Missa do 26º. dom. comum. Palavra de Deus: Números 11,25-29; Tiago 5,1-6; Marcos 9,38-43.45.47-48
 
            Conviver com o diferente é sempre um desafio para nós. Por isso, a nossa tendência é nos cercar de pessoas que pensam como nós, que professam a mesma fé que professamos, que gostam das mesmas coisas que nós gostamos. Mas o nosso mundo é plural. De inúmeras maneiras ele nos lembra que a realidade é diversa, que existem pessoas que pensam diferentes de nós e que nós não somos os únicos a crer em Deus e a falar de Deus.
            Que sentimentos surgem dentro de nós quando nos deparamos com a crescente pluralidade religiosa? Perplexidade? Ciúmes? Inveja? Medo de nos tornarmos insignificantes ou de sermos apenas mais uma opção religiosa dentre inúmeras outras? Assim como aconteceu com Josué, servo de Moisés, e João, discípulo de Jesus, nós também nos assustamos quando nos damos conta que não somos os únicos sobre os quais Deus derramou o seu Espírito para trabalharmos pela salvação do mundo.
            É verdade que “nem tudo o que reluz é ouro”. Nem todos os que falam de Jesus estão trabalhando com honestidade pela causa do Reino de Deus. Em meio à pluralidade religiosa em que vivemos, há muitos falsos profetas. Contudo, precisamos ter a coragem de reconhecer o ciúmes que se manifesta dentro de nós quando vemos pessoas que não nos seguem trabalharem pela mesma causa do Evangelho. E a melhor maneira de lidar com esse ciúmes é recordar as palavras de Jesus: “O Espírito sopra onde quer” (citação livre de Jo 3,8).
            O mundo a ser salvo é grande demais, a humanidade a ser redimida é numerosa demais para ficar dependente apenas do alcance da nossa evangelização. Além disso, precisamos de humildade e bom senso para reconhecer que Deus não precisa nos pedir permissão para agir além de nós, além das estruturas da nossa Igreja. Aquilo que ocupa o coração do nosso Deus é a salvação das pessoas, e não o prestígio da nossa instituição. Diante disso, podemos ficar emburrados e nos corroendo de ciúmes, ou podemos louvar e bendizer a Deus porque o Evangelho da salvação está chegando ao coração de muitos através de pessoas que não nos seguem.
            Jesus nos recorda que, se existe uma preocupação que deve nos inquietar é o problema do escândalo, e não da pluralidade religiosa. O que Jesus entende por “escândalo”? Escândalo é toda atitude que faz alguém perder a fé, não só a fé em relação a Deus, mas também a fé em relação à ética, à honestidade, à justiça etc.. Neste sentido, São Tiago nos alerta sobre o escândalo da riqueza que é construída às custas dos baixos salários, e hoje poderíamos acrescentar, às custas da exploração religiosa do povo simples. Quando a nossa prosperidade financeira é obtida mediante a exploração do salário de quem trabalha para nós, ou obtida mediante a humilhação e a exploração de quem trabalha conosco, nossa riqueza não é bendita, mas maldita: sobre ela pesa o julgamento de Deus, aos olhos de quem nosso coração está sendo cevado para o dia em que morreremos e seremos consumidos pelos vermes, da mesma forma como a nossa riqueza apodrecerá e nosso ouro e nossa prata serão consumidos pela ferrugem (cf. Tg 5,1-6).    
             Como estamos às vésperas das eleições, convém lembrar que o nosso país não é apenas o país do futebol e do carnaval; é também o país da corrupção e da impunidade. Se a Lei da Ficha Limpa tivesse sido respeitada integralmente, nós teríamos bem menos candidatos concorrendo às eleições municipais. Mas o dinheiro tem um enorme poder de corromper a consciência, seja de quem faz as leis, seja de quem deve fazê-las cumprir e serem respeitadas. O escândalo da corrupção e da impunidade tem feito muita gente simples perder a fé na ética, na política, na justiça e no cuidado pelo bem comum. Aqui cabe uma pergunta para cada um de nós, brasileiros: Que país é este que junta milhões numa marcha gay, outros milhões numa marcha evangélica, muitas centenas na marcha a favor da maconha, mas que não se mobiliza contra a corrupção? (Juan Arias, correspondente no Brasil do jornal espanhol El País).
         Retornando ao Evangelho, Jesus aproveitou a intolerância religiosa de João para propor aos seus discípulos e a nós um outro tipo de intolerância: que eu seja intolerante com a minha hipocrisia; intolerante com a minha consciência, quando ela age segundo a minha conveniência e não segundo o Evangelho; intolerante com tudo aquilo que em mim provoca atitudes de causam escândalo, isto é, que fazem os outros perderem a fé em Deus, na Igreja, na justiça, na verdade, no bem comum etc. 
            Assim, se a minha mão (as minhas atitudes), se o meu pé (a direção que eu dou para a minha vida), se o meu olho (a maneira como eu vejo e interpreto a realidade) são contrários ao Evangelho, eu preciso ser firme comigo mesmo e cortar o mal pela raiz, antes que tudo o que há em mim seja corrompido e contaminado pela sensação de impunidade. Fazendo uma faxina em minha consciência e deixando de ser causa de escândalo para os outros, eu estarei colaborando com o Espírito de Deus, na sua missão sagrada de salvar a humanidade.    
                                                                                                                                                                            Pe. Paulo Cezar Mazzi