sexta-feira, 26 de fevereiro de 2016

NÃO DÁ PRA PASSAR PELA VIDA INUTILMENTE!

Missa do 3º. dom. da quaresma. Palavra de Deus: Êxodo 3,1-8a.13-15; 1Coríntios 10,1-6.10.12; Lucas 13,1-9.

            Muito frequentemente os meios de comunicação noticiam para nós catástrofes, como um acidente de avião ou de carro, um ataque terrorista, uma guerra, um terremoto, uma inundação, um incêndio, uma contaminação etc. Essas catástrofes normalmente chamam a atenção porque provocam a morte de pessoas.
            Normalmente, as notícias sobre catástrofes ou fatalidades são as que mais “vendem”. Além disso, hoje se percebe um certo interesse mórbido, doentio, por imagens que testemunham os estragos de algumas catástrofes (nossos celulares que o digam!). E nós olhamos essas imagens, assistimos a essas reportagens, como se fôssemos meros “expectadores”: acontecendo perto ou longe de nós, essas catástrofes não nos atingem; quando muito, nos emocionam, despertam a nossa raiva, mas, nada além disso. Nós continuamos a viver a nossa vida como se tais acontecimentos ruins nunca fossem nos atingir ou não tivessem algo a nos dizer.
            As catástrofes podem ser “naturais”, mas também podem ser fruto de injustiça, de negligência, de abuso, de falta de responsabilidade (etc.) do ser humano. As causas podem ser muitas. No entanto, tem-se tornado comum “explicar” a morte das pessoas envolvidas em uma determinada catástrofe com a ideia da retribuição por causa do pecado: se elas morreram e não eu, se elas foram atingidas por aquela fatalidade e não eu, é porque cometeram pecados: estavam todas naquele lugar, naquela hora, porque tinham que sofrer a consequência dos seus pecados, inclusive os de uma suposta vida passada.
            Jesus, no Evangelho de hoje, rejeita totalmente essa “explicação”. Aliás, ele não explica o porquê das catástrofes e das fatalidades, mas chama a nossa atenção para este fato: “Se vocês não se converterem, morrerão todos do mesmo modo” (vs.3.5). Para Jesus, você e eu precisamos aprender a ler os sinais dos tempos, precisamos nos dar conta de que o mal não está somente longe, mas também perto, não somente fora, mas também dentro de nós. Você e eu não somos pessoas “privilegiadas”, ou quem sabe “evoluídas espiritualmente”, a ponto de termos a garantia de que passaremos pela vida blindados contra as catástrofes. Não! Ninguém está blindado contra o pecado pessoal e contra as consequências do pecado social. Todos nós moramos na mesma casa comum, o planeta Terra, duramente ferido pelo pecado pessoal e social.
O que Jesus está nos dizendo é que o horror de uma catástrofe ou de uma fatalidade deveria nos fazer “acordar” e nos dar conta do quanto o pecado é destrutivo, do quanto as nossas atitudes injustas provocam a destruição à nossa volta. E para não justificarmos os nossos erros com a desculpa de que “somos assim”; para nos mostrar que a conversão é algo possível, ainda que seja um processo lento e custoso, Ele nos coloca diante da parábola da figueira.
            O empregado, que cuida de uma figueira que há três anos está sem produzir frutos, recebe a notícia de uma “catástrofe anunciada”: ela será cortada! Não tem sentido continuar a ocupar inutilmente aquele espaço na terra! E aí entra a possibilidade da conversão: “Senhor, deixa a figueira ainda este ano. Vou cavar em volta e colocar adubo. Pode ser que venha a dar fruto. Se não der, então tu a cortarás” (Lc 13,8-9).
            “Ainda este ano”. Eu e você “ainda” não fomos atingidos por uma fatalidade que nos tirasse a vida. “Ainda” estamos vivos. No entanto, estamos testemunhando inúmeras catástrofes, fatalidades e injustiças quase todos os dias. Isso faz de nós pessoas melhores, mais justas, mais respeitosas com a vida, com o planeta, com Deus e com os outros? Isso nos torna menos egocêntricos, menos individualistas, menos escravos dos bens materiais? “Tira as sandálias dos pés”, disse Deus a Moisés (cf. Ex 3,5). Sinta o chão desta terra, ferido por tantos acontecimentos absurdos! Tome consciência de que a vida à sua volta pede a sua atenção, o seu cuidado, a sua ajuda. Se você acha que está firme, de pé, tome cuidado para não cair! Se você acha que não precisa de conversão, que já está produzindo frutos suficientes, olhe melhor para os seus galhos e reconheça o quanto você tem sido “inútil” para a humanidade, “inútil” por se omitir, por se acomodar, por se fechar em seu próprio mundo...
            A Quaresma é tempo de cavar e de adubar a figueira que somos. Deus confia em nossa boa vontade. Embora estejamos “acostumados” com o mal, de modo que as catástrofes e fatalidades já não conseguem chacoalhar a nossa consciência, Deus vê a possibilidade de o bem voltar a percorrer as nossas veias, voltar a oxigenar o nosso coração. Deus enxerga que, embora nossos galhos estejam com pouquíssimos frutos ou sem nenhum, nossas raízes podem ser tratadas, recuperadas, e a seiva da fecundidade pode voltar a percorrer o nosso interior, gerando o fruto da justiça e da misericórdia em nós.
            Assim como o Pai é misericordioso, assim como Ele suspende a fatalidade de um corte definitivo em nós, por apostar em uma recuperação, em uma mudança em nós, que assim também sejamos misericordiosos para com os outros; que suspendamos a nossa decisão de “cortar” pessoas da nossa vida e passemos a cavar em volta e adubar esses relacionamentos que um dia já produziram muitos frutos bons para nós e para elas.

Pe. Paulo Cezar Mazzi



sexta-feira, 19 de fevereiro de 2016

DEIXAR-SE CONDUZIR PARA FORA DA DESFIGURAÇÃO

Missa do 2º. dom. da quaresma. Palavra de Deus: Gênesis 15,5-12.17-18; Filipenses 3,14–4,1; Lucas 9,28b-36.

            Nós não conseguimos ver o coração das pessoas, mas vemos o rosto delas, e o rosto sempre expressa o nosso estado interior, a nossa alma, o nosso coração. O nosso rosto quase sempre revela se estamos transfigurados ou desfigurados em nossa alma. Sobretudo no mundo atual, é muito comum vermos pessoas com o rosto desfigurado: desfigurado pelas preocupações quanto à vida financeira; desfigurado pelos desencontros na vida afetiva; desfigurado pela dependência química; desfigurado pelo cansaço da correria da vida, sobretudo aqueles que, na cidade grande, têm que enfrentar ônibus e metrôs lotados, seja para ir ao trabalho, seja para retornar para casa; desfigurado pela angústia de uma alma que, ou não sabe como, ou desistiu de buscar a Deus.
            Os textos bíblicos de hoje nos colocam diante de dois homens cujo rosto estava desfigurado: Abrão e Jesus. Enquanto o rosto de Abrão expressava a sua falta de esperança, pois se encontrava quase no fim da vida e achava que iria morrer sem deixar descendência, o rosto de Jesus expressava a sua angústia quanto ao fato de saber que deveria enfrentar a morte quando chegasse a Jerusalém. Os dois, Abrão e Jesus, se colocaram em oração, procurando buscar em Deus a melhor forma de lidar com aquilo que desfigurava o coração deles.
            O que você faz quando olha no espelho e vê seu rosto desfigurado? Como você lida com aquilo que angustia sua alma e inquieta seu coração? Você olha para o rosto das pessoas com as quais convive no dia a dia? Sua presença junto delas é uma presença que só faz aumentar a desfiguração em que se encontram, ou é uma presença que ajuda a provocar a transfiguração nelas? Às vezes uma palavra, um sorriso, um pequeno gesto de afeto e de consideração pode ser um ponto de luz de transfiguração para alguém que se sente trancado no quarto escuro da desfiguração.
            Abrão foi conduzido “para fora” da sua desfiguração quando, na sua oração, Deus lhe disse: “Olha para o céu e conta as estrelas se fores capaz! Assim será a tua descendência” (Gn 15,5). Ora, as circunstâncias não eram favoráveis para que isso acontecesse! Abrão estava velho e Sara, além de idosa, era estéril! Humanamente não havia como, desse casal, nascer uma descendência, muito menos tão numerosa como as estrelas do céu! No entanto, “Abrão teve fé no Senhor...” (Gn 15,6). Você tem fé em Deus mesmo quando tudo em sua vida parece conspirar contra aquilo que Deus lhe prometeu? A fé é justamente isso: quanto mais os fatos revelam que aquilo é impossível, mais Deus se revela como Aquele para quem nada é impossível. Não se esqueça: a sua fé é condição básica para que Deus transfigure o que em você se encontra desfigurado.   
            Jesus, humano como nós, também experimentava momentos de desfiguração em seu interior, mas ele sempre buscava a Deus na oração, e saía dela transfigurado! É isso que vemos no Evangelho de hoje: “Enquanto rezava, seu rosto mudou de aparência e sua roupa ficou muito branca e brilhante” (Lc 9,29). O assunto da oração de Jesus era a morte que ele sofreria em Jerusalém. Sobre qual assunto eu converso com Deus em minha oração? Eu tenho a coragem de reconhecer o que sinto e falar sobre aquilo com Deus? Eu permito que Deus se aproxime da minha dor mais profunda, ou me coloco superficialmente diante dele na oração? Quando minha oração me ajuda a ajustar a minha vida à vontade do Pai, saio dela transfigurado. Mas quando ela se resume a uma luta, onde tento de todas as formas impor a minha vontade, rejeitando o que Deus me pede, saio dela desfigurado.
            Pedro, Tiago e João estavam junto com Jesus na montanha. A nuvem, símbolo bíblico da presença de Deus, desceu sobre eles e os cobriu com sua sombra. Apesar de os nossos sentidos não se darem conta disso, quando rezamos acontece a mesma coisa: o Pai desce com sua presença e nos envolve em seus braços. Rezar é isso: nós subimos até Deus e ele desce até nós. Ali, dentro da nuvem, sem enxergar Deus e, muitas vezes, sem mesmo sentir a sua presença, ele, por meio da sua graça, coloca em ordem os nossos afetos, apazigua o nosso coração e nos dá a orientação correta. Desse modo, aquilo que antes estava desfigurado começa a se transfigurar em nós.
            Um lembrete final. Se, por um lado, a transfiguração é obra da graça de Deus em nós, ela é, por outro, missão nossa também. Hoje, após termos ouvido a Palavra e recebido o Senhor Jesus na Eucaristia, devemos retornar para a nossa casa com uma pergunta no coração: a quem eu preciso ajudar a transfigurar? O apóstolo Paulo nos lembrou que nós “somos cidadãos do céu. De lá aguardamos o nosso salvador, o Senhor Jesus Cristo. Ele transformará o nosso corpo humilhado e o tornará semelhante ao seu corpo glorioso...” (Fl 3,20-21). Ser discípulo do Senhor transfigurado é ajudar a transfigurar o corpo que se encontra humilhado perto de nós – humilhado pela dor, pela doença, pela violência, pela fome, pela injustiça, pela morte... 
            Em tempo, a Campanha da Fraternidade nos desafia a transfigurar o meio ambiente, nossa casa comum, desfigurada pela ganância e pelo desperdício... Além disso, para quem quase que constantemente tem seu rosto desfigurado, até o ponto de afastar as pessoas de si, vale perguntar-se: eu realmente tenho motivos para viver com meu rosto desfigurado?

Pe. Paulo Cezar Mazzi

sexta-feira, 12 de fevereiro de 2016

SENTIR-SE TENTADO NÃO SIGNIFICA CONSENTIR NO PECADO

Missa do 1º. dom. da quaresma. Palavra de Deus: Deuteronômio 26,4-10; Romanos 10,8-13; Lucas 4,1-13.

               Talvez você tenha feito um propósito de mudança, de santificação ou de conversão para esta quaresma. Talvez você tenha colocado diante de Deus a sua necessidade de fazer a páscoa, isto é, a passagem de uma situação de morte para uma situação de vida. Seja qual for o seu propósito de mudança ou a sua necessidade de fazer uma determinada passagem, as tentações de Jesus querem lembrar você de que sempre há um confronto a ser enfrentado, um confronto espiritual.
              Como acontece com todo ser humano, Jesus foi tentado durante toda a sua vida terrena – este é o significado dos “quarenta dias” (Lc 4,2) e, sobretudo, da expressão “no tempo oportuno” (Lc 4,13). Aliás, aqui já podemos adiantar uma reflexão: qual é o “tempo oportuno” para o mau espírito nos tentar? A tentação sempre fala mais forte conosco nos períodos de crise ou de desolação, nos prometendo soluções rápidas, receitas miraculosas, alívio imediato para a nossa dor. É principalmente quando você não está bem que o mau espírito fala com você.
             De maneira geral, como é que nós somos tentados? Nós somos tentados a não cumprir com nossas obrigações; a abandonar compromissos; a buscar caminhos mais fáceis e rápidos, ainda que não sejam corretos, nem justos. Nós somos tentados a dar livre curso à nossa agressividade; a não esperar em Deus, mas a fazer justiça com nossas próprias mãos. Nós também somos tentados a desistir de lutar e mesmo de viver; a eliminar todas as nossas fraquezas e sermos revestidos unicamente do poder de Deus. Enfim, nós somos tentados a eliminar para sempre o mal do meio de nós e também dentro de nós, como se isso fosse possível.  
             As tentações de Jesus revelam-me uma verdade difícil de aceitar: o mal que eu vejo nos outros também mora em mim. Sim, o mal também habita em mim. Eu o percebo claramente na perversão da minha sexualidade, na minha agressividade (sentimento de vingança), no meu egoísmo, na minha ambição pelo dinheiro (pequenos atos de corrupção), no meu desejo de poder etc. Assim como fez com Jesus, o mau espírito também me diz que eu não preciso sofrer privação de nada; que, se eu servi-lo, ele me fará prosperar grandemente; enfim, que eu não preciso abrir mão de Deus, mas, se quiser, posso usá-Lo na minha fé unicamente para meu proveito próprio.           
               Jesus conseguiu resistir às propostas do tentador porque ele tinha intimidade com a palavra de Deus: “A Escritura diz” (Lc 4,4.8.12). O apóstolo Paulo nos lembra que a palavra de Deus deve se tornar para nós “palavra da fé”, e assim ela será nossa defesa contra o tentador. Em que sentido “palavra da fé”? Uma palavra que esteja em nossa boca (confessar Jesus como Senhor) e em nosso coração (crer que Deus o ressuscitou). Essa mesma palavra nos oferece uma indicação importante sobre como podemos lidar com as tentações: “Sujeitem-se a Deus; resistam ao diabo e ele fugirá de vocês. Aproximem-se de Deus e ele se aproximará de vocês” (Tg 4,7-8).
              Eu não posso ficar passivo diante do mau espírito. Preciso opor-lhe resistência, e a melhor resistência é sujeitar-me a Deus: eu reconheço meus sentimentos, os acolho e decido livremente sujeitá-los a Deus, ao Seu querer. Em outras palavras, se eu nem sempre escolho me sentir tentado, sempre posso escolher entre consentir ou não àquela tentação. Portanto, assim como Jesus fez, eu posso escolher sujeitar-me ao querer de Deus. É d’Ele que eu devo me aproximar mais ainda, principalmente quando me sinto tentado. Desse modo, o mau espírito se afasta de mim, porque escolhi livremente sujeitar a minha vida ao senhorio de Deus.
                Eis uma oração que pode lhe ajudar:
               A cruz sagrada seja minha luz. Não seja o dragão meu guia. Que seja Jesus. A cruz sagrada seja minha luz. Não seja o dragão meu guia, não. Seja expulso, inimigo de meu Deus! Bebe tu mesmo os venenos teus! Não me oferece coisas vãs não, não. É mal o que me oferece. Desaparece! Não me oferece coisas vãs não, não. É mal o que me oferece. Seja expulso inimigo de meu Deus! Bebe tu mesmo os venenos teus! Então, vem, Senhor Jesus, vem com tua cruz. Salvador, seja minha luz! Então, vem, Senhor Jesus, luta em meu lugar. Redentor, vem me libertar! (Anjos de Resgate, A cruz sagrada) 

                                                                     Pe. Paulo Cezar Mazzi

quarta-feira, 10 de fevereiro de 2016

É TEMPO DE SANEAMENTO

Missa da quarta-feira de cinzas. Palavra de Deus: Joel 2,12-18; 2Coríntios 5,20–6,2; Mateus 6,1-6.16-18.

É tempo de SANEAMENTO. Este importante tempo de Quaresma que hoje iniciamos tem como pano de fundo a Campanha da Fraternidade, a qual nos propõe como princípio de vida o SANEAMENTO, palavra que significa curar, recuperar, tornar limpo, retornar ao estado original, sanar, higienizar, tornar saudável. O saneamento não é somente uma série de medidas que torna uma área sadia, limpa, habitável, oferecendo condições adequadas de vida para a população, mas também um conjunto de ações para estabelecer a ética e a justiça. Por isso, ouvimos falar da necessidade de “saneamento da administração pública” ou de “saneamento das contas públicas”, por exemplo.
            Aqui podemos recordar mais uma vez as palavras da música “Que país é esse?” (Legião Urbana): “Nas favelas, no Senado, sujeira pra todo lado. Ninguém respeita a Constituição, mas todos acreditam no futuro da nação. Que país é esse?”. Sim. Infelizmente temos que admitir: há sujeira pra todo lado. Desde a forma como lidamos com o lixo em nossa casa até a forma como tantos políticos e empresários lidam com o dinheiro público, há sujeira pra todo lado. E onde há sujeira, há doença e risco de morte.
            Mas, de onde vem a sujeira que provoca doença e morte em nosso meio? Ela vem do pecado – do pecado pessoal e social. Se o meio ambiente está sujo, se tantos políticos e empresários estão contaminados com o vírus da corrupção, se tantos adolescentes e jovens estão adoecidos pelo vício da bebida e das drogas, se a sociedade padece ferida pela violência, é porque a nossa consciência, de maneira geral, se encontra suja, tão suja que nós temos dificuldade em reconhecer o nosso pecado, como fez o salmista: “Eu reconheço toda a minha iniquidade, o meu pecado está sempre à minha frente.... Pratiquei o que é mau aos vossos olhos” (Sl 51).
           A primeira coisa que precisa ser saneada, recuperada, limpa, é a nossa consciência, o lugar onde Deus nos fala: “Voltai para mim com todo o vosso coração... Prescrevei o jejum sagrado, convocai a assembleia, congregai o povo... Chorem... e digam: Perdoa, Senhor, a teu povo...” (Jl 2,12.15-17). Desde o Antigo Testamento, o jejum aparece como uma atitude importante de saneamento, de limpeza, de desintoxicação. Quando jejuamos, damos ao nosso organismo o tempo que ele precisa para se desintoxicar. Por outro lado, o jejum não visa apenas recuperar a saúde do nosso corpo, mas principalmente o nosso autodomínio: não podemos viver arrastados pelos nossos desejos e impulsos, mas precisamos administrá-los em vista do nosso verdadeiro bem.
           O jejum que agrada a Deus não é simplesmente não comer isto ou aquilo, mas abster-se de agredir as pessoas com palavras ou atitudes, abster-se de pensamentos e sentimentos que entulham de lixo a nossa consciência e o nosso coração, não nos fechar sobre nós mesmos, mas nos abrir àqueles que precisam de nós: doentes, necessitados, desempregados etc. Também é muito importante jejuar de imagens. Estamos intoxicados por imagens da TV, do celular, da internet: imagens de pornografia, que distorcem a nossa sexualidade; imagens de violência, que aumentam a nossa agressividade e perturbam o nosso espírito. Por fim, também precisamos nos desintoxicar de imagens erradas que temos de Deus: seja o “Deus-juiz”, que se revela como violento e ameaçador, seja o “Deus-pizza”, sinônimo de impunidade.
           O Papa Francisco tem insistido em nos falar de Deus como “misericórdia”. A Quaresma é este tempo apropriado para nos deixarmos reconciliar com Deus e nos permitir ser abraçados por Sua misericórdia. Envolvidos nos braços do Pai, pedimos, como o salmista: “Criai em mim um coração que seja puro”, limpo, curado, saneado, recuperado em seu estado original; um coração puro, isto é, sem o fermento da vaidade ao dar esmola, ao orar, ao jejuar. Que a nossa esmola seja expressão da nossa verdadeira comunhão com a dor do nosso próximo. Que a nossa oração seja um constante configurar-se com o Pai misericordioso. Que o nosso jejum seja, enfim, um constante abandono de tudo aquilo que não nos é essencial, para que possamos, uma vez desintoxicados, colaborar para o saneamento do ambiente à nossa volta.

Pe. Paulo Cezar Mazzi

sexta-feira, 5 de fevereiro de 2016

RECONSTRÓI A MINHA IGREJA!

Diante do desejo de acomodação (estar enraizado, estabelecido) e da exigência de garantias (Onde é? Como é? O que me espera?), “sai da tua terra, da tua parentela e da casa de teu pai, para a terra que eu te mostrarei... Seja uma bênção” (Gn 12,1.2). Reconstrói a minha Igreja!
Talvez você pergunte: “Quem sou eu...?” (Ex 3,11), para assumir tal missão, para abraçar tal risco? “Eis que não acreditarão em mim, nem ouvirão a minha voz” (Ex 4,1). “Perdão, meu Senhor, eu não sou homem de falar... Envia o intermediário que quiseres” (Ex 4,10.13), mas Eu te digo: “Eu estarei contigo” (Ex 3,12); “Eu estarei em tua boca, e te indicarei o que você deverá falar” (Ex 4,12). Mesmo com a tua limitação, reconstrói a minha Igreja!
Numa época em que se perdeu a perspectiva de futuro, onde tudo se reduziu ao aqui e agora, onde o anseio pelo Reino se fragmentou em desejos de mercado – bem estar, sucesso, vitória, conquista, felicidade – “seja forte e corajoso, pois você deverá fazer entrar este povo na terra que o Senhor jurou dar aos seus pais... O próprio Senhor irá à tua frente, Ele estará com você! Nunca te deixará, jamais te abandonará! Não tenha medo, nem se apavore” (Dt 31,7-8). Reconstrói a minha Igreja!
Ainda que você tenha plena consciência da sua pequenez – e é bom mesmo que tenha – e diga “Como posso salvar (um povo)? Meu clã é o mais fraco... e eu sou o último na casa de meu pai” (Jz 6,15), Eu te digo: “Vai com a força que está em ti...” (Jz 16,14). Lembre-se de que você não recebeu “um espírito de medo, mas um espírito de força, de amor e de autodomínio” (2Tm 1,7). A partir desse espírito que te anima, reconstrói, pois, a minha Igreja!
Diante de um mundo cada vez mais secularizado, com famílias desestruturadas, adolescentes e jovens mergulhando de cabeça nas drogas, a violência crescente, as injustiças se tornando parte do cotidiano, as religiões e as igrejas se vendo como “empresas” concorrentes, pergunto-Me: “Quem eu vou enviar? Quem irá por nós?” (Is 6,8). Há alguém que se apresente para reconstruir a minha Igreja?
Sim! Você dirá: “Ah! Senhor Deus, eis que eu não sei falar, porque sou ainda criança!” (Jr 1,6). Sim! Quando você se colocar a Meu serviço, viverá momentos de profunda crise, de grande arrependimento, chegando até ao ponto de desejar não ter nascido (“maldito o dia em que nasci!” – Jr 20,14), porque sua missão será ingrata: antes de construir e plantar, você deverá primeiro arrancar e destruir, exterminar e demolir, e as pessoas o odiarão por isso. Mas “a quem eu te enviar, você irá, e o que eu te ordenar, você falará. Não tema diante deles, porque eu estou com você para te salvar” (Jr 1,7-8). Nunca se esqueça disso: “Eu estou vigiando sobre minha palavra para realizá-la” (Jr 1,12). Portanto, vai e reconstrói a minha Igreja!
Cuidado com a busca por resultados! A cultura em que você vive visa exatamente isso: resultados, eficiência, metas atingidas. Mas isso nada mais é do que casa construída sobre a areia. Construa a sua sobre a rocha. Eu te enviarei a pessoas que precisam te ouvir, mas que não vão querer te ouvir. Porém, “quer te escutem, quer deixem de escutar..., saberão, ao menos, que um profeta esteve com eles” (Ez 2,5). Independentemente dos resultados, reconstrói a minha Igreja!
Minha Igreja necessita de reformas profundas. Os remendos, sempre tímidos, não têm funcionado (cf. Mt 9,16). Em muitos lugares está faltando vinho (cf. Jo 2,3), alegria, entusiasmo, vida, porque a lei passou a ser mais consultada do que o Espírito; o serviço passou a ser entendido como cargo; acostumaram-se a falar de Mim sem falar antes comigo, por meio da oração e da escuta da minha Palavra; aquela que meu Filho banhou e purificou, para ser Sua esposa imaculada (cf. Ef 5,26-27), carrega consigo manchas de prostituição, tanto no campo sexual quanto financeiro... É hora de reconstruir a minha Igreja, lembrando que tal reconstrução se dará “não pelo poder, nem pela força, mas por meu espírito, diz o Senhor dos Exércitos” (Zc 4,6).
Eu te escolhi “como um instrumento para levar o meu nome diante das nações” (At 9,16); separei você desde o seio materno e te chamei por minha graça (cf. Gl 1,15). Aos olhos do mundo, seria muito mais lógico que Eu ou escolhesse outra pessoa – quem sabe mais madura e capacitada do que você, para reconstruir a minha Igreja –, ou então que removesse de você todo tipo de limitação, fraqueza ou imperfeição. Mas, não vou fazer isso. Você carregará o tesouro da sua vocação em vaso de barro, para que fique claro aos demais que se trata de um dom meu e não de uma qualidade sua (cf. 2Cor 4,7). Você levará consigo uma espécie de espinho na carne, para que não se encha de soberba, nem se torne arrogante (cf. 2Cor 12,7). Porém, tenha a certeza de uma coisa: sempre que se sentir fraco, poderá experimentar a minha força (cf. 2Cor 12,9). Vamos! Reconstrói a minha Igreja! 

Pe. Paulo Cezar Mazzi 

quinta-feira, 4 de fevereiro de 2016

ELE PRECISA DE VOCÊ, DO SEU TRABALHO...

Missa do 5º. dom. comum. Palavra de Deus: Isaías 6,1-2a.3-8; 1Coríntios 15,1-11; Lucas 5,1-11.

            Certa vez, quando Jesus foi questionado pelos judeus por ter curado um homem no dia de sábado – dia do “descanso” de Deus, segundo a lei de Moisés –, Jesus disse: “Meu Pai trabalha sempre, e eu também trabalho” (Jo 5,17). Deus trabalha. Ele não está sentado no Seu trono simplesmente assistindo ao que acontece com a humanidade. Ele trabalha, porque Sua obra de redimir e salvar tudo o que criou continua em andamento. Esta obra, como nos lembrou o salmista hoje, deve ser completada em cada um de nós (cf. Sl 138,8).
           Ao mesmo tempo em que Deus trabalha continuamente pela salvação da humanidade, Ele chama pessoas para colaborar com Ele neste trabalho. Foi o caso do profeta Isaías, que ao participar de uma celebração no Templo, sentiu em seu coração um forte apelo de Deus: “Quem enviarei? Quem irá por nós?”, e Isaías prontamente respondeu: “Aqui estou! Envia-me” (Is 6,8).
           Hoje Deus continua a dirigir à nossa consciência o mesmo apelo: “Quem enviarei? Quem irá por nós?” Quem irá por mim junto às crianças e adolescentes nas escolas, junto aos professores e funcionários, junto às famílias desestruturadas? Quem irá por mim junto aos refugiados, aos estrangeiros, aos moradores de rua? Quem irá por mim junto aos desempregados, aos doentes, aos aflitos? Quem irá por mim junto aos políticos, juízes, empresários, junto aos corruptos, aos criminosos, junto àqueles que cometem injustiças contra os outros?
           E então, qual é a sua resposta? Você tem a coragem de dizer: “Estou aqui! Envia-me”? Você compreende que Deus precisa também de você, para que a obra d’Ele possa ser completada no mundo? Assim como Isaías, como Paulo e os demais apóstolos, cada um de nós é chamado a trabalhar pelo evangelho, a anunciar a misericórdia de Deus àqueles que convivem conosco, a tantos que dela necessitam.
           “Meu Pai trabalha sempre, e eu também trabalho” (Jo 5,17). Para anunciar a Palavra de Deus aos seus ouvintes, Jesus toma emprestado um instrumento de trabalho – um barco de pesca. Depois de ter falado à multidão, para comprovar a eficácia da Palavra de Deus na vida daquele que a ouve e a obedece, Jesus disse a Simão, dono do barco: “Avança para as águas mais profundas e lançai vossas redes para a pesca” (Lc 5,4). Simão, como experiente pescador, sabendo que não se pesca durante o dia, respondeu: “Mestre, nós trabalhamos a noite inteira e nada pescamos. Mas, em atenção à tua palavra, vou lançar as redes” (Lc 5,5).
           Assim como Simão, nós sabemos que “o mar não está pra peixe”. Existem situações ao nosso redor diante das quais já nos debruçamos e nos esforçamos por modificar, mas que continuam iguais, ou até piores. No entanto, “em atenção à tua palavra”, por obediência ao Deus que nos fala e nos lança o Seu apelo, nós devemos ir para as águas mais profundas e lançar novamente as redes para a pesca. Trabalhar com Deus e por Ele é assim: não fazemos as coisas porque as condições são favoráveis e o resultado está garantido. Mesmo quando tudo indica que o trabalho será perdido, lançamos as nossas redes porque Ele nos mandou lançá-las.
           Olhando para a nossa realidade, onde se encontram as águas mais profundas? Elas são exatamente aqueles lugares onde o evangelho ainda não chegou. Elas são o coração daquelas pessoas às quais desistimos de anunciar Jesus Cristo, assim como aquelas às quais nunca O anunciamos. Porém, essas águas também falam de algo dentro de nós, falam de profundidade. Nossos relacionamentos estão marcados pela superficialidade: com Deus, conosco mesmos e com os outros. Tudo aquilo que fazemos, até as coisas mais rotineiras, precisamos fazer com profundidade.
           Jesus nos convida a mergulhar mais fundo para descobrir a força que está escondida em nós, assim como a capacidade que o outro tem, capacidade até então desconhecida por ele e por nós. Jesus passa hoje pelo nosso trabalho, entra em nosso cotidiano, e nos faz um convite: Preciso que você se torne comigo um “pescador de homens” (Lc 5,10). Preciso de você para salvar pessoas. Preciso que use o seu trabalho como meio/instrumento de evangelização. Preciso que você direcione o seu talento, a sua capacidade, os seus dons, para algo mais importante...

Para a sua oração: Canção de Pedro (Dom).

                                                                      Pe. Paulo Cezar Mazzi