quinta-feira, 31 de maio de 2012

FALAR CORRETAMENTE DE DEUS

Missa da Santíssima Trindade – Palavra de Deus: Deuteronômio 4,32-34.39-40;  Romanos 8,14-17; Mateus 28,16-20.

Apesar da multiplicidade de religiões que existem no mundo e da multiplicação de igrejas evangélicas no Brasil, há um problema que precisa ser enfrentado por todos nós que nos consideramos cristãos: a perda da fé em Deus. É cada vez maior o número de pessoas que deixam de acreditar em Deus, seja porque tiveram ou estão tendo que se confrontar com o sofrimento, seja porque as igrejas não estão falando corretamente de Deus, ou não estão conseguindo falar uma linguagem religiosa que chegue ao coração das novas gerações.
Embora uma das motivações em deixar de acreditar em Deus seja o querer ser diferente dos outros, a desistência em crer em Deus, por parte de muitas pessoas, também questiona a cada um de nós que (ainda) cremos. Que imagem de Deus temos dentro de nós? Que imagem de Deus passamos para as pessoas, com as nossas palavras e com as nossas atitudes?   
O Deus em quem nós cremos é o único Senhor: “Reconhece, pois, hoje, e grava-o em teu coração, que o Senhor é o Deus lá em cima no céu e cá embaixo na terra e que não há outro além dele” (Dt 4,39); “O Senhor nosso Deus é um” (Dt 6,4). Se o Deus em quem nós cremos é “um” e se o ser humano foi criado à imagem e semelhança de Deus (cf. Gn 1,27), quando uma pessoa deixa de crer em Deus, deixa de ser “una”; seu coração se divide, sua alma se fragmenta e ela, para sobreviver, tenta se agarrar a qualquer coisa que possa ilusoriamente preencher o vazio que está em seu coração, já que Deus foi varrido dali.
Apesar de serem vários os motivos que levam pessoas a deixarem de crer em Deus, o ponto central é a questão do sofrimento. Diante da experiência do sofrimento, a imagem que temos de Deus se quebra, e em algumas pessoas não se refaz mais. Por isso, vale a pena retomar as palavras que Deus dirigiu aos amigos de Jó, que se viram perdidos ao tentar ajudar Jó a manter a fé em Deus no meio do seu sofrimento: “Estou indignado contra ti e teus dois companheiros, porque não falaste corretamente de mim, como o fez meu servo Jó” (Jó 42,7). Essa é a questão: nós falamos corretamente de Deus a quem está sofrendo? Nós pensamos corretamente sobre Deus quando estamos sofrendo?
Nas páginas 167-178 do livro “Se quiser experimentar Deus”, Anselm Grün fala da imagem de Deus diante do sofrimento humano, e afirma que nossa imagem de Deus atualmente é assim: sem lugar para o sofrimento. “Nós construímos uma imagem de Deus que corresponda aos nossos gostos. Quando, então, um sofrimento nos atinge, nossa imagem de Deus se desmorona. E quanto Deus não corresponde a esta imagem, nós nos distanciamos dele”.   
O mistério da Santíssima Trindade, que celebramos hoje, nos recorda que o Deus em quem cremos é amor (cf. 1Jo 4,8). Justamente porque Deus é amor, Ele não é solidão, mas comunhão, proximidade, abraço. Amor é movimento. “O movimento que parte do Pai, passa pelo Filho e se consuma no Espírito Santo é um movimento de amor” (homilia do Pe. Adroaldo, sj). São Paulo apóstolo nos convida a nos deixar conduzir pelo Espírito de amor de Deus, a nos dar conta de que dentro de nós, dentro de cada ser humano, inclusive dos que dizem não mais acreditar em Deus, existem um clamor de filho, que faz com que todo ser humano se dirija a Deus com a palavra “Pai!” (Rm 14,15), como sempre fez o Filho Jesus.
Quando nos deixamos conduzir pelo Espírito de Deus, voltamos a ter a certeza não somente de que Deus existe, mas de que nós somos filhos Seus (cf. Rm 14,16), e não há sofrimento que possa retirar de nós essa certeza porque sabemos que “se sofremos com Cristo, é para sermos também glorificados com ele” (Rm 14,17). Assim, olhamos para Jesus, que quando sofreu também se sentiu abandonado por Deus (“Meu Deus, meu Deus, por que me abandonaste?” Mc 15,34), mas nunca abandonou a Deus (“Pai, em tuas mãos entrego o meu espírito” Lc 23,46).
Pe. Paulo Cezar Mazzi

quinta-feira, 24 de maio de 2012

A FORÇA TRANSFORMADORA DO ESPÍRITO

Missa de Pentecostes - Palavra de Deus: Atos dos Apóstolos 2,1-11; 1Coríntios 12,3b-7.12-13; João 20,19-23.
           
            No dia de Pentecostes, Deus derramou sobre os apóstolos o dom do Espírito Santo, mas o Espírito Santo foi concedido não somente no dia de Pentecostes. Ele também foi derramado em outros momentos, ora sobre os apóstolos (cf. At 4,31), ora sobre os samaritanos (cf. At 8,17), ora sobre os pagãos (cf. At 10,4). O próprio Jesus, ao ensinar a oração do Pai Nosso, disse que o Pai nos daria o Espírito Santo sempre que o pedíssemos (cf. Lc 11,13). Portanto, hoje nós podemos pedir ao Pai que novamente infunda em nós o seu Espírito de amor.
            A palavra “Pentecostes” está ligada ao número “cinquenta”, e cinquenta significa “plenitude”. O Espírito Santo sempre parte de onde nós estamos, daquilo que somos, para nos levar aonde Deus quer que estejamos, para nos conduzir à nossa plenitude como pessoas e filhos de Seus. Porém, essa plenitude só é alcançada quando aceitamos que o Espírito de Deus nos exponha a provações, desafios e dificuldades que irão nos conduzir à verdade plena, pois ele é o Espírito da Verdade (cf. Jo 16,13).
            O Espírito Santo foi descrito no evento de Pentecostes por meio das imagens do vento e das línguas de fogo (cf. At 2,2-3). De muitas maneiras, o Espírito de Deus procura soprar sobre nós, para remover as cinzas de uma fé, de uma esperança e de um amor que se apagaram dentro de nós, para reacender em nós a chama da fé, da esperança e do amor. Como fez por duas vezes com os discípulos (cf. At 2,2; 4,31), o Espírito Santo algumas vezes nos sacode fortemente com o Seu vento para nos despertar, para nos desacomodar, para nos impulsionar a enfrentar os desafios ao invés de fugirmos deles.
            O nosso grande desafio é acolher o vento do Espírito, que “sopra onde quer” (Jo 3,8) e nos leva para onde devemos ir, não para onde gostaríamos de ir, como disse o apóstolo Paulo: “Agora, acorrentado pelo Espírito, dirijo-me a Jerusalém, sem saber o que lá me sucederá. Senão que, de cidade em cidade, o Espírito Santo me adverte dizendo que me aguardam cadeias e tribulações” (At 20,22-23). Se queremos experimentar a força transformadora do Espírito Santo, precisamos nos deixar “agarrar” por Ele e aceitar que Ele nos conduza para onde Ele quer, da forma como Ele quer.
            Consideremos a expressão “força transformadora do Espírito”. Ela aparece na imagem das línguas de fogo que desceram sobre os apóstolos. Conhecemos a força transformadora do fogo: ele endurece o barro, purifica o metal, funde o ferro. Da mesma forma como o Espírito Santo transformou uma comunidade amedrontada, ameaçada de morte, triste e cheia de incompreensões (cf. Jo 20,19), numa comunidade de pessoas capazes de testemunhar Jesus Cristo para o mundo (cf. At 1,8; 4,31), pedimos que o fogo do Espírito Santo queime o nosso medo, a nossa covardia e o nosso comodismo em anunciar o Evangelho; que Ele queime em nós tudo aquilo que é estranho, tudo aquilo que é contrário a Deus.
            Quando as línguas de fogo desceram sobre os apóstolos, eles começaram a falar de Deus de modo que todas as pessoas, independente da sua nacionalidade, podiam entender (cf. At 2,4.6.8.11). Diante da “Torre de Babel” em que às vezes se transforma a nossa casa, o nosso ambiente de trabalho, a nossa comunidade de fé, o nosso relacionamento com os outros – sabendo que essa confusão nos divide e nos impede de construir qualquer coisa juntos (cf. Gn 11,7.9) – precisamos silenciar, acolher e obedecer à voz do Espírito, que sempre se manifesta a cada um em vista do bem comum, em vista de restaurar a unidade do Corpo (cf. 1Cor 12,7), lembrando a oração da Igreja: “Vosso Espírito Santo move os corações, de modo que os inimigos voltem à amizade, os adversários se deem as mãos e os povos procurem reencontrar a paz” (Oração sobre a Reconciliação II).
            Especialmente neste dia de Pentecostes, clamemos o Espírito Santo de Deus. Que Ele venha sobre os nossos ossos secos e nos devolva a vida e a esperança (cf. Ez 37,9-14); que Ele renove a face de toda a Terra (cf. Sl 104,30); que Ele sopre onde quer e como quer, em favor do Reino de Deus, da redenção da humanidade, testemunhando no coração de cada ser humano a sua filiação divina (cf. Rm 8,16; Gl 4,6-7) e a sua submissão ao poder salvador de nosso Senhor Jesus Cristo (cf. 1Cor 12,3; Jo 17,2). 

                                                                                Pe. Paulo Cezar Mazzi 

segunda-feira, 21 de maio de 2012

A IMAGEM DE DEUS DIANTE DO SOFRIMENTO HUMANO


      Ao deixar claro aos discípulos que ele deveria ir a Jerusalém para sofrer muito da parte dos anciãos, sumos sacerdotes e mestres da lei, para ser morto e ao terceiro dia ressuscitar (cf. Mt 16,21), Jesus sabia que nós podemos abusar de uma imagem otimista de Deus; podemos tornar Deus inofensivo, usá-lo para nós mesmos, para que as coisas nos corram bem.
      Ao se opor às palavras de Jesus, dizendo “Que Deus não permita tal coisa, Senhor! Isso nunca te acontecerá!” (Mt 16,22), Pedro mostra que havia excluído de sua imagem de Deus o sofrimento. Nossa imagem de Deus atualmente também é assim: sem lugar para o sofrimento. Nós construímos uma imagem de Deus que corresponde aos nossos gostos. Quando, então, um sofrimento nos atinge, nossa imagem de Deus se desmorona. E quando Deus não corresponde a esta imagem, nós nos distanciamos dele.
      Corrigindo Pedro (cf. Mt 16,23), Jesus nos lembra que com a nossa imagem de Deus misturam-se nossos próprios pensamentos e desejos. Não pensamos como Deus pensa, mas como agrada aos seres humanos. Nossos pensamentos não procedem de Deus, mas das expectativas e projeções humanas. Enquanto Deus se comporta de acordo com nossos desejos, nós conseguimos professar nossa fé no Deus que liberta, ama e cura. Mas logo que o sofrimento nos atinge, esta bela imagem de Deus se desmorona.
      Jesus nos ensina que nós não podemos nos servir de Deus. Não podemos usá-lo para que as coisas nos corram melhor. Deus não é o encarregado de cumprir os nossos desejos. Deus não é a droga que possamos consumir para escapar à realidade. Numa época como a nossa, onde os livros mais vendidos são os de auto-ajuda, Jesus não nos diz como podemos “tirar o máximo” da vida. O que a ele importa é antes que estejamos comprometidos com a vida. Só aquele que se esquece de si, e se envolve com a vida, é que há de sentir o que a vida é, e que riquezas ela esconde. Só quem deixar de usar tudo para si mesmo, só quem estiver pronto para envolver sua vida em favor de outros, só este a haverá de ganhar (cf. Mt 16,25).
      A mensagem de Jesus dirige o nosso olhar para longe de nós. Temos que deixar de girar de maneira egoísta em torno de nós mesmos e descobrir para que somos chamados. O que decide não é o que desejamos fazer de nossa vida, mas o que Deus nos confia, e o desafio que Ele nos faz.

      Esta reflexão foi retirada do livro “Se quiser experimentar Deus”, de Anselm Grün.

quinta-feira, 17 de maio de 2012

ELEVADOS

Missa da Ascensão do Senhor. Palavra de Deus: Atos dos Apóstolos 1,1-11; Efésios 1,17-23; Marcos 16,15-20.

            Como é a trajetória de uma vida? Tanto biológica quanto em termos de capacidade de realizar coisas, a vida começa cheia de energia e de possibilidades, desenvolve-se, atinge o seu auge, passa a sofrer os desgastes próprios do tempo, aos poucos se enfraquece, declina, morre e é enterrada. Seja no sentido biológico, seja no sentido da capacidade de realização, a nossa vida pode ser representada por uma curva que termina para baixo. Mas, será assim também no sentido do nosso amadurecimento humano e espiritual?
            Ao narrar a Ascensão, a elevação de Jesus ao céu, São Lucas diz que ela aconteceu no final de um período de quarenta dias após a ressurreição (cf. At 1,3.9). Simbolicamente, o número “quarenta” pode representar, na Bíblia, a duração de uma vida. A conclusão da vida de Jesus não foi o seu declínio, mas a sua elevação ao Pai, com quem Jesus procurou estar em comunhão todos os dias de sua vida terrena, por meio da oração. Pense um pouco: como será a conclusão da sua vida? Ainda que no sentido biológico a curva da sua existência declinará gradativamente, no sentido espiritual você tem se elevado até Deus ou tem se afastado dele?
            A Psicologia nos ensina que quando passamos da metade da vida, precisamos começar a nos despedir das nossas manias de grandeza, da nossa ilusão de darmos conta de tudo, da nossa pretensão de sermos eternos e insubstituíveis. Gostemos ou não, aceitemos ou não, o fato é que a curva da nossa existência cedo ou tarde começa a declinar, e este é o sinal de que chegou a hora de começarmos a “aliviar a bagagem”, a abrir mão de tantas coisas periféricas e supérfluas nas quais nos agarramos, e ter assim as mãos livres para nos agarrar às mãos d’Aquele que um dia nos elevará junto de Si no céu.     
            Antes de partir para o céu, Jesus prometeu revestir seus discípulos do poder do Espírito Santo, para serem testemunhas dele por toda a terra (cf. At 1,8); Ele quis que seus discípulos saíssem pelo mundo inteiro anunciando o Evangelho a toda pessoa. Isso também diz respeito a cada um de nós. Onde quer que você se encontre, deve anunciar o Evangelho, ser o Evangelho para aqueles que convivem com você no dia a dia. Suas palavras, suas atitudes, sua vida tem comunicado o Evangelho às pessoas? Qual a mensagem que a sua vida terá deixado para as pessoas, depois que você partir?
Hoje é o Dia Mundial das Comunicações. Sabemos que o mundo atual é uma imensa rede, onde as pessoas estão conectadas umas às outras, principalmente via celular e internet. O uso que você faz do celular e da internet está te elevando até Deus ou está te afastando dele? O uso que você faz do celular e da internet eleva as pessoas com as quais você se comunica até Deus ou as afasta dele? O que você poderia fazer para aproveitar os recursos da tecnologia digital e anunciar o Evangelho, anunciar a pessoa de Jesus Cristo, para as pessoas com as quais você diariamente se conecta?
A Ascensão de Jesus contém um apelo para cada um de nós. O mesmo Jesus que se elevou ao céu é aquele que, estando na terra, entrou em comunhão com o declínio humano. Desse modo, somos chamados a nos colocar junto a toda pessoa cujo coração está declinado, caído, para reascender nela o desejo de se elevar, para devolver-lhe a condição de se elevar. Que o Espírito Santo, a força do Alto, nos torne capazes de comunicar para as pessoas decaídas uma mensagem que as eleve, seja por meio das nossas palavras, seja por meio das nossas atitudes, seja por meio da nossa própria vida. Que ele também nos confirme como filhos e filhas do céu, destinados à comunhão com o Pai e seu Filho na glória do céu. 
  
Pe. Paulo Cezar Mazzi

quinta-feira, 10 de maio de 2012

PERMANECER NO AMOR

            Missa do 6o. dom. da Páscoa. Palavra de Deus:  Atos do Apóstolos 10,25-26.34-35.44-48; 1João 4,7-10; João 15,9-17. 

               “Eu sou amado?” Dizem que esta pergunta já está no coração de cada ser humano ao nascer. Ser amado, sentir-se amado é uma necessidade básica em cada pessoa, tão básica quanto sentir fome, sede, frio, necessidade de proteção etc. Mas mesmo depois que crescemos, a pergunta “Eu sou amado?” costuma nos acompanhar. Por isso, é importante revisar a nossa história de vida e nos perguntar: que resposta eu recebi das pessoas que me criaram quando perguntei “Eu sou amado?”
                A experiência que fizemos do amor do nosso pai, da nossa mãe ou da pessoa que nos criou influencia a maneira como nos sentimos amados hoje, assim como também influencia a maneira como amamos os outros. Porém, a Palavra de Deus hoje está nos convidando a ir além do amor que recebemos daqueles que nos criaram, para beber da fonte d’Aquele que é Amor, Ele que nos amou primeiro, o próprio Deus: “Nisto consiste o amor: não fomos nós que amamos a Deus, mas foi ele que nos amou...” (1Jo 4,10).
                Portanto, a pergunta que todos nós trazemos de fundo (“Eu sou amado?”) só pode encontrar resposta no Deus que “nos escolheu antes da criação do mundo, para sermos santos e irrepreensíveis diante dele no amor” (Ef 1,4). Se a Escritura afirma que “Deus é amor” (1Jo 4,8), devo tomar consciência de que quando estou diante de Deus, na oração, estou diante do Amor que me amou primeiro, do Deus que me ama incondicionalmente, sem exigir que primeiro eu seja justo, santo, bom, para depois ser merecedor do Seu amor.
                Jesus nos convida a permanecer no seu amor, no amor que Ele recebe do Pai, no amor que sempre alimentou e sustentou sua vida de Filho. O que significa “permanecer no amor de Jesus”? Ele mesmo responde: “Se vocês guardarem os meus mandamentos, permanecerão no meu amor... Este é o meu mandamento: amem-se uns aos outros como eu os amei” (Jo 15,10.12). Em outras palavras, Jesus nos convida a passar da pergunta “Eu sou amado?” para a pergunta “Estou disposto a amar?”
                Estou disposto a amar, numa época em que o mal cresce a tal ponto no mundo que esfria o amor no coração de muitas pessoas (cf. Mt 24,12)? Estou disposto a amar, apesar das decepções que já sofri com o amor das pessoas? Estou disposto a permanecer no Amor que é Deus, mesmo quando esse Amor não impede que coisas ruins me aconteçam, ou aconteçam com aqueles que eu amo? Estou disposto a amar como Jesus me ama – “Tendo amado os seus que estavam no mundo, amou-os até o fim” (Jo 13,1) –, ou estou disposto a amar somente até que eu me canse e me decepcione com as pessoas?
                Por providência de Deus, justamente neste dia em que a Palavra nos fala do amor de Jesus, de Deus como Amor, nós celebramos o dia das mães. Assim como Deus, a mãe ama o filho não porque ele merece, mas porque ele precisa ser amado. Como diz um poema, o filho a quem a mãe mais ama é aquele que está doente, até que sare; aquele que partiu, até que volte; aquele que se perdeu, até que se deixe encontrar...
Se, por um lado, temos mães que amam seus filhos sem eliminar da vida deles a necessidade da disciplina, do senso de responsabilidade, da ética, dos limites, do valor do sacrifício, por outro lado temos mães que confundem amor com excesso de proteção e de carinho, buscando poupar seus filhos de todo tipo de dor, de problema, de desafio, contribuindo para que seus filhos cresçam como adultos infantilizados, como pessoas incapazes de lidarem com a vida, pessoas que estarão dispostas a amar somente enquanto seus caprichos forem atendidos, até que não seja exigido delas algum tipo de sacrifício para que aquela relação amadureça e dê frutos.           
Hoje trazemos novamente nossos ramos adoecidos pela infertilidade, aquela área da nossa vida onde desistimos de amar; trazemos nossa pergunta de fundo (“Eu sou amado?”) e a colocamos diante do Deus que é amor, do Deus que nos pergunta: “Você está disposto a amar, a amar como meu Filho, até o fim, independente se o seu amor será reconhecido, correspondido, se colherá os frutos (resultados) que você está esperando?” Hoje, mães e filhos, trazemos ao altar a história de vida de nossa família, e nos comprometemos a permanecer no amor de Jesus, amor que “tudo desculpa, tudo crê, tudo espera, tudo suporta” (1Cor 13,7), amor que  “tudo ensina, tudo vê, tudo restaura, tudo conforta” (música Permanecer no Amor, Banda Dom). É permanecendo neste Amor que produziremos  frutos, frutos que permanecerão, conforme a promessa de Jesus (cf. Jo 15,16).

Pe. Paulo Cezar Mazzi

quinta-feira, 3 de maio de 2012

CONECTADOS

Missa do 5º. dom. da páscoa. Palavra de Deus: Atos dos Apóstolos 9,26-31; 1João 3,18-24; João 15,1-8.

            Sabemos que se o galho de uma árvore não permanecer unido ao tronco, murchará, secará e não poderá produzir nenhum fruto. Mas, como a maioria de nós vive numa cultura urbana, podemos usar um outro exemplo: se você não conectar a bateria do seu celular ou do seu notebok numa rede elétrica de vez em quando, ficará na mão quando precisar deles, e eles se tornarão inúteis para você.
            Seja o galho unido ao tronco, seja a bateria do celular ou do notebok unida à rede de energia, o fato é que essas imagens falam de nós e revelam que nós não temos a vida em nós mesmos, não somos autossuficientes; nós só vivemos se recebermos a vida de Alguém maior do que nós. Como Jesus deixa claro, “como o ramo não pode dar fruto por si mesmo se não permanecer na videira, assim também vós não podereis dar fruto se não permanecerdes em mim” (Jo 15,4).   
            Se, por um lado, muitas pessoas optaram por se desvincularem de Jesus e de uma comunidade cristã, por considerarem que não precisam disso para alimentar a sua fé, por outro lado temos pessoas que se conectam com Deus ou com seu Filho Jesus na oração apenas para recarregar suas baterias: depois de terem ido a uma igreja no fim de semana e recarregado suas baterias, voltam para as suas atividades e passam os demais dias da semana sem se conectarem com Deus por meio da oração. Essas pessoas, e também muitos de nós, ainda não entenderam o recado de Jesus: “Sem mim, nada podeis fazer” (Jo 15,5).
            Qual é o problema com a nossa vida de oração, com a nossa vida de fé, com a maneira como nos relacionamos com Deus, como vivemos a nossa religião? Nós não sabemos “permanecer”. Jesus mencionou essa palavra oito vezes, no evangelho que ouvimos. Na vida da maioria das pessoas que têm uma religião, existe uma procura por Deus, mas não um permanecer n’Ele. Além disso, o nosso “permanecer” é vivenciado sob determinadas condições: eu só permaneço em Deus enquanto as coisas estão caminhando como eu quero. Porém, Jesus me convida a permanecer em Deus também quando não há resposta na minha oração; quando não há consolação diante da minha desolação; quando o meu estar unido a Ele me custa sofrimento, humilhação, perseguição; quando tantos se desconectam de Deus para se conectar a outras coisas aparentemente mais interessantes. Jesus me convida a permanecer em Deus também quando chega o período da poda...
            A hora mais difícil de permanecer no Pai é a hora em que Ele, o Agricultor, tem que nos podar, para que possamos produzir frutos melhores (cf. Jo 15,2). A “poda” a que se Jesus se refere é um tapa na cara da nossa geração, uma geração egocêntrica, cheia de melindres, que busca a religião em função do próprio bem estar e se esquece que o objetivo principal da nossa vida de fé não é o nosso bem estar, mas que guardemos os mandamentos de Deus e façamos o que é do seu agrado, isto é, que acreditemos em seu Filho Jesus e que nos amemos uns aos outros (cf. 1Jo 3,22-23).
            O ramo só pode produzir fruto se estiver conectado ao tronco. Que frutos são produzidos na sua vida como resultado do tempo em que você passa conectado na Internet? O fruto a que Jesus se refere é fazer aquilo que é do agrado do Pai: que o Pai seja glorificado por meio de nossas atitudes (cf. Jo 15,8). Você utiliza a sua energia espiritual para fazer aquilo que agrada a Deus, para glorificá-Lo, ou para sustentar atitudes na sua vida que desagradam a Deus, que desonram o Nome d’Ele perante os outros? Que cortes você está precisando fazer na sua vida para efetivamente permanecer conectado em Deus? Que tipo de poda, de limpeza precisa ser realizada em você, para que produza um fruto realmente bom no seu relacionamento afetivo, profissional, social? Você se relaciona com as pessoas, inclusive da sua comunidade de fé, como alguém capaz de produzir frutos que alimentem, que deem vida a esses relacionamentos, ou sua postura é a de um parasita, de um sanguessuga, de um vampiro que vive do sangue alheio?    
            O evangelho de Jesus é a Palavra que tem a capacidade de nos limpar, de podar em nós aquilo que tem desagradado a Deus (cf. Jo 15,3). Permaneçamos diariamente nessa Palavra, permitindo que ela devolva a seiva do Espírito Santo aos nossos ramos, e nos ajude a amar “não só com palavras, mas com ações e de verdade” (1Jo 3,18). Permaneçamos na presença de Deus, que “é maior que o nosso coração e conhece todas as coisas” (1Jo 3,20). Vivendo nessa imensa “rede social” que é o nosso mundo moderno, onde tantos se conectam a pessoas e situações que lhes roubam a seiva da vida, saibamos permanecer conectados Àquele que disse: “É de mim que procede o teu fruto” (Os 14,9). Permaneçamos n’Ele, porque sem Ele nada podemos fazer...
Pe. Paulo Cezar Mazzi

terça-feira, 1 de maio de 2012

O silêncio como abertura para Deus


o silêncio serve ao ouvir, ao escutar a palavra de Deus. Ele aguça a percepção para a presença de Deus como espaço em que nos movimentamos, e para a palavra de Deus que nos aponta o caminho. No silêncio eu escuto a doutrina do Senhor, que mostra-me o caminho para a vida. Nós devemos fazer silêncio a fim de mantermos a abertura para a presença de Deus.
O silêncio torna possível uma atmosfera em que seja possível rezar. E isto preserva aquilo que nasceu e cresceu durante a oração. Quando alguém volta a falar logo após a oração em comum, este não é capaz de preservar o fruto da oração. O recolhimento dissipa-se, o que junto no seu íntimo é derramado. Mas o silêncio faz com que a oração continue ressoando, que ela se consolide no coração.
O silêncio também é uma reação a uma profunda experiência de Deus, e não, ao invés, um meio para provocar uma experiência de Deus. A própria Sagrada Escritura revela que o silêncio profundo é sempre uma reação provocada pela força da manifestação do próprio Deus: “O Senhor está no seu templo santo: silêncio em sua presença, terra inteira!” (Hab 2,20); “Silêncio diante do Senhor Deus, pois o dia do Senhor está próximo” (Sf 1,7); “Quando (o Cordeiro) abriu o sétimo selo, houve silêncio no céu por espaço de meia hora” (Ap 8,1). Em todos estes textos, o silêncio puro e profundo é provocado pelo próprio Deus.
Às vezes nossas imagens de Deus são para nós mais importantes do que Deus mesmo. Quando nos desvinculamos de todas as nossas imagens, e mergulhamos no fundamento mais íntimo de nós mesmos livre de toda e qualquer imagem, então nós somos um com Deus. No silêncio trata-se de nos desnudarmos de todas as imagens e ideias, a fim de que o caminho não fique bloqueado para Deus. Quando tivermos renunciado a todos os pensamentos próprios, quando tivermos mandado embora o Deus que nós criamos, estaremos dando a Deus a possibilidade de nascer em nós.
Em cada um de nós existe um lugarzinho onde o silêncio é completo, um lugar livre do ruído dos pensamentos, livre das preocupações e desejos. Não temos necessidade de criá-lo, ele já existe, apenas está obstruído por nossos pensamentos e preocupações. Quando desobstruímos em nós este lugar do silêncio, poderemos encontrar Deus como ele é.
Deixamos passar todas as expectativas, a expectativa de uma intensa experiência de Deus, toda expectativa de sentimentos de felicidade; de nossas ideias e imagens, de nós mesmos. Não temos necessidade de apresentar a Deus coisa alguma, nem pensamentos edificantes nem sentimentos piedosos. Simplesmente estamos diante de Deus – e em silêncio. Conservamos nosso coração vazio em sua presença para deixarmos que se encha com seu amor inefável, que já não pode ser descrito em palavras. Calamo-nos diante de Deus e aguardamos. Não sabemos se Deus vem e se ele toma posse de nós. Sabemos pela fé que ele está aí, mesmo que não o experimentemos. Perseverar e esperar, suportar também a não experiência de Deus, desapegar-nos da solidez da terra firme, deixarmo-nos cair no amor de Deus, abrir-nos para a presença de Deus sem a certeza de dela experimentarmos alguma coisa, é nisto que para os monges consiste o silêncio. É um silêncio esvaziado de todos os pensamentos e sentimentos humanos, um silêncio que ultrapassa toda experiência, um silêncio desapegado de toda busca de si mesmo e de toda experiência, um silêncio que se deixa cair confiantemente nos braços de Deus.

Do livro de Anselm Grün, As exigências do silêncio.