutuamente, e vivamos tudo isto como parte da nossa espiritualidade familiar” (AL, n.322).

Para cuidar daquele homem ferido, o bom samaritano precisou perder tempo, esquecer-se de si e dos seus afazeres. O próximo é assim: alguém que me recorda que o mundo não gira em torno de mim, dos meus problemas, projetos e necessidades. Escutemos a voz de Deus em nossa consciência e em nosso coração, para sabermos de quem somos chamados a nos fazer próximos, neste momento da nossa vida. Permitamos que Jesus nos ajude a enxergar a vida para além das nossas preocupações, dos nossos interesses, vendo aqueles que estão feridos e caídos à nossa volta e nos fazendo próximos deles. Deixemos com que o Espírito Santo desperte a força da compaixão dentro de nós, para que saibamos reagir com misericórdia quando, no caminho da vida, cruzarmos com alguém que está sofrendo.

 

Pe. Paulo Cezar Mazzi

quinta-feira, 3 de julho de 2025

NOSSA MISSÃO: SER PRESENÇA QUE CONSOLA

 Missa do 14º. dom. comum. Palavra de Deus: Isaías 66,10-14; Gálatas 6,14-18; Lucas 10,1-12.17-20

           

            “O Senhor escolheu outros setenta e dois discípulos e os enviou dois a dois, na sua frente, a toda cidade e lugar aonde ele próprio devia ir” (Lc 10,1). O envio dos 72 discípulos fala da missão de cada um de nós. No dia a dia, a vida sempre nos coloca junto de pessoas. Embora isso pareça casual, não é; nós estamos junto dessas pessoas para ser ali a presença do próprio Jesus! Se há muitos que não sentem a presença de Deus é porque grande parte dos cristãos não encontra mais tempo, nem motivação, para se colocar junto das pessoas que precisam de consolação.

            Através do profeta Isaías, Deus prometeu fazer chegar ao povo de Israel a Sua consolação. Essa consolação é comparada ao leite que sai do seio da mãe que amamenta o filho; ela também é expressa na atitude de tomar a criança no colo, sentá-la sobre os joelhos e acariciá-la. Em outras palavras, para consolar, é preciso se fazer presente; é preciso esquecer-se por um tempo para dedicar tempo ao outro; é preciso deixar de lado o celular para se colocar junto da pessoa que precisa ser consolada. Na verdade, quando saímos de nós mesmos e dedicamos tempo para estar junto de uma pessoa que se encontra desolada, não é somente ela que recebe consolação; nós saímos da presença dela consolados também, pois “há mais alegria em dar do que em receber” (At 20,35).           

            Ao enviar os 72 discípulos para junto das pessoas que deveriam receber a alegria do Evangelho, Jesus disse: “A messe é grande, mas os trabalhadores são poucos. Por isso, pedi ao dono da messe que mande trabalhadores para a colheita” (Lc 10,2). Sempre foram poucas as pessoas que se dispõem a ajudar, mas essa falta de “consoladores”, de cristãos missionários, se agravou muito hoje, não só por causa do individualismo, mas também do comodismo e da indústria do entretenimento: ficar em casa assistindo séries ou jogando fecha as pessoas em si mesmas e as mantém afastadas daqueles que necessitam de uma presença consoladora.   

“Em qualquer casa em que entrardes, dizei primeiro: ‘A paz esteja nesta casa!’” (Lc 10,5). Na maior parte das casas não existe paz, mas conflito; quando não, solidão, tristeza e sensação de desamparo. Por outro lado, o acesso às casas das pessoas está cada vez mais restrito, por questão de segurança. Jesus nos provoca a romper com o fechamento e o distanciamento, e a criar formas de nos aproximar das pessoas. Se “Cristo é a nossa paz” (Ef 2,14) é porque Ele derrubou o muro da separação entre as pessoas e construiu a ponte da reaproximação. Sempre que nos esforçamos em ser ponte, nós geramos paz no coração das pessoas. Também a oração de São Francisco nos incentiva a sermos instrumentos da paz: “Onde há ódio, que eu leve o amor; onde há tristeza, que eu leve alegria; onde há desespero, que eu leve a esperança...”.

“Os setenta e dois voltaram muito contentes, dizendo: ‘Senhor, até os demônios nos obedeceram por causa do teu nome’” (Lc 10,17). Sempre que vivemos com fidelidade a missão que somos, nos colocando junto das pessoas que precisam da consolação que vem de Cristo, os demônios vão embora: o demônio da tristeza, da solidão, do sentimento de nada valer; o demônio que divide, separa e alimenta conflito; o demônio da falta de diálogo, de perdão e de reconciliação... Falta-nos confiar nas palavras de Jesus: “Eu vos dei o poder de pisar em cima de cobras e escorpiões e sobre toda a força do inimigo” (Lc 10,19). O veneno do mal não tem poder sobre quem vive na obediência a Jesus e ao seu Evangelho. O óleo da unção do Espírito Santo não permite que o maligno nos agarre e nos mantenha presos em suas mãos.

Enfim, que o envio dos 72 discípulos nos recorde mais uma vez o convite do Papa Francisco a toda a nossa Igreja: “Saiamos, saiamos para oferecer a todos a vida de Jesus Cristo! Se alguma coisa nos deve santamente inquietar e preocupar a nossa consciência é que haja tantos irmãos nossos que vivem sem a força, a luz e a consolação da amizade com Jesus Cristo, sem uma comunidade de fé que os acolha, sem um horizonte de sentido e de vida” (Papa Francisco, A alegria do Evangelho, n.49).

 

Pe. Paulo Cezar Mazzi